Palavras-chave: pena privativa de liberdade. funções. legitimação. defesa social. # I. Introdução o analisarem a legislação penal como base de interpretação do direito penal e os principais modelos decisórios a ele inerentes, Zaffaroni e Nilo Batista (2011) explicam que o modelo punitivo não é eficaz para a resolução dos conflitos, vez que ao prisonizar uma pessoa, apenas suspende o conflito no tempo, não o resolvendo. Neste modelo, é a dinâmica social quem soluciona os conflitos. Isto porque ela atua sobre o ser sendo dos homens de forma que com o passar do tempo eles se reinventam, mudam, se refazem. E neste interstício temporal, o conflito permanece suspenso no intuito de que os seus protagonistas também se modifiquem, e que o conflito caia no esquecimento, sendo pouco importante se durante tal período novos conflitos surjam ou não deste esquecimento. Complementam ainda que não existe sociedade em que todos os conflitos sejam solucionados, havendo aqueles em que uma resposta formal se torne indispensável por meio de sua institucionalização. A partir daí constroem a crítica de que o poder estatal concede às suas instituições funções manifestas e latentes. As primeiras podem ser entendidas como aquelas funções expressas, públicas e declaradas. Já as segundas devem ser entendidas como aquelas não declaradas, ou seja, as funções reais exercidas pelas instituições. Discorrem que, quanto às funções manifestas Trata-se de uma necessidade republicana; um poder orientador que não expresse para que é exercido não pode submeter-se ao juízo da racionalidade. Porém, em geral, essa função manifesta não coincide por completo com o que a instituição realiza na sociedade, ou seja, com suas funções latentes ou reais (ZAFFARONI, BATISTA, 2011. p.88). Dentro da análise que aqui se buscará realizar, temos que as teorias positivas da pena privativa de liberdade atribuem a ela uma gama de funções manifestas, em sua maioria, contraditórias e incompatíveis entre si, mas que possuem como traço comum a ideia de defesa social. Para a construção da crítica pretendida, serão analisadas duas vertentes das teorias positivas da pena, que aqui nos interessam: teorias absolutas e teorias relativas. # II. # Teorias Absolutas Através das Teorias Absolutas da pena, ensina Luiz Regis Prado que (2008) "as concepções absolutas têm origem no idealismo alemão, sobretudo com a teoria da retribuição ética ou moral de Kant" (PRADO, 2008, p. 489). Segundo esta doutrina a pena seria uma retribuição ética "que se justifica por meio do valor moral da lei penal violada pelo culpado e pelo castigo que consequentemente lhe é imposto" (FERRAJOLI, 2014, p.237). Já em Hegel temos que a pena seria a negação do delito que, por sua vez, é a negação do direito. Assim, ao se negar o delito, o que se está fazendo em verdade é reafirmar o direito violado. Tratase de uma retribuição jurídica "justificada pela necessidade de restaurar o direito por meio de uma violência, em sentido contrário, que reestabeleça o ordenamento legal violado" (FERRAJOLI, 2014, p.237). Para as Teorias Absolutas da pena, portanto, a pena tem sua justificativa unicamente no delito praticado, sendo ela um fim em si mesma tendo como base a ideia de retribuição, de compensação, reparação ou castigo pelo mal causado pelo delito. Eventuais efeitos preventivos dela decorrentes, são alheios à sua essência. Ponto em comum entre as teorias kantiana e hegeliana é que ambas centram-se na ideia de retribuição e reconhecem que, entre o delito praticado e a pena aplicada, deve haver uma relação de igualdade. No entanto, a hegeliana difere-se da primeira por buscar a construção de uma teoria positiva da retribuição, dotada de racionalidade por levar em consideração os aspectos jurídicos da pena e não morais, buscando separar direito e moral. # Importante destacar que Para os partidários das teorias absolutas da pena, qualquer tentativa de justificá-la por seus fins preventivos (razões utilitárias) -como propunham, por exemplo, os penalistas da ilustração -implica afronta à dignidade humana do delinquente, já que este seria utilizado como instrumento para a consecução de fins sociais. Isso significa que a pena se justifica em termos jurídicos exclusivamente pela retribuição, sendo