# I. Introdução formação profissional em Serviço Social, assim como em qualquer área do conhecimento, deve ser submetida a ato contínuo de revisão com vistas ao aprimoramento de suas bases para que possa oferecer subsídios atualizados para a construção de respostas qualificadas aos desafios da realidade social, projetando-as no horizonte do projeto ético-político. Na ótica de Iamamoto (2007), é indispensável que a formação profissional suscite nos profissionais a capacidade de captar o processo histórico, de modo a intervir sobre as diferentes expressões da questão social que emergem. Para tanto, o profissional precisa dispor de um arcabouço teórico-metodológico que o permita interpretar criticamente o espaço sócioocupacional em que irá atuar, atentando-se para a conjuntura atual, de modo a construir estratégias que respondam efetivamente às demandas dos usuários e das entidades empregadoras. Obediente ao projeto de formação do Serviço Social brasileiro, o processo formativo precisa contemplar a universalidade, a particularidade e a singularidade, o geral e o particular, o internacional e o local, o nacional e o regional. Nesse sentido, considerar as particularidades regionais no processo formativo é fundamental, para que os profissionais formados tenham capacidade para atuar na pluralidade de espaços sócio-ocupacionais de qualquer lugar do país, mas, igualmente, consigam responder às particularidades regionais. Ao pensarmos na Amazônia e na sua sociobiodiversidade, a formação profissional construída nesta e para esta região precisa considerar sua formação sócio-histórica, o processo de exploração capitalista, a multifacetada questão social, a heterogeneidade cultural, a biodiversidade e a pluralidade social, sendo uma região que abriga uma gama de povos tradicionais indígenas (povos originários) e não indígenas (ribeirinhos, quilombolas, seringueiros, castanheiros etc.), que carregam conhecimentos tradicionais que não podem ser desconsiderados no planejamento, execução e avaliação das políticas públicas, as quais são os espaços privilegiados de desenvolvimento do trabalho profissional. Nesse espírito, este artigo se propõe a discutir a formação profissional em Serviço Social conduzida no espaço amazônico e considerando as particularidades da Amazônia para um trabalho profissional qualificado voltado para os povos amazônidas. Não se trata de regionalismo ou particularismo, mas da necessária articulação entre a universalidade, a particularidade e a singularidade, à luz da perspectiva do materialismo histórico-dialético, para a qual os movimentos de dedução e indução são imprescindíveis para a interpretação do real. Com isso, torna-se possível reconhecer o universal no particular e vice-versa. Para sua redação, recorreu-se à pesquisa bibliográfica com articulação a reflexões favorecidas pela docência na graduação e na pós-graduação em Serviço Social no estado do Amazonas, maior unidade federativa do Brasil em extensão territorial. O artigo está estruturado em 3 partes, além de introdução e considerações finais. Inicialmente, explicita-se que o debate das particularidades regionais na formação profissional está em sintonia com a proposição das Diretrizes Curriculares. Em seguida, apresentam-se sinteticamente as particularidades da questão social na Amazônia e, por fim, retomam-se as argumentações sobre a relação entre universalidade, particularidade e singularidade para alicerçar a propositura de condução da formação na Amazônia que considere as particularidades da realidade amazônica. Acredita-se que este debate tem relevância acadêmica e social, na medida em que está amparado no projeto ético-político do Serviço Social brasileiro e, no espírito dos núcleos de fundamentação da formação profissional, enfatiza o adensamento do debate da particularidade da formação sócio-histórica da sociedade brasileira e do trato das particularidades regionais como uma unidade no processo formativo. # II. # Formação Profissional em Serviço Social e o Trato Das Particularidades Regionais O atual projeto de formação profissional em Serviço Social, construído nos anos 1990, é resultante de um processo de amadurecimento teórico-político da categoria em conjunto com as suas entidades representativas, por ocasião do movimento de reconceituação, iniciado no bojo da ditadura civil-militar. Como avanços, podemos destacar a elaboração do currículo mínimo para o curso de Serviço