The Teaching of Philosophy in Technical High School: Writing of the Self as Problematization of Practices inicialmente é apresentar um diagnóstico do uso técnico do ensino de filosofia na educação tecnológica, isto porque, a filosofia torna-se um procedimento técnico quando busca o reconhecimento de si na produção da verdade e transmissão do conteúdo abstrato, prática que conduz ao empobrecimento da experiência de si. Em seguida, defendemos que a escrita de si constitui uma atitude importante para se produzir uma tensão ética como prática da liberdade. Entendemos que essa atividade possibilita relacionar a escrita e a vida, a técnica e a subjetividade, a filosofia e a existência e, assim, problematizar um determinado uso da escrita apenas como transmissão técnica da verdade que ocorre na reprodução do conteúdo adquirido sem vinculação com um exercício de si. Palavras-chave: ensino de filosofia; ensino técnico; escrita de si; problematização. # I. Introdução objetivo desse texto é apresentar a escrita de si como um novo uso do ensino de filosofia, questionando a transmissão técnica da verdade e defendendoa problematização das práticas si como importante para se produzir uma tensão ética no exercício de si. Em nossa tese de doutorado (VANDRESEN, 2019) 1 1 O presente texto apresenta algumas das ideias defendidas em minha tese de doutorado "O ensino de filosofia no Ensino Médio Técnico: o exercício de si como modo de vida filosófica" (VANDRESEN, 2019) desenvolvida no período de 2015-2019 no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marília, sob a orientação do professor Dr. Rodrigo PellosoGelamo. partimos da hipótese interpretativa de que a constituição da tecnicidade biopolítica da subjetividade moderna conduziu ao esquecimento da capacidade de exercitar-se a si mesmo como condição de ultrapassagem do assujeitamento do indivíduo. É o que se evidencia no ensino de filosofia quando predomina, seja pelo discurso ou pela escrita, a transmissão abstrata do conhecimento,pois nesse procedimento não se permite acontecer o exercício de si como prática da liberdade, nesse tipo de ensino se produz uma relação técnica em que a transmissão da verdade é apenas reproduzida sem produzir uma tensão ética importante para a problematização de si e para repensar as práticas O Keywords: philosophy teaching; technical education; writing of the self; problematization. Resumo-O presente trabalho tem por objeto apresentar a atividade da escrita de si como uma prática existencial e que ao desenvolver-se como problematização das práticas cotidianas produz um novo uso da técnica no ensino de filosofia. Parte desse texto constitui uma síntese das reflexões de nossa tese de doutorado e, outra parte, o exercício de potencializar por meio escrita de si a prática do ensino de filosofia na educação tecnológica dos Institutos Federais.Tendo como referência teórica a filosofia de Michel Foucault, esse trabalho desenvolve-se em dois momentos: primeiro, descrevemos sobre o ensino de filosofia no ensino médio técnico e depois,apresentamos a interpretação de Foucault da filosofia como problematização das práticas por Abstract-The present work aims to present the activity of writing of the self as an existential practice and that when developing as a problematization of everyday practices produces a new use of the technique in philosophy teaching. Part of this text is a synthesis of the reflections of our doctoral thes is and, on the other, the exercise of potentializing by means of writing of the self the practice the teaching of philosophy in the technological education of the Federal Institutes. Having as theoretical reference the philosophy of Michel Foucault, this work is developed in two moments: first, we describe about the teaching of philosophy in technical high school and then, we present Foucault's interpretation of philosophy as problematization of practices through the experience of writing of the self. Our objective initially is to present a diagnosis of the technical use of philosophy education in technological education, because philosophy becomes a technical procedure when seeking self-recognition in the production of truth and transmission of abstract content, a practice that leads to impoverishment of the experience of self. Next, we argue