Resumo-A reclusão doméstica obrigatória durante a pandemia do COVID-19 possibilitou uma experiência espacial única. O espaço de acolhimento do lar transformou-se em cidadela para proteção do inimigo invisível, a COVID-19. Utilizando a abordagem metodológica rizomática de Deleuze e Guattari através da prática da cartografia de forças e afetos reconheceu os agenciamento dos fluxos do atravessamento das forças e afetos pelos corpos (humano e arquitetônico), identificou linhas de ação e linhas de fuga, para imaginar o contexto pós-pandemia na promoção da saúde para a habitação saudável com a construção de ambientes saudáveis. Ao pensar por contaminação, dar notoriedade a diferença e tecer nas fissuras e brechas abertas da experiência espacial vivida possibilita a criação de outros territórios estimulando ambientes saudáveis para potencializar a habitação saudável. Do mesmo modo, ao habitar a "casa rizoma" ativou conexões para pensar a cidade subjetiva da pós-pandemia, para além da funcionalidade possibilitando a ressingularização dos encontros e desencontros no espaço público, potencializar a habitação saudável na construção compartilhada da cidade saudável. Palavras Chave: habitação saudável; cidade saudável; Covid-19; cartografia; rizoma; afetos. Abstract-The mandatory domestic reclusion during the COVID-19 pandemic enabled a unique space experience. The home's welcoming space became a citadel for the invisible enemy's protection, COVID-19. Using the rhizomatic methodological approach of Deleuze and Guattari through the cartography practice about forces and affections, he recognized the crossing flow's forces and affections agency by the bodies (human and architectural), identifying lines of action and lines of scapes, to imagine the post contextpandemic in promoting health for healthier housings with the construction of healthy environments. When thinking about contamination, making the difference notorious and weaving into the open fissures and gaps in the lived spatial experience enables the creation of other territories stimulating healthy environments to enhance healthy housing. In the same way, when inhabiting the "rhizome house", it activated connections with the subjective city of the post-pandemic, in addition to the functionality enabling the resingularization of meetings and disagreements in the public space and enhancing healthy housing in the shared construction of a healthy city. Keywords: healthy city; healthy housing; Covid-19; cartography; rhizome; affections. I. # Introdução artigo aproveita a oportunidade de sentir e pensar de dentro de uma experiência singular, proporcionada pelo contexto de expansão da pandemia do Covid-19, para potencializar o espaço da casa como habitação saudável. O processo de caminhar e parar para reconhecer a cidade (Careri, 2017), sofreu uma brusca transformação com a expansão mundial dessa pandemia no começo do ano de 2020. A opção pela política de enfrentamento pelo distanciamento social obrigou todos, a um parar obrigatório, restringindo o acesso à cidade ao estritamente necessário, submetendo as pessoas a refugiar-se e exilar-se em sua casa para depois que esse contexto terminar, repensar, prosseguir o caminhar, enquanto instrumento cognitivo e criativo e, intervir na ambiência subjetiva e física. Os impactos da relação das pessoas com a habitação e o meio ambiente são profundos, passa-se a maior parte nelas, estima-se em 80% a 90% do tempo imerso em ambientes construídos, dessa forma, podem proporcionar e intensificar condições de riscos à saúde (PASTERNAK). A casa, como lar, abrigo e espaço do aconchego transforma-se, nesse cenário de difusão da pandemia, em cidadela e prisão simultaneamente. Se protege, também se prende. Se aconchega, igualmente se oprime. Esse enclausuramento potencializa um espaço para ativar fobias. Acentuam-se, assim os conflitos socioespaciais e psicológicos no enfrentamento ao isolamento social forçado sob o efeito constante do medo de contaminação. Faro et al (2020) demonstram a avalanche de efeitos nocivos, "pré, intra e pós crisis". Evidenciam a emergência de lidar com os aspectos negativos desse distanciamento social de forma preventiva. No entanto, a epidemia expandiu rápido demais, foi urgente aprofundar no entendimento de como se relaciona com o ambiente doméstico, além de agregar as relações com a cidade, agora proibidas e ressingularizadas nesse novo cotidiano em um único lugar. Essa experiência única potencializa a habitação saudável conectando a promoção da saúde com a criação de ambientes saudáveis. Essa preocupação com a habitação saudável provém de iniciativas, desde 1982, da Organização Mundial da Saúde-OMS, com a disseminação da