Social proposto pela até então Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social (ABESS) em 1982. Para Castro e Toledo (2012), o currículo de 1982 deu um salto em comparação aos currículos anteriores (1953 e 1970), como fruto da perspectiva de intenção de ruptura oriunda do processo de renovação do Serviço Social, nos termos de Netto (2015). Essa contribuição é admitida por Castro e Toledo (2012) e Netto (2015). Seguindo os passos de avanço do currículo de 1982, deu-se a elaboração do Código de Ética Profissional de 1986, também à luz da tradição marxista, no intuito de demarcar a ruptura com a perspectiva conservadora. Percebendo os limites do currículo mínimo de 1982 -como, por exemplo, a segregação de história, teoria e método -a categoria profissional conduziu um importante e democrático processo coletivo de debate, revisão e construção de um novo projeto de formação, com mais de 200 oficinas locais, 25 regionais e 2 nacionais (BRAVO et. al., 2019). Desse amplo debate coletivo capitaneado pela então Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social -ABESS (atual Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social -ABEPSS) resultou o documento denominado "Proposta nacional de currículo mínimo para o Curso de Serviço Social", aprovado em 1996, que deu base às Diretrizes gerais para o curso de Serviço Social. Em conjunto com a Lei de Regulamentação da Profissão e o Código de Ética Profissional em 1993, as Diretrizes de 1996 2 dão substrato ao Projeto Ético-Político do Serviço Social brasileiro. Nas Diretrizes de 1996, a formação é organizada a partir de um currículo que entrelaça os pressupostos sócio-históricos e teo?ico-metodolo?icos da profissão com as particularidades da sociedade brasileira. Para direcionar a formação são eleitos núcleos de fundamentação, que reúnem uma série de conhecimentos necessários à compreensão da realidade. Os núcleos são: núcleo de fundamentos teo?ico-metodolo?icos da vida social, núcleo de fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade Para dar conta de entender a sociedade brasileira, é necessário fazer a interlocução com o contexto internacional, reconhecendo o Brasil como um país de capitalismo dependente, nos termos de Fernandes (1975). Dessa inserção desigual e subordinada resultam processos sociais de expropriação e exploração que geram múltiplas refrações da questão social, entendida como O "Serviço Social brasileiro" foi uma experiência pioneira gestada no bojo do movimento de renovação (conf. NETTO, 2015) para se pensar um formato próprio da profissão a partir da realidade dos países latinoamericanos e da formação sócio-histórica brasileira e regional, sem perder de vista a concatenação dos nossos processos sociais com o capitalismo internacional. Mas, esse esforço não se trata de uma tarefa concluída, e sim, de um processo em transitividade. Por isso, a formação profissional em Serviço Social deve ser constantemente submetida à revisão amplamente dialogada, com vistas ao fortalecimento da profissão diante dos ataques que assolam as profissões assalariadas. A formação sócio-histórica brasileira aponta que parte das distinções no cenário nacional também pode ser explicada pelo modo como as regiões ou localidades foram colonizadas e por quem as colonizou. Apesar das características regionais diferentes, há uma unificação com a multidiversidade de povos e culturas que se encontram no território brasileiro, sendo importante incorporar esse debate nas discussões acadêmicas para sintonizar a profissão de Serviço Social à diversidade regional, bem como, com o fenômeno das desigualdades. Iamamoto (2014) sinaliza que os dilemas regionais e nacionais devem ser incorporados como matéria da vida acadêmica, considerando as particularidades históricas nacionais no debate profissional. Compreende-se que a formação acadêmicoprofissional deve preparar o assistente social para realizar uma análise crítica da conjuntura da sociedade brasileira, pautada no referencial teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo, dialogando com inquietações e questões que permeiam a realidade social. Atribuir visibilidade às diversidades regionais na formação profissional torna-se ainda mais necessário diante das disparidades existentes desde a colonização do Brasil. Há múltiplos indicadores sociais, econômicos e culturais que apontam as disparidades regionais. No imaginário brasileiro, as regiões "mais atrasadas" localizam-se no Norte e Nordeste do país, já as regiões Sul e Sudeste são consideradas "mais modernas". A Amazônia brasileira localiza-se, majoritariamente, no Norte do país, tendo em seu desenvolvimento histórico distintas interpretações e narrativas. Conforme analisa Gondim (1994) sobre a invenção da Amazônia, as características sinalizadas para descrevê-la situam-na enquanto paraíso natural, inferno verde, vazio demográfico, população primitiva, fonte de riquezas, região do futuro, pulmão do mundo, dentre outras características que ainda atravessam o imaginário social do povo brasileiro e do cenário internacional. A Região Amazônica chama a atenção do mundo, definida como Amazônia Continental e Amazônia brasileira, a última também conhecida como Amazônia Legal 3 3 Instituída pelo governo de Getúlio Vargas em 1953 para favorecer o progresso brasileiro. , possuem peculiaridades que devem ser bem compreendidas na formação profissional na Amazônia para somar forças ao avanço do Projeto Ético-Político profissional na garantia da luta contra a hegemonia do capital na região. historicamente situado no processo de constituição e desenvolvimento da sociedade burguesa, apreendida em seus elementos de continuidade e ruptura, frente a momentos anteriores do desenvolvimento histórico. (p. 10). constituição econômica, social, política e cultural da sociedade brasileira, na bsua configuração dependente, urbano-industrial, nas diversidades regionais e locais (ABESS, 1996, p. 11), articulada à questão agrária e agrícola, precípua à particularidade histórica nacional. a profissionalização do Serviço Social como uma especialização do trabalho e sua prática como concretização de um processo de trabalho que tem como objeto as múltiplas expressões da questão social (p. 12). # As Particularidades Regionais Amazônicas Reconhecendo que o trato das particularidades regionais é um componente indispensável ao processo formativo, damos destaque à Amazônia, que enquanto espaço rico e diverso, congrega uma pluralidade humana, animal, vegetal e mineral. Por isso, fazemos referência à sua sociobiodiversidade, de modo a remeter a esse emaranhado de elementos que a caracterizam. A Amazônia é um dos territórios mais importantes do planeta, considerada por Batista (2007), Benchimol (2009) e Loureiro (2009) como uma das regiões mais complexas do mundo. Sua formação econômica, social, política, cultural e ambiental a encobriu de particularidades, não podendo ser analisada apenas sob a ótica de sua floresta, fauna, flora e biodiversidade, mas também, a partir dos povos que habitam essa região. Para além de florestas e rios, a região é uma grande representante da diversidade e riqueza cultural de seus povos, portanto, exige um olhar particular a cada comunidade e a cada grupo populacional, uma vez que a heterogeneidade sociocultural e ambiental constitui uma das maiores particularidades da Amazônia. Ao olhar para a riqueza das florestas e rios, a Amazônia possui a maior floresta equatorial do mundo e uma rica biodiversidade que abrange nove territórios da América do Sul, sendo que 60% da floresta faz parte do território brasileiro. Os "principais rios navegáveis da região amazônica são o Solimões/Amazonas, o Negro, o Branco, o Madeira, o Purus e o Juruá" (BNDES, 1998, p. 01), sendo a navegação hidroviária o meio de acesso da maior parte dos municípios da região. Ao contextualizar a Amazônia sob a lógica do desenvolvimento e da cobiça do grande capital, destaca-se a sua inserção no cenário internacional a partir da exportação das drogas do sertão e do período econômico da borracha por meio da exploração do látex, que possibilitou uma acumulação capitalista contemporânea. Essa acumulação vem se intensificando ao longo de sua formação sócio-histórica, à medida que a Amazônia passa a ser vista como O projeto internacional para a Amazônia a coloca como uma imensa unidade de conservação a ser preservada, visando a sobrevivência do planeta, uma vez que o desmatamento e as queimadas têm efeitos sobre o clima e a biodiversidade. Já o segundo projeto internacional que se refere à integração da Amazônia transnacional trata-se de uma nova escala para pensar e agir na Amazônia, porém sabe-se que o projeto de integração nacional acarretou perversidades em termos ambientais e sociais (BECKER, 2005). Como palco da cobiça internacional, as tentativas de desenvolvimento da Amazônia se