livre de toda consideração relativa a seus fins (pena absoluta ab effectu). (PRADO, 2008, p.490) Segundo Zaffaroni e Nilo Batista (2011) as teorias absolutas tendem a "a) retribuir b) para garantir externamente a eticidade c) quando uma ação objetivamente a contradiga d) infligindo um sofrimento equivalente ao injustamente produzido (talião)" (ZAFFARONI; BATISTA, 2011, p. 115). No entanto, a nosso ver, a justificação da pena pela retribuição é insustentável. De início, por ser baseada na ética e na metafísica, não é passível de demonstração empírica. Por outro lado, confunde direito e natureza, já que a pena seria a reafirmação de uma ordem natural violada. E mais, conforme crítica realizada por Luigi Ferrajoli (2014), é justamente a impossibilidade de reparação que distingue a sanção na esfera penal daquelas de natureza civil. O equívoco teórico das teorias absolutas, ou retributivas, (...) consiste na confusão que tais doutrinas fazem entre dois problemas completamente diversos, ou seja, entre o problema da "finalidade geral justificadora" da pena, que não pode deixar de ser utilitarista e voltada para o futuro, e aquele da sua "distribuição", que, por sua vez, ocorrendo em bases retributivas, diz respeito ao passado, o que equivale a dizer, como proposto por Ross, entre o problema da "finalidade" da legislação penal e aquela da "motivação" com a qual a pena é imposta. (FERRAJOLI, 2014, p. 239). Nilo Batista (2011) conclui de forma lúcida que "a pena que se detém na simples retributividade, e portanto converte seu modo em seu fim, em nada se distingue da vingança" (BATISTA, 2011, p. 97). Atualmente, a ideia de retribuição vem na roupagem da proporcionalidade entre pena e injusto culpável (PRADO, 2008). # III. # Teorias Relativas As Teorias Relativas são conhecidas por atribuírem à pena um caráter utilitarista, seja atuando sobre os cidadãos que não delinquiram (prevenção geral), seja sobre os que delinquiram (prevenção especial), com fundamento na necessidade de se impedir o cometimento futuro de delitos. Para essas teorias, a pena seria um instrumento preventivo. (...) a concepção preventiva geral da pena busca sua justificação na produção de efeitos inibitórios à realização de condutas delituosas, nos cidadãos em geral, de maneira que deixarão de praticar atos ilícitos em razão do temor de sofrer a aplicação de uma sanção penal. (PRADO, 2008, p. 490). A prevenção especial, a seu turno, consiste na atuação sobre a pessoa do delinquente, para evitar que volte a delinquir no futuro (PRADO, 2008, p. 494). Temos assim, que "a concepção da pena enquanto meio, em vez de como fim ou valor, representa o traço comum de todas as doutrinas relativas ou utilitaristas" (FERRAJOLI, 2014, p. 240). # a) Prevenção Geral Negativa A prevenção geral negativa possui como lógica a dissuasão intimidatória defendendo que a pena seria capaz de dissuadir aqueles que não delinquiram, mas se sentem tentados a fazê-lo. É ela nada mais do que o efeito dissuasivo estabelecido pela lei penal para evitar a sua própria infração, ou mesmo garantir-lhe eficácia. Cesare Beccaria (2015) asseverava que "as penas que ultrapassam a necessidade de conservar o depósito da salvação pública são injustas por sua natureza; e tanto mais justas serão quanto mais sagrada e inviolável for a segurança e maior a liberdade que o soberano conservar aos súditos" (BECCARIA, 2015, p. 24). A prevenção geral tem suas raízes na teoria da coação psicológica de Anselm Von Feuerbach, elaborada no século XIX, segundo a qual a pena preveniria a prática de delitos intimidando ou coagindo psicologicamente os indivíduos. Para esta teoria, o delinquente seria um indivíduo racional que, através de uma lógica de mercado, seria capaz de analisar os prós e contras do comportamento delitivo, calculando o risco da pena como se calculasse o risco inerente ao de um negócio. Não tem por escopo o delinquente como indivíduo, sendo dirigida à generalidade dos cidadãos. Em decorrência do seu caráter abstrato, a prevenção geral negativa, tem seu foco dirigido ao delito e não ao delinquente individualmente, e este aspecto permitiria, em tese, a proteção deste contra tratamentos desiguais e de cunho corretivo e terapêutico. Salo de Carvalho (2015) ao analisar a nova