# Introduction traumatismo cranioencefálico (TCE) é um acontecimento inesperado de grande impacto, relevância epidemiológica e ônus socioeconômico com possíveis consequências desastrosas para os sobreviventes. As vítimas do TCE estão sujeitas a sofrerem deficiências de ordem física, cognitiva, emocional e comportamental e de apresentarem incapacidades funcionais a curto, médio e longo prazo, mesmo nos traumas de leve intensidade, o que repercute de maneira global na vida laboral, na independência para a realização das atividades da vida cotidiana e no convívio social. Além dessas complicações, tem-se tornado crescente a preocupação com a satisfação com a vida e desempenho ocupacional (DO) após uma lesão neurológica. Esse artigo visa discutir os impactos que as pessoas que sofreram TCE apresentam no desempenho ocupacional e na qualidade de vida (QV). E para tal, serão abordados os conceitos de QV e DO como indicadores de saúde da população, as possíveis deficiências provenientes do TCE e suas repercussões na QV e DO dos acometidos e familiares. # II. QUALIDADE DE VIDA A Organização Mundial da Saúde (OMS) define qualidade de vida (QV) como "a percepção do indivíduo sobre a sua posição na vida, no contexto da cultura e dos sistemas de valores em que ele vive, e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações." (The Whoqol Group, 1995, p. 1405, tradução nossa). E considera a participação do indivíduo na sociedade como fundamental para melhores níveis de QV e bem-estar. A QV tem sido muito utilizada para avaliar o impacto das condições de saúde (doenças, distúrbios, lesões etc.) em diferentes populações (Neto & Ferreira, 2003). Há algumas décadas os indicadores de sucesso dos cuidados em saúde estão passando das tradicionais medidas de resultados de óbito e disfunção para medidas de QV e funcionalidade (Umphed, 2010). A identificação e tratamento da doença passou a ser tão importante quanto conhecer, prevenir ou minimiza o impacto da condição de saúde no cotidiano singular do acometido (Minayo, 1988). Essa ampliação do cuidado anteriormente centrado na doença para uma abordagem que compreende o bem-estar físico, psíquico e social foram impulsionadas pelas ações da OMS iniciadas a quase meio século. Entre elas, a criação da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) pela Organização Mundial da Saúde em 2001 (OMS, 2003). A CIF é fundamentada no Modelo Biopsicossocial e propõe um conceito de funcionalidade interativo e de interdependência entre as condições de saúde com domínios de funcionalidade: a estrutura corporal (considerada as partes anatômicas do corpo como órgãos, membros e seus componentes), função corporal (sendo funções fisiológicas dos sistemas orgânicos incluindo as funções psicológicas), atividade (a execução de uma tarefa ou ação por um indivíduo) e participação (o envolvimento em uma situação da vida), correlacionado com os fatores ambientais e pessoais do indivíduo (OMS, 2003). A classificação defende uma linguagem padronizada para ser usada internacionalmente na mensuração da funcionalidade humana e dos componentes da saúde. Na prática com a CIF é possível tirar um "retrato" da saúde do indivíduo sobre quais as funções e estruturas do corpo estão acometidas, quais atividades e participação estão comprometidas e em que nível, e quais os fatores e pessoais estão sendo facilitadores ou barreira para sua funcionalidade, incapacidade e saúde. Dessa forma, a CIF complementa a estrutura etiológica das condições de saúde fornecida pelo Código Internacional de Doenças nas informações sob estados de saúde de uma população ou indivíduo, utilizadas na prática clínica, pesquisa, e nas políticas públicas, seguridade social, trabalho, justiça entre outras finalidades (OMS, 2003;Riberto, 2011). No Brasil o Projeto de Lei 1673/2021 que institui a Política Nacional de Saúde Funcional, cujo objetivo é gerar e administrar informações sobre funcionalidade para o planejamento, o monitoramento, o controle e a avaliação da saúde funcional, do bem-estar e da QV dos brasileiros, utiliza como base essa classificação (Câmara dos Deputados, 2021). # III. # DESEMPENHO OCUPACIONAL A participação ou desempenho são compreendidos como o envolvimento em uma situação ou experiência vivida no ambiente real do indivíduo. Essas experiencias podem ser na realização de uma atividade de cuidado pessoal, comunicação, mobilidade, trabalho, estudo, ou situações que envolvam interações e relacionamentos interpessoais, vida doméstica, vida social e cívica, entre outras (OMS, 2003; Stucki et al., 2007). Assim como a participação é um dos componentes de saúde na CIF, a influência do desempenho de atividades significativas para a saúde também é reconhecida pelos estudiosos da ocupação humana. Segundo Kielhofner (2002) O trauma cranioencefálico é considerado um problema de saúde pública por vários fatores: pela alta incidência e letalidade, por acometer, pessoas de qualquer faixa etária, raça ou situação socioeconômica (ainda que seja uma distribuição desigual); por ser um acontecimento inesperado, mas previsível na maioria das vezes; por ser capaz gerar de maneira brusca incapacidades permanentes em indivíduos previamente saudáveis e independentes, pelos custos diretos e indiretos do tratamento e dos investimentos públicos na prevenção, e pelas inúmeras repercussões psicossociais e econômicas a todos os envolvidos. Ao mesmo tempo que o TCE é de fácil identificação etiológica, é complexo devido à incerteza da magnitude da lesão encefálica no momento do evento e das complicações secundárias que podem se desenvolver a curto, médio ou longo prazo. O acometido por um TCE pode enfrentar consequências diretamente relacionadas a lesão neurológicas (distúrbios respiratórios, déficits sensóriomotores, perceptos-cognitivos, emocionais