Carta de Ottawa (WHO, 1986) difundindo conceitos e ações de promoção e proteção da saúde na habitação para estimular construção de ambientes saudáveis. COHENI; BODSTEINI; KLIGERMAN; MARCONDES, (2007) relacionam a habitação como espaço de construção e consolidação do desenvolvimento da saúde e das ações do habitar inserido em um espaço físico construído. As qualificações ambientais são reconhecidas pelas conexões que se estabelecem pelas e entre as pessoas nesse espaço construído e seu entorno. Nesse sentido adota-se o conceito de saúde da OMS, "um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades", e compartilha e aprofunda um contexto que desenvolve Guimarães (2019) aproximando as temáticas de saúde e ambiente, com intensidade no enfoque no meio biótico, no ser vivo e em suas interações com o ambiente, assumindo uma relação indissociável dos componentes físicos, biológicos e sociais. Desse modo, a habitação saudável relaciona ambiente construído e social com as pessoas, enfocando as múltiplas e complexas conexões da saúde no espaço doméstico em constante transformação e movimento. Assim, a proposta desta pesquisa experimental e exploratória, descreve com profundidade uma experiência com alunos do segundo ano do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual Paulista-UNESP, de ver, sentir e pensar, durante a pandemia do Covid-19, de dentro da reclusão obrigatória do espaço doméstico, expresso visualmente em cartografias, o atravessamento dos afetos nos corpos (arquitetônico e humano) na casa subjetiva, como potência a ser ativada para agenciar ressingulando linhas de forças e afetos para permitir a habitação saudável com a possibilidade de criar ambiência saudável. O espaço doméstico tornou-se um espaço de reclusão, teletrabalho e telesociabilidade, e como afirma PRECIADO (2020), utilizando Foucault. Esse contexto pode ser a oportunidade, em que os corpos são os novos enclaves do biopoder e os espaços em que se está recluso, as novas células de vigilância, de reinventar táticas de resistências para ressingularização das práticas da vida privada, comunitária e social. Desse modo, do reconhecimento das práticas, seus transbordamentos e desvios, envolvidos em uma imersão na experimentação ancorada na realidade, cartografou as composições das tessituras das relações de afectos e perceptos (Deleuze; Guattari, 1995; Escóssia; Tedesco, 2015) para potencializar um processo de transformações pós-pandemia. Essa prática constitui-se em uma intervenção, porque o pesquisador se encontra dentro do processo de produção de vida cotidiana, inserido nos agenciamentos das conexões das linhas de forças e afetos entre corpos (humano e arquitetônico), habitando-a com a criação de territórios, para reconhecer os seus efeitos de subjetivação. As cartografias de forças e afetos (Deleuze; Guattari, 1995; Escóssia; Tedesco, 2015) realizadas, descrevem os contornos formais dos objetos da ambiência doméstica e dos sujeitos com a coexistência dos planos de forças e afetos que a produzem, como também as composições dos agenciamentos com a ambiência da cidade, agora restrita ao extremamente necessário, mas que transbordam e vazam para dentro das casas. Desse modo, elas diferem das plantas das casas, compostos de cômodos, corredores, móveis, equipamentos, níveis, etc. mas também as consideram simultaneamente. Assim, mapeia esse enquadramento de forças e afetos, do heterogêneo, do que é visto, vivido e sentido visando a cognição dessas potências expressos graficamente em fluxos de intensidades, multiplicidades, diversidades e singularidades espaciais. São mapas móveis, abertos, conectáveis em todas as dimensões, desmontável, reversível e suscetível de receber modificações constante (Deleuze; Guattari, 1995, p.30). # II. Cartografia da Reclusão Doméstica A experimentação realizada através da utilização da plataforma virtual google meet contou com seis encontros de atividades remotas síncronas e assíncronas, composto de orientações, práticas e discussões entre dois professores, dois monitores e vinte alunos, nos meses de maio e junho de 2020. O objetivo dessa experiência realizada foi cartografar em expressões visuais, a casa da reclusão doméstica obrigatória como um rizoma (Deleuze; Guattari, 1995), para apreender da teia de conexões que atravessam os corpos dos alunos e das estruturas físicas das casas, objetivando ver, sentir e pensar e depois intervir estimulando a habitação saudável. Essas cartografias realizadas colocaram em regime de visibilidade um conjunto de multiplicidades, de linhas de forças e afetos, linhas de ação e igualmente linhas de fuga, de transbordamento que não são determinadas. Cria, dessa forma, uma composição