surgem, outras quase desaparecem e, muitas vezes, sofrem transformações em sua forma e (ou) em seu significado, alterando as relações conceituais. Com base em uma terminologia de proposta comunicativa, descritiva, acreditamos que as línguas de especialidades, contrariando uma concepção normativa e prescritiva, estão sujeitas às mesmas vicissitudes a que as línguas gerais estão sujeitas. No presente estudo, trataremos da dinâmica dos vocabulários especializados (neologismos e arcaísmos), que garante a renovação do repertório das ciências e das técnicas de um idioma, analisando como se deram as transformações do vocabulário técnico empregado na fabricação de açúcar, em um espaço determinado de tempo, e suas transformações. Assim, o objetivo desta pesquisa é, assim, apontar e descrever problemas de Terminologia referentes à variação diacrônica de uma terminologia, a partir da análise conceitual de duas estruturas referentes a dois modelos de processo (engenho e usina) de uma mesma área técnica -produção de açúcar -separadas por um momento onde ocorreram grandes transformações tecnológicas e submetidas a constantes revoluções lingüísticas e culturais. Para tanto, descrevemos quais fatores interferem nessas transformações; em que medida o grau de consolidação de um domínio representa sua sistematicidade; e procuramos comprovar, a partir de pesquisa diacrônica, que a dinâmica dos subsistemas de especialidades renova-se em consonância com a língua geral, sob constantes de motivação e velocidade, por exemplo. Assim sendo, transformações nos significados de determinados termos alteram suas relações semânticas. Por sua importância econômica, cultural, social e política desde o início do Brasil (senão o próprio início), é inegável o espaço da cana-de-açúcar na vida social do brasileiro. Sem dúvida, a cultura do açúcar, presente no território brasileiro desde o século XVI, quando foi trazida de colônias lusitanas na África, já com uma terminologia constituída, segundo Nunes (2002), sofreu e certamente ainda sofrerá diversas transformações no seu repertório terminológico. Devido a grandes revoluções científicas e tecnológicas a que o século XX serviu de palco, termos como engenho bangüê simplesmente não existem mais. # II. A Civilização do Açúcar: Ontem E Hoje 2 Se a partir da segunda metade do século XVI, o que seria o Brasil se estabelecia como o maior produtor mundial de açúcar, na aurora do século XXI, com ¼ da produção mundial, continua sendo. Com a decadência do engenho e o surgimento da usina, a região que antes era tida como inviável concentra hoje o maior pólo produtor do mundo. O desenvolvimento da região Centro-Sul não se deve apenas ao cultivo da cana. Durante esses cinco séculos, outras culturas se desenvolveram no país (a laranja, o café, o algodão, a pecuária, a avicultura, a soja e, logo atrás do açúcar, o álcool). Todas elas ajudaram a atribuir ao Brasil a alcunha de celeiro do mundo; e, em tempos de auto-suficiência de petróleo, de desenvolvimento da indústria aeronáutica e de máquinas e insumos agrícolas e altas tecnologias em reciclagem, a doce gramínea abre possibilidades para prover uma demanda universal, mais vital do que aquela do 15º século: a produção de energia renovável e ecologicamente responsável (ROSA, 2005, p. 33) Assim, é impossível ignorar a competência brasileira no cultivo e nas técnicas de manipulação da cana-de-açúcar. Fatores como o êxodo regional, o desenvolvimento de novas técnicas, a criação de cursos e carreiras técnicas e universitárias, científicas e sociais, relações exteriores, etc. atestam claramente a importância desse domínio na formação, no desenvolvimento e no futuro da nossa sociedade. Ainda neste capítulo, veremos em números a grandeza dessa atividade, bem como sua magnitude econômica e suas manifestações literárias. # III. A Dinâmica das Línguas Naturais Como foi dito anteriormente, é fato que as línguas sofrem transformações ao longo do tempo (diacronia) e do espaço (sincronia). Essas variáveis são responsáveis por transformações significativas em um sistema lingüístico, seja nas diferenças regionais que abrigam a "mesma língua", seja a forma (léxico e gramática) com que ela se apresenta em diferentes momentos. Portanto, trataremos aqui da renovação lexical, das transformações sofridas por uma terminologia, impulsionadas, principalmente, por fatores extralingüísticos. No nosso caso, parece que foi a revolução tecnológica o fator primordial que influiu nessas transformações. A grande