e/ou comportamentais) ou as iatrogenias (infecções, úlceras por pressão, trombose venosa profunda) e outra complicações tardias como hematoma subdural crônico. Também não é pouco comum as vítimas serem politraumatizadas e apresentarem fraturas, lesão medular entre outras sequelas. Além disso, os pacientes gravemente comprometidos geralmente são incapazes de administrar sua própria vida social e frequentemente dependem de cuidadores. São incapazes de retornar as atividades sociais e profissionais o que leva à frustração, sofrimento emocional e isolamento social (Giustini, 2014). A qualidade do atendimento de urgência afeta sobremaneira a sobrevida e o desenvolvimento de incapacidades após um TCE, assim como o seguimento em serviços de reabilitação repercutem na recuperação funcional e na reinserção social (Moscote-Salazar et al., 2016). Para Praça et al. (2017) avaliar a QV pós TCE pode refletir a condição do atendimento à saúde de uma determinada região, bem como identificar as necessidades de melhorias dos serviços da linha de cuidado do trauma. A reabilitação com abordagem biopsicossocial do indivíduo visa integrá-lo ao mercado de trabalho e na sociedade, com intervenções na prevenção, recuperação precoce ou compensação dos déficits, a prevenção de complicações secundárias, e o engajamento em ocupações significativas nos domínios do trabalho, do lar e da comunidade (Cecatto, 2012). V. # Impactos do Trauma Cranioencefálico na Qualidade de Vida e Desempenho Ocupacional Umas das principais ocupações afetadas por adultos jovens vítimas de trauma é o trabalho. Uma parte significativa fica desempregada e muitos dos que retornam ao trabalho estão envolvidos em funções diferentes das que exerciam anteriormente e sem identificação ou satisfação com elas. Além do trabalho, as atividades de lazer, descanso e sono, estudos, autocuidado e manutenção de papeis ocupacionais podem ser alterados após um evento traumático. Em relação ao ônus socioeconômico, os custos pela perda da produtividade na Europa representam mais de 50% (Gustavsson et al., 2011). Nos EUA mais de 76 bilhões de dólares são destinados para custear o tratamento e a perda laboral (Coronado et al., 2012). Os cuidados de saúde compreendem procedimentos de baixa, média e alta complexidade mesmo nas lesões mais leves e exigem participação interdisciplinar com fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudióloga, psicóloga, assistente social, nutricionista, farmacêutico, enfermeiro, além do fisiatra, neurologista, intensivistas e cirurgiões, portanto é muito importante que os pacientes submetidos a reabilitação sejam muito bem selecionados e estratificados quanto ao prognóstico e resposta ao programa (Cecatto & Almeida, 2010). É indiscutível a importância epidemiológica e ônus socioeconômico do trauma para a saúde pública mundial e as suas repercussões na capacidade funcional, independência dos acometidos e seus familiares, porém o DO e a QV após TCE é uma temática pouco explorada. O conhecimento sobre os prejuízos no DO e na QV pode orientar as estratégias de atenção à saúde e aprimorar a qualidade dos protocolos assistenciais (Rafani, 2022). A identificação de preditores de DO e QV pode promover uma a abordagem precoce dos indivíduos mais suscetíveis e contribuir para a prevenção ou diminuição dos impactos do trauma na vida cotidiana dos sobreviventes e seus familiares, bem como para alinhar as metas e as expectativas das vítimas e dos familiares frente ao prognóstico ocupacional, facilitando assim o enfrentamento e a superação de disfunções e incapacidades vivenciadas. Ainda são necessários estudos para conhecer em profundidade como o trauma impacta o cotidiano dos acometidos e qual a autopercepção dos mesmo sobre sua situação de vida, a fim de poder atuar para o enfrentamento desse problema. Segundo Giustini (2014), avaliar especificamente a QV e o nível de autoconsciência de seus déficits após TCE pode abrir o caminho para avaliar o impacto real do TCE nas vidas dos pacientes e assim estabelecer intervenções que combata as reais preocupações vivenciadas pelos acometidos. # VI. # Conclusions É indiscutível a importância epidemiológica e ônus socioeconômico do trauma para a saúde pública mundial, assim como as suas repercussões na capacidade funcional, autonomia e independência para as atividades cotidianas dos acometidos. O artigo procurou discutir os impactos que as pessoas que sofreram traumatismo cranioencefálico apresentam no desempenho ocupacional e na qualidade de vida. Alguns estudos apontam o reflexo do trauma nas diversas áreas de vida dos sobreviventes e seus familiares, em especial as atividades relacionadas ao trabalho, prejudicando consideravelmente a condição econômica dos envolvidos. Destaca-se a importância de se explorar a relação do evento traumático e o desempenho ocupacional e qualidade de vida, bem como de se identificar possível preditores do desempenho ocupacional e qualidade de vida e as pessoas que estariam mais suscetíveis ao declínio desses aspectos, para se estabelecer ações preventivas e de tratamento a fim de minimizar esses impactos e contribuir para a reinserção do sujeito nas atividades significativas como trabalho, lazer a autocuidado o mais breve possível. Quality of Life and Occupational Performance after Traumatic Brain Injury * 03 de maio) Política Nacional de Saúde Funcional, baseada na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) 2021 Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1673/2021. na imprensa * AACardoso LMagalhães LCMagalhães UFMG. 63 Medida Canadense de Desempenho Ocupacional Mary Low 2009 * Terapia ocupacional na reabilitação pós-acidente vascular encefálico RBCecatto CRUZ, D. M. 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