fundamentação das sanções penais, especificamente quanto aos fundamentos do poder de punir, dispõe que na prevenção geral negativa "a concretização individualizada do ius puniendi no infrator geraria no corpo social não apenas respeito pelas normas ditadas pelo Estado como temor pela punição, elementos que desenvolvidos na cultura diminuiriam os índices de criminalidade" (CARVALHO, 215, p.208). Parte-se aqui de uma concepção mecânico-racional do humano, como um ente que em qualquer circunstância realizaria a comparação custo-benefício. Na base dessa antropologia está uma lógica de mercado, que chegou a formular-se expressamente, com aplicação do modelo econômico ao estudo do delito, pressupondo no infrator um sujeito racional que maximiza o benefício esperado de sua conduta por sobre o custo. (ZAFFARONI; BATISTA, 2011, p. 117). # Volume XXII Issue II Version I Alessandro Baratta (2011) ao analisar a Escola Liberal Clássica do direito penal e a criminologia positivista assevera que para esta corrente o delito, como comportamento, advinha da livre vontade do indivíduo e não de características patológicas. Dessa forma, do ponto de vista da liberdade e da responsabilidade moral o delinquente não poderia ser considerado como diferente dos demais indivíduos. Essa visão racionalista do delinquente gera como consequência a defesa de que o direito penal e a pena não deveriam ser considerados como meios de intervenção sobre o sujeito, buscando modificá-lo ou curá-lo, mas sim como meio de defesa social. A pena, então, seria um dissuasivo, uma contramotivação em face do crime. A realidade nos revela que ainda que se consiga verificar, empiricamente, a existência da função preventiva geral negativa da pena, esta não é absoluta ou significativa, já que existem indivíduos que não se sentem dissuadidos, por ela, a praticar delitos. Mesmo sabendo das consequências jurídicas decorrentes da prática de um ato delituoso, temos que parcela da população continua a praticá-los, não sendo possível aferir de forma absoluta a sua presença na prática, em especial se contraposta aos elevados índices de criminalidade e reincidência existentes. Afora tal fato, tem-se também que, em que pese a prevenção geral negativa oferecer proteção contra abusos por parte do Judiciário, não o faz em relação aos abusos legislativos. Isto porque, se é função da pena intimidar os indivíduos, impedindo-os à prática de novos delitos, e mesmo assim verificando que tal intimidação não é eficaz, a única saída, na lógica da prevenção geral negativa, seria elevar o quantum das penas aplicadas aos crimes, aumentando sua severidade. Se essa lógica for seguida à risca, ou seja, se a eficácia da pena for tida como diretamente ligada à sua severidade, o ponto final seria a cominação da pena de morte para todos os crimes. E ainda assim, acreditamos que a sua verificação não seria absoluta. Resta evidente que "a lógica da dissuasão intimidatória propõe a clara utilização de uma pessoa como recurso ou instrumento empregado pelo estado para seus próprios fins: a pessoa humana desaparece, reduzida a um meio a serviço dos fins estatais" (ZAFFARONI, BATISTA, 2011, p. 120). Por certo, existem pessoas que se sentem dissuadidas à prática de atos delituosos em decorrência do caráter intimidatório que a pena possui. Porém, o que a realidade nos mostra, é que não é a prevenção geral negativa o fator decisivo que impede a prática de crimes. Por outro lado, não se pode defender que todos aqueles em conflito com a lei exerceriam uma comparação custo-benefício, conforme a concepção mecânico-racional defendida por esta corrente. # b) Prevenção Geral Positiva Da mesma forma como verificado quanto às Teorias Absolutas a função de prevenção geral positiva da pena confunde direto e moral. Costuma-se dividi-la em duas versões: a versão eticizada (Welzel) e a versão sistêmica (Jakobs). A versão sistêmica de Jakobs encontra a justificativa da pena "enquanto fator de coesão do sistema político-social em razão da sua capacidade de reestabelecer a confiança coletiva abalada pelas transgressões, a estabilidade do ordenamento e, portanto, de renovar a fidelidade dos cidadãos no que tange às instituições." (FERRAJOLI, 2014, p. 256). Já a versão eticizante, proposta por Hans