that writing of the self is an important attitude to produce an ethical tension as a practice of freedom. We understand that this activity makes it possible to relate writing and life, technique and subjectivity, philosophy and existence, and thus to problematize a certain use of writing only as a technical transmission of the truth that occurs in the reproduction of acquired content without being bound by a exercise of the self. Nesse sentido, para deslocar-se de uma crítica da técnica em seu uso se faz necessáriopensar um novo modo de praticá-la ou nas palavras de Agamben (2007) fazer um "novo uso".Nessa relação imanente o essencial é a afeição que o usante recebe, em suas palavras: "a afeição que se recebe enquanto se está em relação com um ou mais corpos" (AGAMBEN, 2017, p. 48). O uso de si constitui em um modo de ser afetado em que não há um "eu" que se constitui como um antes e um depois do uso, isto porque, não sou eu que uso, mas uma relação que opera em mim. E com isso, entendemos que fazer um novo uso colocando em jogo o próprio usante constitui um processo de dessubjetivação em que as relações de afeição que nos atravessam conduzem nossa transformação. Ideia pela qual conduzimos nossa reflexão sobre a escrita de si, pois entendemos que por meio dela a filosofia se realiza como exercício de si e como um novo uso da técnica. Destacamos ainda, que conduzimos nosso trabalho tendo como referência teórica a filosofia de Michel Foucault, principalmente a partir da noção de cuidado de si (epiméleia heautoû), a qual o autor entende como atitude, atenção e práticas de transformação de si por meio do exercício de si (2004a, p. 14). Com essas três ideias, resumimos os três elementos que Foucault propõe examinar durante o curso de 1982, intitulado A Hermenêutica do Sujeito (2004a), a propósito da noção de epiméleia heautoû: primeiro, como atitude para consigo, com os outros e com o mundo; segundo, uma forma de atenção/olhar que se realiza por formas de atenção ao que se passa no pensamento; e terceiro, um série de práticas como exercícios e meditações por meio dos quais se produzem a transformação de si (2004a, p. 14-15). Desse modo, entende que o cuidado de si se "constitui um princípio de agitação, um princípio de movimento, um princípio de permanente inquietude no curso da existência" (2004a, p. 11). Inquietação que conduz o indivíduo ao permanente exercício de si como forma de fazer da filosofia uma preparação. Contudo, cuidar de si não significa adquirir capacidades ou competências para fazer coisas, como é característico de nossa época, antes tem o sentido agonístico 2 # II. O Ensino de Filosofia no Ensino Médio Técnico de transformação de si.A partir da noção de cuidado de si, descrevemos a escrita de si como experiência agonística, isto é, como uma atitude de inquietação que faz da escrita filosófica uma problematizadora das práticas como forma de atenção ao presente e uma relação menos abstrata no ensino. O exercício da filosofia no contexto da educação tecnológica de nível médio é o lugar em que inflexionamos para pensá-la. Com a proposta de pensar o ensino de filosofia no ensino médio técnico nos Institutos Federais 3 2 Frédéric Gros cita uma passagem de Foucault, no dossiê Cultura de Si: "a agonística estrita que caracteriza a ética antiga não desaparece [...]. Ser mais forte do que si implica que se esteja e se permaneça à espreita, que se desconfie sem cessar de si mesmo, e que não apenas no decurso da vida cotidiana, como também no próprio fluxo das representações, se faça atuar o controle e o domínio" (Foucault apud GROS, 2004, p. 648). 3 Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia têm sua origem com a Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, a qual cria os Institutos Federais e institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, vinculada ao Ministério da Educação no âmbito do sistema federal de ensino. O ensino de filosofia na educação tecnológica dos Institutos Federais constituiu nosso lugar de fala e de experiência, com isso constitui o registro no qual temos pesquisado e problematizado a relação entre filosofia e técnica, a produção da subjetividade e as relações de saber-poder biotécnicos. , como um primeiro movimento, queremos contestar certo modo de colocar a filosofia que