revolução tecnológica assistida pelo século XX foi um dos maiores fatores de interferência nas línguas. Segundo Barros (2004, As mudanças socioeconômicas e políticas tiveram repercussão em nível vocabular, pois, ainda conforme Barros (2004, p. 26), "a cada nova invenção, a cada nova situação, atividade, produto, serviço, lei etc. surgiram novos termos correspondentes. O universo lexical das línguas transformou-se, ampliandose substancialmente, o mesmo sucedendo ao conjunto terminológico que, aliás, cresceu em maior proporção" (BARROS, 2004, p. 26). A isso chamamos renovação lexical, o fator de maior visibilidade entre os que garantem a dinâmica das línguas naturais e, conseqüentemente, das linguagens de especialidade. # a) A dinâmica das linguagens de especialidade: interface com a língua geral A cada dia novas palavras vêm acrescer o léxico de uma língua, enquanto outras caem em desuso e são esquecidas. Alves afirma que "o acervo lexical de todas as línguas vivas se renova. Enquanto algumas palavras deixam de ser usadas e tornam-se arcaicas, uma grande quantidade de unidades léxicas é criada pelos falantes de uma comunidade lingüística". (ALVES, 1990, p. 5) É justamente essa dinâmica que permite que a língua permaneça viva. Boa parte dos neologismos de uma língua são criados nas línguas de especialidades. São vários os fatores extralingüísticos que influenciam esse processo, e, durante todo o século XX, a constante e acelerada evolução tecnológica foi o principal responsável por grande parte dos acréscimos e decréscimos vocabulares nas terminologias e no léxico geral da língua portuguesa. Segundo Barros (2004, p. 26): A evolução da ciência tem provocado, ao longo da história da humanidade, profundas transformações no modo de viver, de agir, de pensar, de produzir, de ser dos povos, conduzindo a diferentes formas de organização social e política, a novos sistemas de produção. Paralelamente a esse processo, desenvolveu-se um outro de natureza lingüística: cada descoberta ou invento recebe um nome, passa a ser designado por um termo. Verifica-se, assim, um processo de desenvolvimento terminológico tão importante quanto o econômico ou social, no qual a criação neológica é intensa e se dá por diferentes mecanismos lingüísticos. Ainda que indiretamente, o neologismo com base nas inovações tecnológicas é muitas vezes impulsionado por fatores extralingüísticos. Exemplo disso são as ações de políticas públicas: em alguns estados ou regiões, a cana-de-açúcar não pode sofrer queimada; nesses casos, desenvolvem-se, a cada dia, novas técnicas e suplementos para a colheita (as primeiras colheitadeiras datam de meados do século passado) que respeitem as leis ambientais, o que tem um custo elevado. Por isso, várias regiões ainda seguem o processo "ultrapassado" de queimada, pois, é menos lucrativo utilizar mão-de-obra para a colheita. 85% das canas são colhidas mecanicamente no Centro-Sul, com as máquinas cortando cerca de 500 t por dia enquanto um cortador corta 10 t de cana por dia ou 150 m2 por aproximadamente R$ 25. Desgraçadamente, é muito freqüente um problema também secular: todos os anos, em várias partes do país, recebemos notícias de trabalhadores mortos por exaustão. As normas sanitárias e conselhos de saúde também têm interferido muito para o surgimento de novos padrões visando à higiene na produção de alimentos. # b) Metamorfose tecnológica e influências na língua O desenvolvimento das linguagens de especialidade suscitou uma adequação das estruturas lexicais e provocou uma espécie de metamorfose tecnológica das línguas que parece ter aumentado a sua criatividade e seu ritmo de inovação. Um dos aspectos mais evidentes observa-se no nível da estrutura morfológica. Outro, não menos importante, e que terá nosso foco, será o nível do significado. O pesquisador português Telmo Verdelho (VERDELHO, 1997, p. 98) trata dessa recursividade semântica 3 As linguagens de especialidade repercutem-se na estruturação semântica de todo o léxico da língua, ressemantizando lexemas ou grupos de vocábulos e perturbando as relações de significado. Lembramos o exemplo clássico de M. Bréal sobre os valores do termo operação no âmbito dos vocabulários médico, militar, financeiro e matemático, e acrescentaremos, para a actualidade, as vicissitudes dos adjetivos ingleses hard e soft ou os substantivos mouse e window. O exemplo mais interessante de modificação de um subsistema lexical na história da língua portuguesa, encontra-se na designação dos dias da semana, mas