Welzel, defende que o poder punitivo deve fortalecer os valores ético-sociais através da punição de infrações. Ou seja, trata-se de fortalecer a atuação de acordo com o direito e o ordenamento jurídico. Sendo a missão do direito penal a proteção de bens jurídicos, uma vez sendo estes lesionados, justifica-se a aplicação de um castigo, não para protegê-los, já que o agir estatal é posterior à lesão, mas sim para assegurar a vigência dos valores ético-sociais de caráter positivo (ANDRADE; SIQUEIRA, 2016). "Ambas as versões se combinaram na fórmula segundo a qual a tarefa do direito penal é a proteção de bens jurídicos mediante a proteção de valores éticosociais de ação elementares" (ZAFFARONI; BATISTA, 2011, p.124). Assim, tem-se que, em ambas, a pena exerceria uma função positiva uma vez que reafirmaria o ordenamento jurídico, fortalecendo a confiança normativa (PRADO, 2008). Como bem sintetizam Zaffaroni e Nilo Batista (2011) a função manifesta da prevenção geral positiva é que A criminalização estaria fundamentada em seu efeito positivo sobre os não-criminalizados, não porém para dissuadi-los pela intimidação, e sim como valor simbólico produtor de consenso, e, portanto, reforçador de sua confiança no sistema social em geral (e no sistema penal em particular). (ZAFFARONI; BATISTA, 2011, p.121). condutas. O delito seria como que uma imagem ruim para o Estado e a pena o caminho para neutralizá-la. Ao analisar o nascimento da moderna ciência do direito penal na Itália, em especial o sistema jurídico elaborado por Francesco Carrara, Alessandro Baratta (2011) explica que, para o autor italiano, o fim da pena não seria o de retribuição, tampouco de emenda, "(...) mas a eliminação do perigo social que sobreviria da impunidade do delito. A emenda, a reeducação do condenado, pode ser um resultado acessório e desejável da pena, mas não sua função essencial, nem o critério para sua medida". (BARATTA, 2011, p.37). Por reduzir o indivíduo à condição de um mero subsistema físico e psíquico, as teorias que vêm na pena a função de prevenção geral positiva correspondem a modelos de direito penal de cunho autoritário e máximo. "O direito penal converte-se numa mensagem meramente difusora de ideologias falsas" (ZAFFARONI; BATISTA, 2011, p.123). A lógica por eles defendida acaba por fundamentar o que chamamos de Direito Penal Simbólico que tem como consequência a expansão do Direito Penal e não a sua contração, através da falta de técnica e de conhecimento jurídico do legislador que aceita os discursos irracionais derivados do clamor público e midiático. Camila Andrade e Leonardo Siqueira (2016) asseveram com propriedade que Longe de produzir (ou mesmo de pretender produzir) a segurança de bens jurídicos, o sistema penal, por meio de sua função simbólica, modifica não a realidade, mas a imagem da realidade. A democracia, comunicação entre cidadãos e seus representantes, é substituída pela tecnocracia, surgindo, daí, a política como espetáculo, direcionada a um público cuja opinião -e não suas necessidades -se pretende atender. (ANDRADE; SIQUEIRA, 2016, p.95). Discursos irracionais voltados à criminalidade provam justamente o contrário do que as teorias da prevenção geral positiva prescrevem. O que se tem, graças ao esforço do sensacionalismo, é ao contrário, um aumento na desconfiança coletiva em relação ao ordenamento jurídico que é tido como brando e que deixa impunes pessoas autoras de atos delitivos. A visão social leiga, quanto ao Sistema Criminal, corresponde a uma mistura das funções preventivas gerais da pena. Passa-se a se exigir do Estado uma resposta mais severa para os autores de atos delituosos para que, assim, a confiança e coesão social sejam nele reconhecidas. # c) Prevenção Especial Positiva Ao contrário das doutrinas da prevenção geral, que são dirigidas à totalidade dos indivíduos, a prevenção especial volta sua atenção para a pessoa do delinquente, individualmente considerada, com o fim de evitar que ela volte a delinquir no futuro. Partindo da ideia principal de periculosidade do indivíduo delinquente, a prevenção especial positiva segue, em um primeiro momento, o modelo moral e, posteriormente, o modelo médico-policial na tentativa de justificar o poder punitivo "atribuindo-lhe