é aquela que se ocupa com determinado fim, ou seja, como um produto a ser alcançado, como por exemplo, a ideia muito presente nos planos de ensino de filosofia que se deve formar um sujeito crítico. Com isso, não se quer negar que a filosofia deva proporcionar um pensamento crítico. Antes, deve-se Year 2019 Volume XIX Issue V Version I ( G ) Global Journal of Human Social Science - © 2019 Global Journals The Teaching of Philosophy in Technical High School: Writing of the Self as Problematization of Practices questionar: o que entendemos por crítica? E qual crítica devemos praticar? Desse modo, buscamos problematizar certo modo de se conceber a filosofia crítica, em que o modo como se entende a crítica geralmente está associada à formação de um pensamento racional que tem como capacidade o juízo sobre as coisas e como decorrência a representação do verdadeiro e do falso. A crítica como julgamento da verdade é fruto de uma determinada tradição crítica do pensamento que Foucault (2011, p. 268) denomina deanalítica da verdade, em que se concebe a avaliação das condições do conhecimento como requisito para obter a representação da verdade e como conquista da autonomia do sujeito. Trata-se de uma concepção da crítica apenas em seu uso técnico, ou seja, com a formação de um sujeito crítico deseja-se a produção das competências de um indivíduo emancipado. E nisso, por meio de uma representação da verdade se produz um determinado tipo de sujeito governado. No entanto, a partir da leitura de Foucault (2004b), entende-se a crítica como uma atitude que implica no próprio deslocamento do indivíduo, em um procedimento que tem por objetivo não o homem realizado em sua consciência de si, mas como atitude de "como não ser governado" e que conduz ao deslocamento do indivíduo nas relações de força. Em outro texto o autor afirma que o trabalho crítico implica "um trabalho paciente que dá forma à impaciência da liberdade" (2005, p. 351). Pensar a filosofia como um trabalho paciente de si, salienta a ideia de que o processo de problematização exige dar-se tempo e, assim, combater um ensino que alicerçado em produzir respostas visa apenas a economia de tempo. Dessa forma, a experiência fundamental a ser problematizada no ensino de filosofia, principalmente em um ensino médio técnico, deve ser o da problematização de um determinado uso da técnica e das formas de racionalidade que produzem subjetividades. Postura que nos leva a pensar o ensino da filosofia não mais como preparação para uma objetividade, seja da verdade ou da racionalidade, mas como uma experiência em que o que está em jogo é a própria constituição de si. Segundo Gelamo (2009, p. 115) a filosofia torna-se um "saber técnico" quando transmite um tipo de conhecimento em que o objetivo é (re)conhecer a forma e o conteúdo de determinado pensamento. E isso tem levado ao empobrecimento da experiência da vida no ensino da filosofia (2009, p. 127). Em outro texto, Gelamo, ao tratar da filosofia como experiência ligada à vida e não à objetividade, afirma: "[...] o ensino da filosofia precisaria se dar como uma experiência de pensar e não como um vínculo às regras e às objetividades capazes de produzir um pensamento verdadeiro" (GELAMO, p. 2010, p. 397). O ensino objetivo, alicerçado em técnicas de produção de resultado, tem como implicação moral a normatização do comportamento, fazendo com que o indivíduo se construa tendo como parâmetro a verdade a ser conquistada no final do processo. Isso significa dizer, que nesse ensino prevalece o reconhecimento de si no conteúdo, sem espaço para a problematização de si. Isso implica na criação de uma subjetividade em que seu comportamento moral não se constrói pela problematização do caminho percorrido, mas por modelos de verdade que tornam o indivíduo fechado aos problemas do seu presente e de si mesmo. A partir dessa perspectiva, o ensino de filosofia assume um papel bem definido como elemento técnico e moral, que se dá por meio da formação de determinadas competências críticas para educação do indivíduo emancipado. Contudo, é preciso pensar a filosofia como um modo de se desvincular da formação de determinadas capacidades e de suas relações de poder. A partir da ideia apresentada por Foucault, se faz necessário pensar o ensino de filosofia como um modo