fizeram presentes com a criação de inúmeras agências, instituições, rodovias, ferrovias e grandes projetos associados aos acordos internacionais, principalmente a partir dos anos de 1960, com o desenvolvimento do Projeto Trombetas, Grande Carajás, Zona Franca de Manaus, indústrias madeireiras e projetos de construção de hidrelétricas. Estes projetos apresentaram grandes impactos econômicos, sociais, demográficos e ambientais na região, sobretudo quando se analisa sob a ótica da espoliação de populações amazônidas. Pinheiro, Vallina e Vallina (2022, p. 94-95) avaliam que A história do desenvolvimento do capitalismo na Amazônia se dá com intensa exploração econômica e revela a barbárie capitalista que, sob a violência e a devastação na região, privilegia os interesses privados, distancia-se de uma integração social e democrática, revela as contradições engendradas pelo movimento do capital na região em um contexto de acumulação capitalista contemporânea e potencializa o empobrecimento dos povos da Amazônia em meio às riquezas naturais, favorecendo a emergência de diferentes refrações da questão social que atingem tais povos, como: fome, desemprego, violência, falta de acesso a serviços de saúde e saneamento básico, desastres ambientais, expropriação de terras etc. Henriques (2000) analisa que a Amazônia brasileira reproduz duas características da desigualdade e pobreza no Brasil, sendo a primeira, que o Brasil não é um país pobre, mas, um país com muitos pobres, cuja origem da pobreza não reside na escassez de recursos. A segunda característica diz respeito à concentração de renda. Com a concentração de renda na Amazônia brasileira, os benefícios do crescimento na região ficaram restritos a determinados segmentos sociais, sinalizando as contradições de um crescimento econômico com a manutenção das desigualdades sociais. fronteira do capital natural em nível global, em que se identificam dois projetos: o primeiro é um projeto internacional para a Amazônia, e o segundo é o da integração da Amazônia, sulamericana, continental (BECKER, 2005, p. 74). no desenvolvimento capitalista na Amazônia é o Estado ditatorial brasileiro que intervém para assegurar a expansão econômica e as condições de exploração do trabalho na região. As bases das antigas formas de economia são destruídas e instituem-se novas relações sociais de produção, que passam a conviver com formas "arcaicas". Ha?a desapropriação e reapropriação de terras e instrumentos de trabalho, ocorre o massacre dos povos originários (etnias indígenas) e, também, acontecem muitos conflitos envolvendo os povos tradicionais (ribeirinhos, varjeiros, quilombolas, pescadores, extrativistas), incentiva-se o fluxo migratório para cumprir as funções de mão de obra. Convivem a exploração e o "progresso", semisservidão e grande capitalismo, violência e crescimento econômico. Diante do avanço de geração de riqueza, produção e circulação do valor na Amazônia, atrelados ao moderno sistema financeiro, utilizando-se de processos violentos, sobretudo nas expropriações de terras e extermínio de indígenas. Sabe-se que As violências, tensões e conflitos relacionados à propriedade somam-se aos componentes das particularidades amazônicas. Assim, Hoje, graves problemas ambientais são intensificados com a invasão de garimpeiros, principalmente em terras indígenas, que também têm as águas poluídas com os despejos dos mercúrios, além de desmatamento e derrubadas de árvores pelas indústrias madeireiras e queimadas das florestas. # Global Journal of Human Social Science A resistência dos povos indígenas coloca em evidência a reflexão de Iamamoto (2008), quando analisa que a questão social sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem, se opõem, "expressando a consciência e a luta pelo reconhecimento dos direitos de cada um e de todos os indivíduos sociais" (p. 160). A história de massacre e extermínio na Amazônia presente no período colonial ainda se evidencia em tempos atuais, em que a resistência política que levanta a bandeira de luta de reivindicações pela Amazônia, envolve, muitas vezes, colocar em risco a própria vida, como ocorreu com os ativistas Chico Mendes, Dorothy Stang, Dom Phillips e Bruno Pereira, dentre outros que perderam a vida em defesa da Amazônia. Essa situação nos leva a refletir sobre as diversas faltas de cobertura de proteção aos povos que vivem na Amazônia, principalmente quando falamos de proteção