ou plano de consistência povoada de multiplicidade em devires. Desse modo, partiram de uma cartografia do plano de delineamento de formas de suas casas para o plano dos afetamentos dos corpos (humano e arquitetônico), expressando visualmente os agenciamentos vivenciados, em uma circunstância que se intensificam os problemas relacionados com saúde mental, principalmente os transtornos de ansiedade e depressão. Desse modo, as cartografias praticadas (Figuras 1 a 4) reconhecem a teia das forças e afetos, contando a vida das famílias em sua reclusão com os territórios usuais sobrepostos ou fragmentados expressados em conflitos, desvios e transbordamentos, Com passar do tempo, na reclusão obrigatória, a casa como rizoma (Deleuze; Guattari, 1995) foi reconhecida, apreendida na potência de sua multiplicidade, diversidade e singularidades dos que habitam, colocando visíveis os territórios simultâneos, fragmentados conflitantes e transbordantes (Figuras 5 e 6). As práticas espaciais não estavam somente relacionadas a funções estabelecidas pelo desígnio dos cômodos, as apropriações se espraiam nos múltiplos espaços cujos afetos atravessam, exceto no banheiro, cômodo privativo determinado e assumido como tal. As fugas para a cidade "vazia", restritas somente ao necessário, reconhecem as práticas afetuosas e qualificadas, esquecidas, com os espaços públicos exteriores, que com o contexto da reclusão aceleram o processo, já presente, de incorporação das práticas da cidade para dentro da casa (Brandão, 2008). Nesse contexto, intensificam-se os problemas que envolvem a sociedade do desempenho (HAN, 2017), em que se está imerso, onde o sujeito soberano de si mesmo solicitado a iniciativa, motivação e produtividade é estimulado para o excesso do trabalho, e somados com os promovidos pela reclusão doméstica obrigatória, potencializam ainda mais, os distúrbios relativos a ansiedade e depressão. A utilização das tecnologias digitais através do smartphone, computador e a televisão acentuaram as brechas para conectar com a cidade, de forma virtual, seja para consumir, estudar, trabalhar, passear, divertir, namorar, enfim os múltiplos usos e apropriações potencializados pela multiplicidade ciberespaço. O exercício da intervenção pela cartografia póspandemia do COVID-19 colocou para os alunos a possibilidade de imaginar o novo contexto a surgir. Criar composições futuras possíveis, a partir do aprendizado das teias ou dos agenciamentos dos atravessamentos dos afetos entre os corpos (humano e arquitetônico) vivido e pensado, possibilita a criação do novo contexto e potencializar a habitação saudável. Essas cartografias imaginárias apresentam pensamentos imersos em indefinições (Figuras 6 e 7) e, potencializam ativações, com intensidades de linhas de forças e afetos a serem modulados pelos corpos. O espaço indefinido em constante ajuste como uma nebulosa propõem composições de afetamentos, agenciando multiplicidades que habitam o espaço, criando um território efêmero de movimentos aberrantes (Lapoujade, 2015) em constante ajuste, até que as pessoas reconheçam e criem novos territórios. O plano das formas da arquitetura quanto mais flexíveis, potencializa acompanhar as rápidas e efêmeras transformações em processo, incorporando os espaços virtuais colocadas pelas tecnologias informacionais, cada vez mais presente no cotidiano das pessoas, superpondo o real com o virtual e, ressingulariza-a como ambiências saudáveis. IV. # Considerações Finais Ver, sentir, pensar e ativar os planos de consistências da vida no isolamento doméstico com as potências povoadas de multiplicidades em devires do espaço, possibilitou a essa investigação propor uma experiência singular de uma prática na casa da reclusão obrigatória, uma composição dos múltiplos territórios como agenciamentos que o colocam em regime de visibilidade e potencializam a habitação saudável com a criação de ambiências qualificadas. Dessa forma, por exemplo, ações e atividades consideradas inúteis para o estado de alegria que não tem importância nenhuma para a sanidade mental como conversar sem nenhum conteúdo ou pretensão ou rir de coisas banais passaram a ser relevantes para vida neste contexto da pandemia. Assim como, diálogos entre pais e filhos rompidos, são redescobertos; do mesmo modo, os territórios simultâneos e conflituosos são agenciados, modulando intensidades, recriando e ressingularizando as relações sociais familiares. O reconhecimento da potência das conexões visuais com o exterior através da paisagem natural e construída com a apreensão de suas atmosferas, como também, da variação das intensidades luminosas naturais que adentram o espaço interior da casa qualificam e permitem