os nomes das estações do ano e das refeições e o vocabulário das cores (este último : 3 VERDELHO, T. Terminologia diacrônica In Institut Universitari de Lingüística Aplicada. La Història dels llenguatges Iberoromànics D'especialitat (segle XVII-XVX), Actes del col-loqui. Barcelona 14-17 de maig de 1997. p. 90-111 certamente por influências tecnoletais) são igualmente elucidativos. Veremos agora como a Terminologia tem tratado, ou pode tratar, da questão das dinâmicas das línguas naturais e quais as particularidades que devem ser guardadas para o desenvolvimento de métodos em pesquisa diacrônica. IV. # Terminologia Diacrônica Para que se possa discorrer sobre Terminologia Diacrônica, faz-se necessário atentar para o fato de se reconhecer a diacronia nas linguagens de especialidades da mesma forma como é reconhecida na língua geral, isto é, aplicar-se, a estas linguagens, o conceito de lingüística diacrônica segundo Saussure (1995, p. 163): "lingüística diacrônica estuda, não mais as relações entre os termos coexistentes de um estado de língua, mas entre termos sucessivos que se substituem uns aos outros no tempo". Embora se insista muito em se repetir que a Terminologia figura como ciência apenas recentemente, e que atualmente muitos de seus executores já passem a reconhecer seu precoce amadurecimento, ainda contamos, até o momento, com discretas discussões e estudos sobre a dinâmica das linguagens de especialidade em um espaço de tempo sucessivo a outro: uma terminologia histórica ou diacrônica. 4 Embora este estudo seja um dos poucos que contemplem a terminologia diacrônica no Brasil, em 2002 é publicado em língua portuguesa uma obra muito mais grandiosa: trata-se da Tese de doutorado de Naidea Nunes Nunes, intitulada O açúcar de cana na ilha da Madeira: do Mediterrâneo ao Atlântico. Terminologia e tecnologias históricas e actuais da cultura açucareira, que combina o estudo de arquivística histórica, de comparativismo românico e de inquérito lingüístico-etnográfico, reunidos em um glossário. O glossário contém todos os termos recolhidos na documentação histórica e na documentação oral contemporânea, procurando resolver os numerosos e diversos problemas metodológicos inerentes à elaboração de glossários. Ele está dividido em quatro partes, que separam os termos específicos dos termos gerais, as formas mediterrâneas e os termos da doceria. Assim, esse trabalho se propõe a evidenciar o papel especial da ilha da Madeira na rota do açúcar, nomeadamente no desenvolvimento e difusão dos termos e das técnicas açucareiras no Atlântico. A partir da Madeira, para os Açores, Canárias, Cabo Verde, São Tomé e Brasil são transplantadas tanto as tecnologias primitivas quanto as mais inovadoras, coexistindo, assim, os moinhos rudimentares movidos por bois e escravos e os moinhos hidráulicos de dois eixos de madeira horizontais, que, no Brasil, evoluem para três rolos verticais de madeira, revestidos de ferro, permitindo extrair todo o sumo da cana, passando-a duas vezes entre os eixos e dispensando a prensa (NUNES, 2002). Neste estudo, a autora conclui que a terminologia e tecnologia açucareiras pouco se modificam, pois, apesar da mecanização, os processos de produção do mel e do açúcar são os mesmos, no que se refere ao cultivo e colheita da cana, à extração do sumo, à cozedura, defecação e concentração do mel, à cristalização do açúcar (agora na caldeira de vácuo), à purga do açúcar (agora realizada nas centrífugas, separando o açúcar do mel ou melaço), ao mestre de açúcar (agora responsável pelo fabrico do açúcar na caldeira de vácuo e nas centrífugas), ao refinar do açúcar e aos tipos de açúcar (NUNES, 2002). Já que se pretende, em nosso trabalho, analisar, além da transformação histórica dos vocabulários, a consolidação de uma técnica, verificaremos a relação entre o grau de consolidação do domínio e a sistematicidade do repertório terminológico da produção de açúcar no Brasil. Outra especulação que será contemplada é a referência às transformações no signo: mudando os signos, em que medida e intensidade mudam também seus conceitos (significados)? Sendo assim, pode-se falar em terminologia morta? Assim, nos próximos capítulos, limitamo-nos a uma análise muito mais conceitual do que semânticomorfológica; e, em oposição ao desenvolvimento de métodos sofisticados 5 V. # Metodologia de pesquisa em Terminologia Diacrônica, enfocaremos o que de fato se alterou na relação de conceitos, o surgimento de novas tecnologias e a contínua interação