de "desprender-se de si mesmo" (2012, p. 241), o que contribui para a formação de um êthos envolvido pelo devir do seu modo de pensar e agir. Nisso, o mais importante na formação não é a conquista de resultados, mas as experiências realizadas durante o caminho percorrido, ou seja, isso significa estar atento não aos "ganhos" de um processo, mas, sim, aos desvios e tropeços, imprecisões e erros que fazem parte de qualquer movimento do pensamento e da vida. Por isso, é importante também estar atento ao modo como se ensina filosofia, pois não é porque a filosofia carrega, pelo menos na visão de senso comum, o status de formação de pensamento crítico que necessariamente conduzirá a isso. Assim, é preciso pensar o ensino de filosofia como o lugar de conflito entre a prática de transmissão de saber objetivo e como modo de desprender-se de si que conduz a liberdade no exercício da arte de viver. No primeiro modo, a filosofia torna-se um procedimento técnico quando busca o reconhecimento de si na produção da verdade e transmissão do conteúdo abstrato, prática conduz ao empobrecimento da experiência de si. A técnica é um modo de proceder que visa a economia de tempo, em produzir com eficiência. O imediatismo da busca por resultados, caraterístico de nossa modernidade tecnológica, leva o indivíduo a fuga de si e a elisão dos problemas existências. E a filosofia torna-se um procedimento técnico quando evita a problematização para priorizar a conquista de resultados. Quando no ensino de filosofia se evita a problematização de si, muitas vezes se acaba dando respostas prontas para perguntas mal formuladas. # III. A Escrita de si Como Problematização Das Práticas Foucault compreende a filosofia como um exercício do pensamento em que o resultado não é um produto, um pensamento pronto e acabado, mas deve tornar-se uma atividade de interrogação crítica em que o fundamental é próprio movimento de dessubjetivação. Assim, desprender-se de si é movimentar-se em direção ao que dá a pensar, nisso pode ser entendido sua crítica ao saber: De que valeria a obstinação do saber se ele assegurasse apenas a aquisição dos conhecimentos, e não, de certa maneira, e tanto quanto possível, o descaminho daquele que conhece? Existem momentos na vida em que a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente da que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir (FOUCAULT, 2014a, p. 13). De modo semelhante ao questionamento do saber realizado por Foucault no início da obra História da Sexualidade2: o uso dos prazeres, podemos perguntar: de que valeria o ensino de filosofia nas escolas, se tivesse apenas por função a aquisição, transmissão e reprodução do conhecimento e não, de certa maneira, produzir o desprender-se de si mesmopor meio das problematizações das práticas? Nessa perspectiva, o autor atribui outro sentido para se fazer a história da filosofia, a qual deve se realizar como um exercício problematizador que tem por objetivo "definir as condições nas quais o ser humano 'problematiza' o que ele é, o que faz e o mundo em que vive" (2012, p. 193). Assim, esse modo problematizador define a concepção de uma filosofia como "história do pensamento" e não uma história dos comportamentos ou das representações, isto porque o objetivo é realizar uma história da verdade que analisa "não os comportamentos, nem as ideias, não as sociedades, nem suas ideologias, mas as problematizações através das quais o ser se dá como podendo e devendo ser pensado, e as práticas a partir das quais essas problematizações se formam" (2014a, p. 17). E mais adiante, em relação ao seu projeto ético, afirma realizar "uma história das problematizações éticas, feitas a partir das práticas de si" (2014a, p. 19). Dessa forma, o modo como Foucault vai pensar esse exercício de diferenciação ética será definindo a problematização das práticas de si como o modo próprio de se praticar filosofia. Ao relacionar o movimento da problematização com as práticas de si, Foucault indica que as práticas não são um fim em si mesmas, isto porque, no jogo de sujeição e resistência, ou são práticas que produzem ao assujeitamento ou são práticas da liberdade por meio do exercício crítico de si. Nesse sentido, o modo como Foucault compreendia a atitude crítica estava ligada a constituição de um êthos