social diante de um estado em que prevalece uma modernização conservadora acoplada ao estado neoliberal. O desmonte de políticas públicas de interesse regional atinge fortemente os povos da floresta (seringueiros, castanheiros, ribeirinhos, pescadores, caboclos, índios, dentre outros), expostos às diversas formas de violação de direitos. Teixeira (2008) analisa que os povos da floresta no espaço regional não seriam pobres, miseráveis, "excluídos", se pudessem continuar com a livre apropriação dos produtos do rio ou da floresta e de suas terras. Os trabalhadores amazônidas seriam no máximo típicos, mas não pobres. O movimento do capital na região tornou-os mais do que pobres, tornouos miseráveis. Além do movimento do capital na região, as particularidades geográficas implicadas pela extensão territorial e ainda pouco povoada em comparação às demais regiões brasileiras revela a oferta de serviços concentrados, principalmente, nas cidades. As áreas rurais e as mais longínquas ficam, geralmente, sem acesso ou com acesso limitado aos serviços básicos essenciais à vida. São locais onde o poder público não chega e as pessoas sem recursos financeiros para custear o trânsito de uma viagem permanecem desassistidas e vulneráveis, apesar da potencialidade em seus territórios. Cada município amazônico possui especificidades territoriais em seu modo de vida e na sua relação com a natureza diante da diversidade dos ecossistemas regionais, caracterizada em muitas localidades pelas terras de várzea que sofrem com as enchentes dos rios e as terras firmes. Os regimes de cheia e seca dos rios demandam várias mudanças no modo de vida dos ribeirinhos e das comunidades rurais que são atingidas pelos movimentos das águas, que rege a vida amazônica e impacta a região como um todo. Apesar do grande volume de água na Amazônia, a maioria dos ribeirinhos e moradores de comunidades rurais não dispõe de água própria para o consumo humano, muitas vezes, a água bruta sem tratamento é sua única opção, colocando a saúde em risco. Sobre a falta de acesso às políticas públicas, pode-se refletir à luz da análise de Scherer e Oliveira (2006), ao sinalizarem que a Amazônia ainda vive inúmeras contradições evidenciadas em planos de governo desenraizados da história e dos lugares, do espaço e do tempo, onde ao mesmo tempo pode-se notar o acesso às avançadas tecnologias da modernidade e a falta de acesso da grande maioria da população às necessidades sociais básicas. Diante das riquezas, das carências e das potencialidades que se apresentam em meio às particularidades regionais, sugere-se olhar para a Amazônia, para os investimentos em políticas públicas adequadas à população local e à formação qualificada de profissionais que possam debater o seu futuro e contribuir para o seu desenvolvimento com uma formação na Amazônia e para a Amazônia, a fim de enfrentar os dilemas e desafios que se projetam sobre a região frente à crise do mundo globalizado. a partir do golpe de 2016, mas, sobretudo desde o início do governo Bolsonaro em janeiro de 2019, o processo de espoliação da Amazônia é intensificado, sobretudo com o boom econômico das commodities (PINHEIRO, VALLINA, VALLINA, 2022, p. 96). dinheiro e extermínio caminharam juntos em processos de expansão da fronteira capitalista na Amazônia, com novos repertórios de violência a cada nova frente econômica (MICHELOTTI, MALHEIRO, 2020, p. 646). a violência sobre os povos originários e tradicionais que habitam a região têm sido algumas das graves e emblemáticas refrações da questão social que se apresentam na Amazônia (PINHEIRO, VALLINA, VALLINA, 2022, p. 100). A Região Amazônica caracteriza-se por dois grandes tipos de ecossistema: a terra de várzea que são as áreas baixas nas beiras dos rios, sujeitas a inundações durante o período em que os rios enchem e as terras firmes que são as áreas relativamente altas que não estão sujeitas às inundações sazonais (SCHERER, 2004, p. 2). 