uma função positiva de melhoramento do próprio infrator" (ZAFFARONI; BATISTA, 2011, p.125). Conforme leciona Luigi Ferrajoli (2014), o fim da pena, para essa linha de pensamento, depende da personalidade do delinquente no sentido de ser ela corrigível ou não, tratável ou não. Considera-se a pena como um bem necessário ao delinquente. Para as doutrinas pedagógicas da pena, que não abandonaram as tradições católicas da expiação, a "finalidade da pena é a reeducação e a recuperação moral do condenado, partindo do pressuposto de que o mesmo seja um sujeito imoral que deve redimir-se" (FERRAJOLI, 2014, p. 248). Têm inspiração no princípio do livre-arbítrio desenvolvendo uma velha concepção de poena medicinalis, formulada por Platão e reestruturada por Santo Tomás, defendendo que os delinquentes não só podem ser punidos, como também, podem ser obrigados pelo Estado a se tornarem indivíduos bons (FERRAJOLI, 2014). Com uma abordagem distinta, as doutrinas terapêuticas da defesa social vêm no delinquente um ser inferior, de certo modo pervertido e degenerado, sendo que a pena e as medidas de segurança, em especial, equivaleriam a um instrumento de defesa social contra os perigos que aquele delinquente representa. Luigi Ferrajoli (2014) explica que As doutrinas positivistas da defesa social partem de princípios filosóficos diametralmente opostos, e perseguem a prevenção especial dos delitos conferindo às penas e medidas de segurança, mais especificamente, a dupla finalidade de curar o condenado (partindo do pressuposto de que ele seja um indivíduo doente) e/ou segregá-lo e neutralizá-lo em razão do pressuposto de que ele também seja perigoso. (FERRAJOLI, 2014, p. 248). As doutrinas terapêuticas, ao contrário das pedagógicas de emenda, representam a versão penal e criminológica do determinismo positivista, onde o homem não é visto como um ser dotado de liberdade, detentor de livre-arbítrio portanto, mas sim um indivíduo sujeito inteiramente às leis naturais. Ao analisar a escola positiva e a explicação patológica do delinquente, a partir do trabalho de Cesare Lombroso, Alessandro Baratta (2011) Diante disso, basta o conhecimento dos estímulos incidentes sobre o indivíduo para se chegar aos efeitos por eles produzidos, ou seja, o comportamento, de modo que aquele é desprovido de qualquer autodeterminação. Por fim, de cunho menos expressivo, a terceira das doutrinas correcionalistas, defende que a prevenção especial positiva seria alcançada através da aplicação da pena de forma individualizada e diferenciada, tomando-se em consideração as peculiaridades e necessidades de cada delinquente. Ou seja, trata-se de analisar caso a caso. De toda sorte, todas as três doutrinas correcionalistas têm em comum o fato de que os delitos são tidos como uma patologia e a pena como uma terapia política capaz de curar os delinquentes. Salo de Carvalho (2015) assevera que Neste quadro, a sanção estatal deve adquirir sentido positivo, promovendo não somente coação aos não desviantes (temor pela autoridade), mas fornecendo meios para que o criminoso não incorra novamente no delito e seja integrado na e pela comunidade. O exercício do direito de punir passa a ser norteado pela ideia de prevenção especial positiva, consolidando as teorias de ressocialização, recuperação e regeneração do criminoso elaboradas pela criminologia positivista (paradigma etiológico-social). (CARVALHO, 2015, p.208). A pena aplicada exclusivamente com base nas doutrinas da prevenção especial positiva dá lugar a sérios inconvenientes. Em primeiro lugar, tomando o delito como uma patologia, abre-se espaço para a flexibilização de direitos e garantias fundamentais sob o pretexto terapêutico onde a pena seria vista como tratamento e um bem para quem a sofre. (...) uma pena fundada exclusivamente nas exigências preventivo-especiais poderia afrontar o princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que a necessidade de correção ou de emenda acarretasse a submissão obrigatória (forçada) a um programa de ressocialização (PRADO, 2008, p.495). No mesmo sentido, complementa Luigi Ferrajoli (2014) que Consequentemente, tais doutrinas, em supondo uma concepção do poder punitivo como um "bem" metajurídico -o Estado pedagógico, tutor ou terapeuta -e, simetricamente, do delito como "mal" moral ou "doença" natural ou social, são as menos liberais e antigarantistas que historicamente tenham sido concebidas, e, deste modo, justificam modelos de direito penal máximo e tendencialmente sem limites. (FERRAJOLI, 2014, p.252). # Camila Andrade e Leonardo Siqueira (2016) explicam que A ideia de ressocialização é própria de um direito penal do autor, para o qual o fato é tão somente um ponto de partida à análise personalista e moralizante de um "ser" e não de um "agir" -perspectiva policialesca que não convive com a noção de Estado (efetivamente) de Direito. (ANDRADE; SIQUEIRA, 2016, p.106) Por outro lado, se a prevenção especial positiva leva em consideração a periculosidade do delinquente, na sua (i)lógica, este poderia ficar submetido indeterminadamente ao poder punitivo até que sua periculosidade cesse. Ou caso não cesse, sem prazo definido. Alessandro Baratta (2011), ao analisar o sistema de Ferri, fomenta esta crítica asseverando que A consequência politicamente tão discutível e discutida desta colocação é a duração tendencialmente indeterminada da pena, já que o critério de medição não está ligado abstratamente ao fato delituoso singular, ou seja, à violação do direito ou ao dano social produzido, mas às condições do sujeito tratado; e só em relação aos efeitos atribuídos à pena, a melhoria e reeducação do delinquente, pode ser medida sua duração. (BARATTA, 2011, p. 40). E não só. Inexistindo a possibilidade de verificação de periculosidade em um indivíduo que cometeu um delito, pela visão preventiva especial positiva, não haveria necessidade de correção daquele indivíduo delinquente, o que o eximiria de sofrer a aplicação de uma pena, ainda que tenha ele praticado um delito. Ou seja, ao Estado caberia abrir mão da aplicação de uma pena em face de um indivíduo que, ainda que não perigoso, cometesse um delito. Asseveram Zaffaroni e Nilo Batista (2011) que as prisões fazem parte do que denominamos de instituições totais e que, Não se ignora seu efeito regressivo, ao condicionar o adulto a controles próprios da etapa infantil ou adolescente, eximindo-o das responsabilidades inerentes à sua idade cronológica. É insustentável a pretensão de melhorar mediante um poder que impõe a assunção de papéis deteriorante, na qual durante prolongado tempo toda a respectiva população é treinada reciprocamente em meio ao contínuo reclamo desses papéis (ZAFFARONI; BATISTA, 2011, p.126). A noção de instituições totais decorre do trabalho de Erving Goffman (1974) intitulado "Manicômios, Prisões e Conventos" 1 d) Prevenção Especial Negativa , originalmente publicado em 1961, e que consiste na análise da situação do internado, seja em manicômios, seja em prisões ou em conventos. Para o autor, instituições totais podem ser consideradas como aquelas em que há um fechamento total com o mundo exterior. Fechamento este que é simbolizado por uma barreira à relação social e à proibição, daqueles nelas insertos, de saída e contato com aquele mundo. Ainda segundo Goffman (1974), a característica básica das instituições totais é a organização burocrática de grupos completos de pessoas para se garantir o controle das necessidades humanas. Dentro de tais instituições a atividade principal é orientada pela vigilância existindo uma divisão básica entre um grande grupo controlado de indivíduos e uma pequena equipe de supervisão. A relação entre esses grupos é limitada e acaba por gerar uma concepção estereotipada e hostil entre eles. Ao contrário da doutrina da prevenção especial positiva, que vê no delinquente uma personalidade passível de correção, para a doutrina da prevenção especial negativa, o delinquente é visto como alguém incorrigível e a pena assumiria um caráter negativo de eliminação ou neutralização daquele indivíduo. A pena teria, portanto, "por finalidade tornar o condenado inapto à prática de novos delitos, isto é, neutralizá-los, desestruturando sua potência e minando qualquer possibilidade de rebelião ou resistência" (ANDRADE; SIQUEIRA, 2016, p. 100). Também tomando por base a periculosidade do delinquente, a função de prevenção especial negativa tem por escopo segregar e neutralizar aquele indivíduo sob o pressuposto de que seria ele perigoso à