como forma de não ser governado por práticas precisas. E segundo Foucault (2012, p. 264) o modo como os gregos problematizavam sua liberdade por meio de um trabalho de si é a maneira como pensaram a formação ética, ou seja, através da problematização das práticas de si é que se constitui o êthos. Por isso, para o autor a tarefa essencial é o de analisar como uma experiência torna-se problemática, como afirma: A história do pensamento é a análise do modo como um campo de experiência não problemático, ou um conjunto de práticas, que foram aceites sem questionar, que eram familiares e "silenciosos", fora da discussão, se torna um problema, suscita discussão e debate, incita novas reações, e induz uma crise no comportamento, hábitos, práticas e instituições, anteriormente silencioso (FOUCAULT, 2001, p. 74, tradução nossa). Desse modo, a tarefa do pensamento é questionar: como as práticas se tornam um problema? Desse modo, a problematização das experiências e das práticas não questionadas conduz a uma nova problematização em que seja possível a formação de uma vontade política de agir diferentemente por meio de outras práticas (FOUCAULT, 2012, p. 243). E no texto de 1981, Une histoire de la manière dont les choses font problème, Foucault afirma que o seu interesse é realizar uma história das problematizações, "a história da maneira como as coisas se tornam problemas" (2014b, p. 107, tradução nossa). A filosofia como experiência problematizadora é fundamental em Foucault. Em 1970, no texto A Armadilha de Vincennes (2011, p. 184-191) 4 Foucault descreve sua experiência com o ensino de filosofia. Afirma que na França a tarefa do professor de filosofia estava ligada a instrução pública, ensinar uma filosofia da consciência, do juízo e da liberdade, uma liberdade do pensamento e, como crítica dos limites e fundamentos do saber. No entanto, novos problemas aparecem para a filosofia e, então, se deve perguntar pela "apropriação e distribuição do saber", ou seja, trata-se de problematizar o modo como se produz o saber na sociedade. Com isso, Foucault desenvolve um modo de fazer filosofia que se contrapõe a função tradicional da filosofia. Sobre o seu modo de trabalhar Year 2019 Volume XIX Issue V Version I ( G ) em Vincennes, Foucault descreve sobre dois modos de "hipocrisia possíveis" que recusaram como prática da filosofia: uma, que consiste em modificar as formas pedagógicas do ensino, sem nada mudar no conteúdo; e a outra, seria modificar o conteúdo, mantendo a forma tradicional do ensino. Em vez disso, praticaram uma filosofia como uma maneira de formular problemas em que a "experiência de uma liberdade" possa se dar através da problematização de dois grandes domínios do ensino: um dedicado à análise política da sociedade e, o outro, a análise de certo número de domínios científicos (2011, p. 190).Em sua experiência de Vincennes pode-se observar que Foucault desloca o tradicional modo de pensar o ensino da filosofia pelas preocupações técnico-pedagógicas do conteúdo e do método, para pensar outro modo de ensinar filosofia, a qual se realiza como uma maneira de problematizar diferentes domínios. A filosofia entendida como problematização exige uma atitude de contraposição à ideia da transmissão da verdade, a qual implica em uma busca metódica para resolver problemas. Ao na problematização, coabitar os problemas não implica necessariamente em dar respostas, mas em um movimento de desprender-se de si mesmo. Colocar-se em um exercício de problematização das práticas lança o indivíduo em um jogo agonístico de constituição do êthos, em que não é possível distanciar-se de modo abstrato. A partir desse horizonte teórico, entendemos que no ensino de filosofia quando predomina a transmissão abstrata do conhecimento na repetição do mesmo, seja pelo discurso ou pela escrita, não se permite acontecer o exercício de si como prática da liberdade, isto porque nesse tipo de ensino se produz uma relação técnica em que a transmissão da verdade é apenas reproduzida sem produzir uma tensão agonística importante para a problematização de si e para repensar as práticas ético-políticas. Por isso perguntamos: como praticar uma filosofia para além da obrigação de falar e escrever que caracteriza nossa tradição filosófica, de uma escrita reprodutora e um discurso