entre língua geral e língua de especialidades. Embora contemos com poucos estudos sobre metodologia de pesquisa em Terminologia Diacrômica, 6 5 Chamamos aqui de métodos sofisticados uma pesquisa mais aprofundada que conte com pesquisa de campo, elaboração e organização de um corpus maior, confecção de fichas terminológicas sob a atenta e constante supervisão de especialistas da área-objeto, etc. 6 aplicamos as perspectivas de uma terminologia comunicativa da Escola Catalã, a fim de agregar, por meio de métodos descritivos, língua geral e linguagem de especialidades. Quanto ao objeto, reconstruímos os dois processos do fabrico de açúcar; organizamos o repertório em campos semânticos, dividimos a trajetória do fabrico de açúcar em dois momentos: engenho e usina; e descrevemos o comportamento de alguns desses termos em suas relações de significado, levando em consideração o percurso histórico e suas intempéries. # a) Corpus Para uma análise comparativa, seria muito difícil precisar a data exata dos primeiros registros das unidades terminológicas, bem como seu desaparecimento do vocabulário empregado no domínio. Sobre esses temas lemos em Prado Junior (2000, p. 136-7) que: Os engenhos de açúcar em nada se tinham modificado, e a minuciosa e tão bem feita descrição que deles fez Antonil em princípios do século XVIII ainda se ajustava, tal qual, aos engenhos de cem anos depois. Compare-se, para comprovação, com a descrição igualmente sugestiva de Vilhena. Já me referi ao caso do emprego da bagaceira como combustível, que não se praticava ainda no Brasil, apesar de já ser um processo velho de mais de meio século; a moagem se fazia ainda em aparelhos antiquados, de baixo rendimento, apesar dos progressos da técnica neste assunto, e que já tinham sido substituídos, fazia muito, em outros lugares. Assim, pareceu-nos melhor reclassificar os termos em dois grandes momentos históricos. Momentos estes que contemplam formas distintas de organização social do trabalho, energia empregada, materiais utilizados, concepções de controle de qualidade e recursos humanos e, principalmente, informação. Como já anunciado, esses dois momentos são: engenho e usina. Para comparar esses dois momentos, foi necessário reunir a terminologia em uso e reconstruir o processo de produção etapa a etapa, para assim estabelecer e analisar as relações conceituais de um período ao outro. Durante dois anos foram identificadas e coletadas mais de 200 unidades terminológicas. Destas, noventa pertencentes ao engenho e setenta à usina foram selecionadas e sistematizadas segundo critérios semânticos norteados pela engenharia do processo. Em seguida, descrevemos como se deu a constituição desse corpus, suas fontes e critérios. 7 unidades terminológicas, ou termos, foram grafadas em itálico para não se confundirem com a metalinguagem empregada na descrição dos processos. # b) Estrutura conceitual Todas as unidades terminológicas recolhidas foram organizadas sistematicamente em uma árvore conceitual ou estrutura conceitual. Sem essa organização, seria muito difícil precisar as relações semânticas e ordenar os conceitos, conforme afirma ALMEIDA (1998, p. 223): Os estudos em terminologia sempre deram atenção especial aos conceitos e às relações que se estabelecem entre eles dentro de um campo especializado. Esta preocupação é compreensível, já que a Terminologia 'usualmente parte de conceitos e tenta encontrar os termos que lhes possam ser correspondidos (abordagem onomasiológica)' (FINATTO, 1998, p. 212). Ora, os conceitos não estão isolados, fazem parte de um campo especializado e relacionam-se com outros conceitos, formando uma rede ou estrutura conceptual. São estas estruturas conceptuais -representando um conjunto sistematizado dos conceitos -que descrevem um âmbito especializado. A seqüência em que esses termos aparecem é coerente com sua ordem da cadeia produtiva. Assim, esses termos receberam numeração relativa às suas relações hierárquicas, de 1, isto é, as principais etapas, à etapa 6, geralmente partes ou peças de equipamentos sofisticados. Depois de analisar cuidadosamente as duas estruturas conceituais, selecionamos -e apresentamos, no próximo capítulo -dois pares de excertos de cada árvore; uma em que as revoluções não foram tantas e tão claras (a moagem) nos dois processos; e outra, totalmente revolucionada (a purga ou a evaporação e a centrifugação). Outras unidades que chamaram a atenção de maneira que pudessem corroborar nossas impressões também foram analisadas e