2005), os quais postulam que a dialética desta tríade se revela na realidade da vida cotidiana. No campo da singularidade, as determinações ainda estão obscurecidas, restritas aos objetos em si mesmos, na medida em que se visualiza a imediaticidade. Ao superar a imediaticidade e avançar para a particularidade, temos a possibilidade de vislumbrar as mediações e as determinações que incidem sobre os processos sociais. Esse movimento É na universalidade que as grandes determinações são apreendidas, considerando a formação sócio-histórica. É nesse campo que as manifestações particulares são conectadas às determinações macroestruturais. Para fazer essa passagem e captar as conexões entre universal, particular e singular, as mediações são imperiosas, porque Trazendo a tríade dialética universalidade, particularidade e singularidade para interpretar a formação sócio-histórica da sociedade brasileira e, necessariamente, a formação da Amazônia, temos a possibilidade de compreender que a Amazônia não é um simples espaço geográfico "exótico", é um complexo social, cultural, político, econômico, biológico que precisa ser captado em sua processualidade, como parte de uma totalidade. # Global Journal of Human O capitalismo desigual e dependente que se desenvolveu na Amazônia tem determinações mais amplas que são percebidas nas várias sociedades capitalistas, porém possui também particularidades que se expressam na realidade amazônica, marcada por ambientes de várzea e terra firme, povos tradicionais e originários, diferentes etnias, costumes e tradições etc. Se procurarmos entender a Amazônia sob a perspectiva da singularidade, sem a relação com a universalidade e a particularidade, esvaziamos a interpretação, porque buscaremos explicar a Amazônia por ela mesma, no nível de sua existência imediata. Com isso, a interpretação será pobre em captação de determinações. Ao fazermos a mediação, temos a possibilidade de entender a Amazônia como atravessada por elementos universais que ganham conformações singulares nesse recanto do planeta, mas que carregam em si a universalidade. Ainda que reconheçamos que a formação profissional em Serviço Social tenha no horizonte um perfil generalista, isso não significa primar apenas por debates conjunturais, internacionais e nacionais. É preciso conectar o local e o global, o regional e o nacional, o amplo e o específico, de modo que os profissionais em formação sejam conduzidos à construção de uma análise de conjuntura que lhes permita interpretar a realidade a partir de uma perspectiva de totalidade. Nesse processo, a categoria mediação contribui sobremaneira ao articular universal, particular e singular. Em pesquisa realizada com egressos de duas universidades localizadas na Amazônia, Pontes et. al. (2019) constatam que a categoria mediação confundese com a intermediação de conflitos quando, na verdade, trata-se de uma categoria intrínseca ao método materialismo histórico-dialético. O que se percebe é que, no espaço institucional, onde se realiza potencialmente o trabalho profissional, esta categoria tecnificou-se. Isto se deve à fragilidade da compreensão acerca do real sentido da mediação, que não se atém ao relacionamento entre usuário e outros profissionais. A mediação permite a apreensão das determinações mais gerais e, ainda, das manifestações mais singulares dos fenômenos sociais. A mediação é uma categoria dialética que contribui para que as demandas institucionais sejam transformadas em demandas socioprofissionais quando são despidas da pseudoconcreticidade da forma como se apresentam (em seu aspecto fenomênico) para serem compreendidas na tríade universalidade -particularidade -singularidade. Ao lançar mão da mediação, torna-se possível perceber o universal no singular e o singular no universal, mediatizados pelo particular. Uma formação profissional desenvolvida no espaço amazônico não pode ser alheia às particularidades da Amazônia, de modo a favorecer um trabalho profissional qualificado, capaz de responder às demandas dos diversos povos e etnias que habitam a Amazônia. não se trata de uma busca externa ao objeto, de nenhuma determinação transcendente ao ser; trata-se de uma captação a partir dos próprios fatos [...] A UFAM, por sua vez, tanto no campus sediado na capital Manaus quanto no campus na cidade de Parintins, não possui em seus projetos pedagógicos a disciplina raça/etnia/classe social em caráter obrigatório. Esse debate pode ou não ser incorporado de forma transversal em outras disciplinas regulares da matriz curricular, como Questão Social na Amazônia ou História da Cultura da Amazônia, a depender da afinidade do professor com este tema (NASCIMENTO et. al., 2021). A incorporação da discussão de raça/etnia/ classe social no interior da categoria profissional é tardia e as produções são incipientes. E não é pelo fato de este tema ter conseguido visibilidade na agenda do Serviço Social