sociedade. Assim, diferentemente da prevenção especial positiva, aqui não se busca o tratamento do delinquente ou a sua ressocialização, mas tão somente a sua retirada, a sua eliminação do corpo social. Em geral, ela não se enuncia como função manifesta exclusiva, mas sim em combinação com a anterior: quando as ideologias re fracassam ou são descartadas apela-se para a neutralização e eliminação (ZAFFARONI; BATISTA, 2011, p.1257). Como a realidade tem reiteradamente demonstrado, as ideologias re são cercadas pelo fracasso e a neutralização acaba por se tornar a saída nefasta da pena sendo aplicada de forma arbitrária. O que importa neste cenário não é mais a pessoa do delinquente portanto, mas sim o corpo social que se vê livre, ainda que temporariamente, do mal que aquele indivíduo representa para toda a sociedade. E tal cenário acarreta clara violação aos direitos e garantias fundamentais, em especial, o da dignidade da pessoa humana. IV. # Considerações Finais Buscou-se com o presente trabalho proceder a uma análise crítica das terias positivas da pena privativa de liberdade, ou seja, das teorias que atribuem à pena uma função manifesta que serviria como justificativa para a sua legitimação. Como visto, referidas teorias atribuem à pena uma gama de funções manifestas, em sua maioria contraditórias e incompatíveis entre si, mas que possuem como traço comum a ideia de defesa social. As Teorias Absolutas, ao defenderem ser a pena um fim em si mesmo, cujo pilar é a ideia de retribuição, compensação, reparação ou castigo pelo mal causado pelo delito, negam qualquer utilidade àquela. Desse modo, repelem qualquer justificativa que se baseie em seus fins preventivos (utilitários) e, consequentemente, afrontam a dignidade da pessoa humana que ocupa, nesta concepção, uma posição meramente instrumental já que utilizada apenas para fins sociais. Já as Teorias Relativas, ao contrário, atribuem à pena um caráter utilitarista cujo fundamento reside na necessidade de se evitar a prática de futuros delitos, ou seja, para elas a pena seria um instrumento preventivo. Para a vertente da prevenção geral negativa, a pena seria capaz de dissuadir aqueles que não delinquiram, mas se sentem tentados a fazê-lo, utilizando-se de uma lógica de dissuasão intimidatória. Esta corrente, como visto, apresenta diversos inconvenientes. A um, porque aplica um modelo econômico ao estudo do delito por trabalhar com uma concepção mecânico-racional do ser humano, o que a nosso ver não é verdadeiro. A dois, porque se a princípio ofereceria uma proteção contra abusos do Poder Judiciário, não o faz em relação ao Legislativo já que por sua lógica, a eficácia da dissuasão da pena estaria diretamente ligada à sua severidade. Ou seja, se seguida à risca, o ponto final seria a cominação da pena de morte para todos os delitos. No que tange à vertente da prevenção geral positiva, tem-se que ela atribui ao Direito Penal a função de proteção de bens jurídicos. Logo, nesta linha, a pena exerceria uma função positiva uma vez que reafirmaria o ordenamento jurídico, fortalecendo a confiança normativa. A lógica por ela defendida acabada por fundamentar o que chamamos de Direito Penal Volume XXII Issue II Version I 12 ( ) Simbólico que tem como consequência a expansão do Direito Penal e não a sua contração, através da falta de técnica e de conhecimento jurídico por parte do legislador que aceita os discursos irracionais derivados do clamor público e midiático. Ao contrário das doutrinas da prevenção geral, que são dirigidas à integralidade dos indivíduos, a prevenção especial volta sua atenção para a pessoa do delinquente, individualmente considerada, com o fim de evitar que ela volte a delinquir no futuro. A vertente positiva parte da ideia principal de periculosidade do indivíduo delinquente e da pena como um bem necessário a ele. Os delitos são tidos como uma patologia e a pena como uma terapia política capaz de curar os delinquentes. Os inconvenientes de tal vertente são claros. Tomando-se o delito como uma patologia, abre-se espaço para a flexibilização de direitos e garantias fundamentais sob o pretexto terapêutico onde a pena seria vista como tratamento e, portanto, um bem para quem a sofre. Ainda, por ser baseada na periculosidade do