serão apresentadas no próximo capítulo. Finalmente, poderão se observar perfeitamente os problemas de terminologia referentes ao nosso objeto, quais sejam, as informações conceituais atestadas pela história dos repertórios. Na verdade, o objetivo primeiro da volta a esse campo da terminologia não é diferente de todos os de uma ciência: elaborar, experimentar e oferecer métodos e técnicas para o desenvolvimento de ferramentas cada vez mais eficazes. # c) A extensão de um conceito Os termos, em sua condição de signos, são unidades, como se viu anteriormente, que apresentam uma face dupla: a da expressão, explicitada por meio da denominação, e a do conteúdo, que representa a noção ou o conceito a que se refere a denominação. A norma ISO WD 704. 1 (1996) Terminologia: princípios e métodos define os conceitos e noções como as "construções mentais que servem para classificar os objetos individuais do mundo exterior ou interior através de um processo de abstração mais ou menos arbitrário". Esta definição normalizada de conceito permite diferenciar claramente as unidades conceituais propriamente ditas dos objetos da realidade que representam. Os conceitos, que são representações mentais desses objetos, são fruto de um processo de seleção das características relevantes que definem uma classe de objetos e não são objetos individuais. Além disso, o conceito confere ao termo a propriedade de referência. Com os termos, por meio das denominações, referimo-nos à realidade concreta e abstrata, exterior e interior, individual ou coletiva. # Segundo Lyons (1997, p.74): A extensão de um termo concerne a uma classe de entidades às quais se aplica ou refere um termo, sua compreensão é o conjunto de atributos que caracterizam toda entidade à qual o termo pode ser aplicado. A extensão e a compreensão são inversamente proporcionais uma à outra, no sentido de que quanto maior a extensão de um termo, mais sua compreensão é restrita, e vice-versa. Assim, este estudo considera os processos e suas etapas como unidades terminológicas, alocadas em primeiro ou até em segundo nível. # VI. # Coreografia Dos Conceitos Como a terminologia escolhida descreve um procedimento, fez-se necessário pôr atenção nos níveis hierárquicos dos termos que constituem o processo de produção. Na tentativa de homogeneizar os mapas, ou estruturas, conceituais, estabelecemos que o primeiro termo da cadeia de produção deveria ser cana-deaçúcar e o último deveria ser açúcar. Nesse intervalo, no entanto, esperávamos ingenuamente encontrar ocorrências de substituições de vocábulos, desaparecimentos, neologismos e deslizamentos semânticos; no entanto, poucas eram as unidades que apresentavam essas características. Já na organização da cadeia em níveis, constatamos que havia uma realocação de parte dos termos, segundo mudanças conceituais; mas somente era possível encontrar substituição perfeita se considerássemos as etapas e os objetos como um único processo. Para tanto, elegemos o processo de purga, no engenho, e da centrifugação, na usina. a) do processo de purga, no engenho, e da centrifugação, na usina: transformação Não só a química dos materiais influenciariam a transformação da nossa máquina perfeita, já que a física é uma grande aliada das inovações. O processo de purga, por exemplo, emblemático, em que se utilizava a maior parte da mão-de-obra, foi completamente substituído, não só pelas novas normas de higienização, mas também por contarmos com equipamentos que desafiam o tempo do processo e, mais uma vez, ocasionando o descarte de mão-deobra. No processo agora chamado centrifugação, um único equipamento é suficiente para transformar a massa cozida em cristais de açúcar, liberando o mel e o material não-cristalizado: a centrífuga. A respeito das relações hierárquicas de significação, embora a purga representasse, no engenho, uma das principais etapas do processo produtivo (nível 1), na usina, a centrifugação constitui um subprocesso (nível 2) de uma das principais etapas, a cristalização do açúcar (nível 1) conforme veremos na sistematização do campo conceitual descrito a seguir. Tal campo apresenta um caso de substituição de um processo ultrapassado por outro, ainda que os objetivos desses processos sejam praticamente os mesmos. Tomemos, como exemplo, o caso da purga (no engenho) e da centrifugação (na usina): Processo de purga -engenho Processo de centrifugação -usina Impiedosamente, avança a engenharia física. O processo de purga não só nos parece mais arcádico do que a