ambientes saudáveis. Mesmo o espaço físico, pouco valorizado cotidianamente, é reconhecido em sua heterogeneidade, multiplicidade e diversidade promovendo aproximações e distanciamentos entre os corpos (humano e arquitetônico) pelas potências da ativação de conexões dos fluxos de forças e afetos que habitam a casa. Nessa circunstância, também recriado em composições de espaços indefinidos, agenciados subjetivamente pelas pessoas. Dessa forma, a casa da pandemia do COVID-19 como experiência espacial presencial ou virtual com os afetos entre corpos heterogêneos, dos múltiplos e diversos territórios em devir e alteridade expressam simultaneamente formas arquitetônicas singulares permitindo pensar por contaminação, dar notabilidade a diferença e criar nas fissuras e brechas abertas para possibilitar que outros territórios existam estimulando ambientes saudáveis que potencializam a habitação saudável. O isolamento social com a reclusão doméstica, o lar como acolhimento e cidadela colocaram em regime de visibilidade as ligações com a cidade subjetiva, além da funcionalidade estabelecida, valorizando encontros e desencontros das pessoas no espaço público aberto para as apropriação que confere sentido à vida. Nesse sentido, a experiência praticada potencializou a habitação saudável conectada a pensar e construir a cidade saudável. ![Affection and Healthy Housing: A Reflections about the House in Covid-19 Pandemic O Afeto e a Habitação Saudável: Reflexões Sobre a Casa na Pandemia do Covid-19 Hélio Hirao ? & Alfredo Zaia Nogueira Ramos ?](image-2.png "") ![Fonte: Arquivo Grupo de Pesquisa Projeto Arquitetura e Cidade.](image-3.png "") 1![Figura 1: Cartografias de V. F., do plano de formas ao afeto.](image-4.png "Figura 1 :") ![Arquivo Grupo de Pesquisa Projeto Arquitetura e Cidade.](image-5.png "Fonte:") 2![Figura 2: Cartografias de E.C.S.: do plano de formas ao afeto.](image-6.png "Figura 2 :") ![Arquivo Grupo de Pesquisa Projeto Arquitetura e Cidade.](image-7.png "Fonte:") 3![Figura 3: Cartografias de V.P.: do plano de formas ao afeto.](image-8.png "Figura 3 :") 4![Figura 4: Cartografias de I.C.C.: do plano de formas ao afeto. De início, o cotidiano da casa aparentemente abrigava somente as relações funcionais e habituais restringidas pelos limites dos cômodos e das paredes, com funções e usos atribuídos e realizados repetidamente e igual.Com passar do tempo, na reclusão obrigatória, a casa como rizoma (Deleuze; Guattari, 1995) foi reconhecida, apreendida na potência de sua multiplicidade, diversidade e singularidades dos que](image-9.png "Figura 4 :") ![Arquivo Grupo de Pesquisa Projeto Arquitetura e Cidade.](image-10.png "Fonte:") 5![Figura 5: Cartografias com colagem de imagens de V.F. e E.C.S.](image-11.png "Figura 5 :") 6![Figura 6: Cartografias com colagem de imagens de V.P. e I.C.C. Esse confinamento levam a observar detalhes desse espaço interno, antes invisíveis em função do tempo rápido da vida contemporânea. A luz natural que incide no ambiente e transforma e qualifica o ambiente,](image-12.png "Figura 6 :") ![Arquivo Grupo de Pesquisa Projeto Arquitetura e Cidade.](image-13.png "Fonte:") 7![Figura 7 : Cartografias imaginária da Pós-Pandemia de V. F. e E.C.S.](image-14.png "Figura 7 :") 8![Figura 8 : Cartografias imaginária da Pós-Pandemia de V.P. e I.C.C.](image-15.png "Figura 8 :") © 2020 Global Journals Affection and Healthy Housing: A Reflections about the House in Covid-19 Pandemic * LLBrandão Casa Subjetiva. São Paulo 2008 Perspectiva * FCareri Caminhar E Parar São Paulo 2017 GG Brasil * Habitação saudável e ambientes favoráveis à saúde como estratégia de promoção da saúde SCoheni RBodsteini DCKligerman WBMarcondes 2007 Rio de Janeiro * MilDeleuze G.; Guattari F Platôs 1995 1 * Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade LEscóssia STedesco EPassos VKastrup 2015 Porto Alegre; Sulina O coletivo de forças como plano de experiência cartográfica * COVID-19 e saúde mental: a emergência do cuidado. Estud. psicol. (Campinas), Campinas , v. 37, e200074, 2020 AndréFaro 10.1590/1982-0275202037e200074 php? script=sci_arttext&pid=S0103-166X2020000100 507&lng=en&nrm=iso>. access on 08 Oct. 2020. Epub June 01, 2020 * Saúde coletiva e saber geográfico. Caderno Prudentino de Geografia RBGuimarães 2019 41 Presidente Prudente 60 Anos do Departamento de Geografia da UNESP/FCT * Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes Byung-ChulHan 2017 * Deleuze, os movimentos aberrantes DLapoujade 2015 São Paulo: N-1 edições * Aprendiendo del virus PBPreciado AMADEO, P. Sopa de Wuhan. Editorial: ASPO Aislamiento Social Preventivo y Obligatorio * Estudos Avançados, v.30 no SPasternak Habitação E Saúde 2016 São Paulo