retórico sem vinculação com a vida que se exercita a si mesma? Em Foucault a noção deescrita de si é uma prática que permite confrontar o uso técnico da escrita como reprodução do mesmo. No curso de 1982, Foucault ao tratar sobre a escrita de si afirma que há dois usos dessa escrita: um uso para nós, como um elemento de exercício que ajuda a implantar uma espécie de hábito e um uso para os outros, em que na forma de correspondências espirituais tinham por finalidade dar um ao outro notícias de si mesmo (2004a, p.432-433). Desse modo, a escrita de si constitui um novo uso de si, pois se trata de um modo de expressarse pela problematização de sua experiência em que não é possível distanciar-se de modo abstrato. Já no texto de 1983 -A escrita de si -Foucault, ao tratar sobre as correspondências espirituais entre os filósofos antigos, afirma que "a carta que se envia age, por meio do próprio gesto da escrita, sobre aquele que a envia, assim como, pela leitura e releitura, ela age sobre aquele que a recebe" (2012, p. 150). Foucault ao estudar as cartas de Sêneca descreve que o objetivo era examinar a vida cotidiana para prepara-se diante de outros acontecimentos semelhantes. O exame da vida constitui um exercício que "[...] lança sobre si mesmo ao comparar suas ações cotidianas com as regras de uma técnica de vida" (2012, p. 157), isso significa que é preciso examinar a maneira como se vive tendo como referencia a criação da arte de viver, ou seja, da construção da melhor forma de viver. Desse modo, Foucault compreende que a escrita tem uma função etopoiéitica que é o de transformar a verdade em êthos (2012, p. 144). Isto quer dizer que a escrita de si constitui em um exercício do pensamento transformado em um aprendizado da arte de viver, que Foucault denomina de estética da existência. Nesse sentido, a escrita de si constitui um modo de problematização das práticas de si. É o que pode ser percebido na leitura que Foucault (2010)realizasobre a Sétima Carta (ou Carta VII) de Platão, na qual o filósofo grego descreve sobre o fracasso de Dionísio na prova da filosofia, recusando a filosofia como exercício de práticas e escolhendo escrever um tratado de filosofia. Platão descreve: "[...] meu primeiro cuidado foi certificar-me se Dionísio era mesmo unha e carne com a filosofia" (1975, 340b) e explica que ele apesar de pretender-se filósofo não a praticava como atividade existencial. Com isso Foucault compreende a filosofia como exercício de si que se realiza por práticas. "Aquilo que a filosofia encontra seu real é a prática da filosofia, entendida como conjunto das práticas pelas quais o sujeito tem relação consigo mesmo, se elabora a si mesmo, trabalha sobre si. O trabalho de si sobre si é o real da filosofia" (2010, p. 221). Ao interpretar a Carta VII de Platão (2010, p. 203-222), que trata sobre o relato de Platão sobre sua missão de conselheiro político na ocasião de sua segunda viagem a Sicília, Foucault percebe que o que está em jogo na missão de Platão é o próprio sentido da filosofia: não ser puro e simples discurso (logos), mas érgon (tarefa, obra). Assim, a Carta VII é para Foucault uma reflexão que trata sobre o real da filosofia, contudo, não o real enquanto parâmetro para medir se a filosofia é verdadeira ou não, mas da verdade como modo de vida. E cita o exemplo do homem doente relatado por Platão, demonstrando que, para que a filosofia não seja apenas discurso, mas realidade, precisa ter a mesma atitude do médico que busca convencer o doente a mudar seu regime de vida, ou seja, o que está em jogo é seu modo de vida cuja transformação evitará outras doenças (PLATÃO, 1975, 330d). Desse modo, quando observamos a leitura de Foucault dos exercícios espirituais da cultura grega do período clássico e do helenismo, percebemos a compreensão de queos diferentes exercíciosespirituais conduzem a problematização das práticas de si. Sendo que a escrita de si como experiência agonística tornase um instrumento fundamental para combater um ensino em que a repetição é associada como imitação, isto porque nesse processo de transmissão do conhecimento o indivíduo deixa-se operar pelos outros e sua resposta nada mais é que a reprodução da informação recebida. Nessa perspectiva, Gelamo (2009) ao problematizar o ensino, principalmente o