centrifugação, mas também bem mais complexo. Ora, se comparados, os dois processos são realizados com ajuda da física para a retirada do líquido, um por gravidade e outro por centrifugação. Na usina não precisamos de muitos trabalhadores, nem de um edifício de quase cem metros de comprimento, quase vinte de largura, mais de três de altura 8 e com espaço suficiente para abrigar 2.000 fôrmas encaixadas nas extensas andainas. O equipamento usado no processo de centrifugação é um dos mais modernizados da usina. Trata-se de um equipamento parecido com um tambor de grande ou médio porte, cujo interior serve de compartimento, revestido, e munido de um rotor do lado externo capaz de girar esse tambor com grande velocidade e de um conjunto de mangueiras para o descarte do mel. Daí então o açúcar passa à próxima grande etapa, qual seja, a secagem. Lopes define o principal termo (equipamento) do processo como: SECADOR DE AÇÚCAR. Dispositivo que retira a umidade do açúcar proveniente da centrífuga, até o valor desejado. Os secadores funcionam fazendo circular ar quente em contra-corrente com o açúcar em movimento. Os principais secadores utilizados nas usinas de açúcar são os de tambor rotativo ou cilíndrico vertical. (LOPES, p. 29) No engenho, o processo de purga demandava um tempo generoso, pois após a etapa de encher as fôrmas de açúcar, ou seja, encher de pão (massa cozida) vasos cerâmicos, com um furo na parte inferior, tais pães eram postos a descansar enquanto o mel escorria pelo orifício. Em seguida, a mãe do balcão fazia às vezes de esteira sanitária, para não apenas conduzir o açúcar à etapa de secagem como na usina, mas também separar as camadas de açúcar quebrando-o em torrões com um macete. Definitivamente, era a mais importante e complexa das etapas do fabrico, e, segundo Gama (p. 26), a que mais demandou inovações: A produtividade do trabalho passa a depender não só da habilidade do trabalhador, mas do aperfeiçoamento de suas ferramentas. E no período manufatureiro as ferramentas se diversificam (especializam) e se aperfeiçoam, criando condições para a existência das máquinas que resultam da combinação de instrumentos simples. O purgador era o "técnico" mais qualificado do setor, subordinado diretamente ao capitão do açúcar, e, ironicamente, branco como deveria ser seu melhor produto e gabaritado, como relatou Antonil (p.212): Onde não há purgador (que sempre seria bem tê-lo), preside também na casa de purgar o mestre de açúcar, a quem pertence julgar quando há de botar o primeiro e o segundo barro, nas fôrmas, quando se há de umedecer e borrifar mais, ou mesmo, conforme a qualidade do açúcar, e quando se há de tirar o barro e o açúcar das fôrmas. Mas ainda que haja purgador distinto, com sua soldada, sempre será bem que êste se aconselhe com o mestre, para obrar com maior acêrto, e que tenham ambos entre si toda a boa correspondência, para que fiquem melhor servidos assim o senhor do engenho como os lavradores, e êles mais acreditados em seus ofícios. Um fato curioso é a alteração conceitual do termo bagaço no domínio da usina. Depois de extraído todo o caldo, o bagaço serve como combustível na geração de energia que moverá grande parte da usina. Esse recurso, embora já fosse utilizado no engenho (depois que se descobriu a falta de utilidade do bagaço como adubo), não era comum, pois a madeira, abundante em nosso território, apresentava maior propriedade de combustão e calor. O que verdadeiramente pertence à usina são os termos que designam controle de qualidade: citamos aqui o brix, unidade de medida de aquecimento na etapa de cozimento e o cristaloscópio, equipamento usado para medir a cristalização do açúcar, conforme define Lopes em seu Glossário: CRISTALOSCÃ?"PIO. Aparelho ótico constituído de lentes de aumento que é adaptado ao cozedor a vácuo, permitindo o acompanhamento visual da formação e crescimento dos cristais de açúcar. (LOPES, p. 11) b) os operadores Depois de somente apresentarmos equipamentos e processos, lembramos quem de fato usa essa terminologia, o trabalhador do engenho e da usina, que aqui não chamaremos de especialista, mas sim de operador. No engenho, essas funções eram bem definidas, primeiramente pela diferenciação entre trabalhadores livres e trabalhadores escravos. Assim, em um departamento restrito do engenho, podemos observar vários operadores em suas funções, como descreveu Antonil (p. 213): No balcão de secar trabalham as mesmas duas mães, com suas companheiras, que são até dez, estendendo os toldos e