indivíduo delinquente, este poderia ficar submetido indeterminadamente ao poder punitivo até que sua periculosidade cesse. Ou caso não cesse, sem prazo definido. E não só. Inexistindo a possibilidade de verificação de periculosidade em um indivíduo que cometeu um delito, pela visão preventiva especial positiva, não haveria necessidade de correção daquele indivíduo delinquente, o que o eximiria de sofrer a aplicação de uma pena, ainda que tenha ele praticado um delito. Por fim, para a doutrina da prevenção especial negativa o delinquente é visto como alguém incorrigível e a pena assume um caráter negativo de eliminação ou neutralização daquele indivíduo. Também partindo da ideia de periculosidade, defende a segregação e neutralização do indivíduo delinquente sob o pressuposto de que ele seria perigoso para a sociedade. Assim, não busca o tratamento do delinquente ou sua ressocialização, mas tão somente a sua retirada, a sua eliminação do corpo social. Posicionamento este que viola frontalmente os direitos e garantias fundamentais, em especial, o da dignidade da pessoa humana. Assim, o que se tem é que, as teorias positivas, que buscam atribuir à pena uma função manifesta, não cumprem com o que propõem e não são capazes de justificar a sua legitimidade de forma plena dentro do pensamento político-jurídico. # Bibliografia O determinismo, assim como o behaviorismo,nega toda subjetividade do homem já que ocomportamento é resposta aos estímulos recebidospelo ambiente externo. Ou seja, o indivíduo será bomse os estímulos contraídos forem bons e será mau seos estímulos contraídos forem maus.Segundo Antonio Gomes Penna (2001) obehaviorismo consagra(...) o fechamento de um silogismo histórico, cuja premissamaior foi enunciada por Descartes, quando afirmou que osanimais seriam autômatos; a premissa menor, com Darwin,10afirmando que o homem é um animal e, logo, emitindo-se com a conclusão de Watson, ao declarar que, emVolume XXII Issue II Version Idecorrência lógica, o homem é autômato, criando-se, a partir daí, a ciência do comportamento. (PENNA, 2001, p.18).(asseveraque o delito foi reconduzido a uma concepçãodeterminista da realidade na qual o delinquenteencontra-se inserido e da qual o seu comportamento é,ao fim, sua expressão. Aqui também é possível verificarque a concepção da pena está diretamente ligada àideia de defesa social. Também Salo de Carvalho(2015) esclarece que Título original em inglês: ASYLUMS -Esseys on the social situation of mental patients and other inmates. * KleliaAleixo Canabrava * Execução penal e resistência. Belo Horizonte: D´Plácido FláviaPenido Ávila 2018 * Teorias da Pena: das correntes funcionalizantes à perspectiva negativa. P. 83 a 119 Camila;Andrade LeonardoSiqueira DELICTAE: Revista de Estudos Interdisciplinares sobre o Delito 1 Jul./Dez. 2016 * Criminologia crítica e crítica do direito penal. Tradução Juarez Cirino dos Santos. 6 ed AlessandroBaratta 2011 Revan Rio de Janeiro * Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro NiloBatista 2011 Revan 12 * Dos Delitos e das Penas CesareBeccaria Tradução Paulo M. Oliveira. 2 ed. São Paulo 2015 Edipro * Rumo a uma outra modernidade UlrichBeck Sociedade De Risco Tradução Sebastião Nascimento. 1 ed. São Paulo: Editora 34 2011 * Antimanual de criminologia. 6 ed. São Paulo: Saraiva SaloCarvalho De 2015 * Teoria do Garantismo Penal. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais LuigiFerrajoli Direito E Razão 2014 * Vigiar e Punir. Nascimento da prisão MichelFoucault 2014 Vozes 42 * ErvingGoffman Manicômios Prisões E Conventos. São Paulo 1974 Perspectiva * Introdução à Psicologia Fenomenológica. Rio de Janeiro: Imago AntônioPenna Gomes 2001 * Curso de Direito Penal Brasileiro LuizPrado Regis Revista dos Tribunais São Paulo 2008 1 Parte Geral -arts. 1º a 120. 8 ed * Criminologia Clínica e Psicologia Criminal. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais AlvinoSá Augusto De 2013 * Em busca das penas perdidas. A perda de legitimidade do sistema penal. Tradução Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição EugenioZaffaroni Raúl 1991 Revan Rio de Janeiro * EugenioZaffaroni Raúl * Direito Penal Brasileiro: primeiro volume Nilo;Batista Alejandro;Alagia AlejandroSlokar Teoria Geral do Direito