ensino de filosofia, constata que há uma valorização da experiência como imitação, o que não permite a experiência do pensar, esta que é uma maneira de afetar a própria vida filosoficamente. Para o autor, nesse tipo de imitação apenas se reproduz a experiência do outro em detrimento daquela que é feita por si mesmo, produzindo um empobrecimento da experiência e um enfraquecimento dos modos de vida e do pensar filosófico sobre a vida (GELAMO, 2009, p. 127). Ainda, segundo o autor, o ensino que se dá como transmissão e não propicia a experiência do pensar, torna-se um saber técnico, pois visa a apenas dar condições ao estudante para a integração no quadro do progresso tecnológico e do mercado de trabalho (GELAMO, 2009, p. 115). Assim, diferentemente da repetição como reprodução em que o indivíduo se deixa operar pelo comando do outrose tornando um sujeito autômato, na escrita de si como problematização cotidiana das práticas torna-se possível construir uma relação consigo capaz de transformar-se em um modo de vida outro. A atenção cotidiana com as práticas possibilita vivenciar experiências singulares, pois englobam atividades consideradas "triviais" para o pensamento abstrato.Dessa forma, a filosofia como problematização das práticas possibilita a repetição cotidiana do exercício de si e torna-se uma ferramenta importante porque rompe com a produção da normalização e permite recriar cotidianamente uma maneira singular de ensaiar a vida. # IV. Considerações Finais Pensar a escrita de si no ensino de filosofia como problematização das práticas é realizar um exercício de si como uma experiência que relaciona a escrita e a vida, a filosofia e um novo uso da técnica, a subjetividade e a existência, em contraponto a uma escrita que geralmente é utilizada apenas como reprodução do conteúdo adquirido sem vinculação com o presente. Por isso, por meio da leitura foucaultiana da escrita de siprocuramos descrever uma inquietação de uma escrita filosófica problematizadora das práticas como forma de atenção ao presente e uma relação menos abstrata no ensino. Isso exige uma atitude de contraposição à ideia da transmissão da verdade, a qual implica em uso técnico do ensino por meio da busca metódica para resolver problemas. Ao contrário, na problematização, coabitar os problemas não implica necessariamente em dar respostas, mas em um movimento de desprenderse de si mesmo. Colocar-se em um exercício de problematização das práticas lança o indivíduo em um jogo agonístico de constituição do êthos, em que não é possível distanciar-se de modo abstrato como ocorre no uso técnico da transmissão-repetição do conhecimento. Assim, a escrita de si ao conduzir a uma experiência de inquietação existencial e uma problematização das práticas cotidianas constitui em um novo uso de si e um novo uso técnico da escrita. Enfim, a tarefa ético-política do ensino de filosofia no ensino médio técnico é o de produzir a aprendizagem do exercício de si, proporcionando um cuidado que se realiza em exercícios cotidianos de problematização das práticas.É cultivando uma atenção cotidiana com a existência que se faz da escrita de si a experiência da vida arriscando-seem exercícios. © 2019 Global Journals Nesse texto de 1970, Foucault enquanto responsável pelo Departamento de Filosofia, responde ao ministro da Educação Nacional (Olivier Guichard), o qual tinha como intenção não conceder licenciatura aos estudantes de filosofia de Vincennes, justificando que o conteúdo do ensino de filosofia era demasiado particular e especializado e não prepara o estudante para o ensino da filosofia. Para Foucault, o Sr. Guichard finge defender a filosofia, contudo, "na verdade, ele protege o velho funcionamento da cadeira de filosofia contra uma maneira de formular problemas que a torna impossível" (2011, p. 189, grifo nosso).© 2019 Global Journals The Teaching of Philosophy in Technical High School: Writing of the Self as Problematization of Practices * GElogioAgamben Da Profanação AGAMBEN, G. Profanações. Trad.Selvino José Assmann. São Paulo: Boitempo 2007 * O uso dos corpos GAgamben Trad. Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo 2017 * Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências Brasília 2008. 2013 21 BRASIL. 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