quebrando com tolete as lascas e os torrões grandes em outros menores, atrás dos quebradores dos pães. E, na caixaria, ajudam ao caixeiro no pêso e encaixamento do açúcar as negras e negros que são necessários, como também no pilar, igualar, pregar e marcar. Metedor, calcanha, tacheiro, caldeireiro e feitor da moenda, por exemplo, são atribuições de um trabalho semi-artesanal 9 # VII. Conclusões e Considerações Finais , substituídos hoje por ajudante de serviços gerais, engenheiro de produção agroindustrial, engenheiro de alimentos, engenheiro químico, administrador de empresas, advogado e professor. A formação técnica e acadêmica dos últimos anos tende e certamente tenderá a preparar um profissional versátil com habilidades de desenvolver trabalhos ou executá-los. Qualquer profissional envolvido na área de produção em linha, com conhecimentos no processo, ou desempregados de outras áreas, ocupam as funções que, cada vez mais, referem-se à projeto, operação e manutenção de equipamentos e controle de qualidade. Por esse fato, o Glossário de termos técnicos para a indústria sucroalcooleira não contempla os operadores em sua nomenclatura. Com base na reflexão sobre a concepção de Terminologia e Diacronia dos autores citados e na análise de nosso objeto, podemos apresentar algumas considerações que elucidam as especulações sobre a dinâmica das línguas de especialidade, em uma aproximação à língua geral. Entretanto, ao longo da pesquisa surgiram algumas reflexões que consideramos pertinentes não só aos estudos de Terminologia e Terminografia, como também da Lingüística, da Língua Portuguesa e da História. Com o intuito de contemplar nossas pretensões, ou seja, a aproximação da língua geral com a de especialidade, pareceu-nos coerente utilizar uma concepção de Terminologia de caráter descritivo, comunicativo, em oposição à tradicional, normalizadora, proposta por Wüster e a Escola de Viena. A Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT) 10 9 A manufatura transforma-se em um sistema de "funções" especializadas atribuídas a cada trabalhador individualmente. A mercadoria não é mais produto individual e passa a ser produto coletivo de um grupo de artesãos, cada um deles executando continuadamente uma tarefa parcial. Verifica-se a transição do trabalho de oficio, artesanal, para o trabalho menos "qualificado" (no sentido de exigir menos treinamento). Corresponde, no nível semântico, à passagem do conceito de Obra, para o de Serviço, do trabalho avaliado em função do produto para a avaliação através do tempo. 10 CABRÉ, M. T. La Terminología -teoría, metodología, aplicaciones (trad. castelhana de Carles Tebé). Barcelona: Editorial Antártida/ Empúries, 1993. não só considera os termos como unidades da língua, como também prioriza o contexto de comunicação na descrição de repertórios, a metalinguagem utilizada e o próprio sujeito, ou seja, sem esse tipo de orientação, seria muito difícil reconstruir uma antiga técnica a partir de um relato, pois não consideraríamos as relações conceituais entre os termos, nem tampouco Volume XXI Issue II Version I Sobre determinar o grau de consolidação dos domínios e sua relação com a complexidade do repertório, tanto no antigo sistema, como no atual, observamos as peculiaridades quanto à sistematicidade desses repertórios terminológicos: seja no engenho, seja na usina, encontramos processos simplificados em detrimento de técnicas que já foram complexas ou, ao contrário, etapas complexas em um fazer artesanal e equipamentos sofisticados com menor complexidade. Assim, observamos que não só os domínios especializados consolidados apresentam essa característica; acreditamos, inversamente, que essa preocupação com a consolidação, quando suscitada, contribui para a sua preservação, o que, evidentemente, não impede que esse domínio consolidado seja imune a transformações semânticas e morfológicas. Sobre a sistematização dos mapas conceituais, a disposição com que estes termos são alocados na estrutura respeita critérios atuais de metodologia em pesquisas terminográficas. Entretanto, o que chamamos de coreografia dos conceitos, com base na homogeneização dos mapas conceituais, permite-nos observar a mudança de níveis que essas unidades sofreram por dois motivos principais: o primeiro é o surgimento ou a obsolescência de unidades terminológicas, "alargando" ou "estreitando" pontos da estrutura; o segundo é a própria alteração na lógica do processo produtivo, qual seja, a divisão de funções, espaços, matéria-prima e produtos. Com relação aos arcaísmos, podemos dizer que não há terminologia morta. O léxico de um idioma constitui uma testemunha imortal da cultura de uma sociedade em uma época, pois ele, especialmente o que nomeia as ciências e as técnicas, representa tendências, preconceitos e posicionamentos. Os significados sobrevivem às diversas transformações, mesmo com novos e diversos significantes, ou seja, essa sobrevivência constitui um fenômeno natural das línguas. Um exemplo disso é a própria língua portuguesa: o latim ainda vive, na forma de português, francês, espanhol. Constatamos também que, realmente, os avanços tecnológicos motivaram o surgimento de novas tecnologias, mas o que aqui ficou claro é que, anteriormente a essas revoluções, há ainda outras como a física dos corpos, a propriedade dos materiais, os cuidados com a saúde pública (higienização), a capacitação de recursos humanos, a otimização da produção (tempo e descarte de mão-de-obra) e o controle de qualidade. Todos esses fatores -que chamamos extralingüísticos -contribuíram para a renovação lexical da terminologia da produção de açúcar e da língua portuguesa, e certamente continuarão contribuindo. Por fim, podemos ver, de maneira claramente exemplificada, a relação mútua entre língua geral e língua de especialidade, podendo até não ser mais coerente usar a expressão língua geral nesse sentido, mas sim no sentido de congregação de todos os vocabulários que nomeiam o Conhecimento que detém uma determinada cultura. Os termos não só fazem parte do léxico de uma língua, como são as próprias unidades léxicas; o que as diferencia é o seu uso em um contexto, por falantes especializados, estando também ao alcance de qualquer um que se interessar em conhecê-las, pois é o falante que determina essa dinâmica lingüística que descrevemos, já que nem os doze pares de costelas, nem o polegar são tão humanos quanto à própria língua. [...] a Revolução Industrial, verificada na Europa nosséculos XVIII e XIX, impôs transformações radicais àcivilização mundial, embora em momentos diferentes e deformasdiversas.Elementoimpulsionadordastransformações, o desenvolvimento técnico e científicoproduziu inúmeros engenhos que revolucionaram o sistemaprodutivo. A máquina a vapor (1769), cuja força motrizequivalia a dezenas (ou mesmo centenas) de braçoshumanos, deu maior eficiência e produtividade a diversasatividades, favoreceu os transportes e a comunicação, pormeio, por exemplo, da locomotiva e da estrada de ferro(1829). Inúmeros outros inventos e descobertas conduzirama transformações profundas na sociedade ocidental. Artigo baseado em três capítulos da dissertação "Do engenho à usina: estudo diacrônico da terminologia do açúcar" apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Mestre em Letras em 2007, sob a orientação da muito estimada Profa. Dra. Ieda Maria Alves, e a quem dedico este trabalho. FERLINI, M.L.A. A civilização do açúcar (séculos XVI a XVIII). São Paulo: Brasiliense, 1984. É importante mencionar que muito desta pesquisa se orientou em TERMINOLOGIE DIACHRONIQUE, 1998, Bruxelles. Actes du colloque organisé à Bruxelles les 25 et 26 mars 1988. Bruxelles: Conseil International de la Langue Française, 1988. O corpus, ou a lista completa dos termos utilizados para esta pesquisa, estão nos apêndices 1 e 2, bem como o texto integral da dissertação em http://www.fflch.usp.br/dlcv/neo/teses_dissertacoes. php. Dimensões da casa de purgar, segundo ANTONIL (p. 211) * Neologismo -Criação lexical IMAlves 1990 Ática São Paulo * A problemática epistemológica em terminologia: relação entre conceitos GM BAlmeida 1998 42 São Paulo * João Antonio Andreoni) Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. São Paulo: Companhia Editora Nacional AJAntonil Texto da 2ª ed. 1711 * LABarros Curso Básico De Terminologia. São Paulo Edusp, 2004. 5. INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION, ISO WD 704.1. Terminologia: princípios e métodos 1996 * Glossário de termos técnicos para a indústria sucro-alcooleira. Piracicaba: Edição IAA/PLANALSUCAR CHLopes 1986 * JLyons Semântica São Paulo Presença e Martins Fontes 1997 * NNNunes Da Madeira Mediterrâneo ao Atlântico. Terminologia e tecnologia históricas e actuais da cultura açucareira. Funchal: Universidade da Madeira 2002 Tese de doutoramento * Anuário Brasileiro da Cana-de-Açúcar GRRosa 2005. 2005 Gazeta Santa Cruz do Sul; Santa Cruz * FSaussure Curso De Lingüística Geral Ed. Cultrix 1995. 1916 São Paulo originalmente publicado em