que ele seja diretamente incorporado no currículo de formação profissional. A pesquisa dos autores aludidos comprova que este tema, com maior envergadura voltada para a população negra, tem tido maior aceitação nos estados do sul e do sudeste do país, levando, inclusive, à reivindicação pela presença de professores negros no quadro docente da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo em 2018. Espera-se que a temática indígena tenha maior envergadura de abordagem no debate de raça/etnia/ classe social nos estados do Norte do país, haja vista que a formação profissional na região amazônica não tem dado a primazia esperada a esta discussão e nem em relação à realidade dos outros povos que compõem o cenário demográfico e social neste local do país. É importante destacar, como frisa Lima (2010), que a questão regional amazônica não é unicamente ambiental; é política, econômica e social. Desde o início do processo de colonização da região, os seus territórios têm sido saqueados e os seus povos têm sido expulsos de suas terras para a expansão de grupos econômicos, causando uma agressiva devastação da natureza, dizimação de povos originários e mazelas sociais em sua população. No tempo contemporâneo, a economia capitalista mundial deixa de ser internacional e passa a ser transnacional. Isto significa que, frente ao esgotamento das reservas naturais nos países centrais, estes buscam suprir as suas necessidades com os recursos dos países da América Latina. A face predatória do capitalismo na Amazônia tem levado ao esgotamento de suas reservas naturais com o apoio e incentivos do Estado nacional e, principalmente, desencadeado o agravamento da questão social no contexto de vida dos povos que vivem na região. O desafio à formação dos assistentes sociais na região amazônica é relacionar a problemática ambiental e suas políticas públicas específicas (LIMA, 2010). Mas, não apenas isso, se quisermos alinhar os objetivos do nosso trabalho profissional aos princípios do projeto ético-político é necessário que os assistentes sociais estejam preparados para contribuir no fortalecimento das lutas sociais dos povos que aqui existem/resistem, instrumentalizando-os para a participação social nas esferas democráticas de direito para o reconhecimento público de suas pautas políticas. O Serviço Social tem reafirmado o seu compromisso com uma formação profissional de qualidade, crítica e comprometida com os interesses das classes subalternas. Sendo as demandas da profissão provenientes da realidade social, a qual se encontra em permanente transformação, a formação profissional precisa estar sintonizada com o tempo contemporâneo. O tempo contemporâneo sinaliza as investidas avassaladoras do capitalismo na região amazônica que são sentidas pelos assistentes sociais diante de demandas advindas de novas formas destrutivas do meio ambiente, dos ataques aos povos originários e à força de trabalho. Desafia, assim, os profissionais à constante atualização teórica e a uma rigorosa análise crítica do movimento do real, sem perder de vista o compromisso ético-político e a direção social da profissão. O debate contemporâneo da formação profissional para a Amazônia deve reforçar a incorporação destas questões regionais apreendidas em suas particularidades, sob a perspectiva da totalidade, compreendendo que, embora global, o capitalismo tem formas particulares de se aprofundar e avançar de modo destrutivo na região amazônica. V. # Considerações Finais Uma formação profissional conduzida na Amazônia não pode ser alheia às particularidades da Amazônia. Pensar em Amazônia implica considerar -Year 2023 ( ) H 8 Professional Training in the Amazon and for the Amazon seus povos, a diversidade cultural, o direito à terra e ao território, por isso requer uma formação profissional que volte o olhar para a promoção de políticas públicas que alcancem as pessoas das zonas urbanas e rurais e tragam soluções para problemas ambientais, para o crescimento sustentável, para se unir à luta dos povos indígenas, bem como para novas intervenções que contribuam para o desenvolvimento social e econômico da região. Requer a compreensão das transformações societárias que impactam o mundo contemporâneo e se particularizam na região com o avanço do capitalismo a fim de maximizar os lucros, atingindo a biodiversidade, a riqueza mineral e os povos amazônicos. Este artigo chama a atenção para o conhecimento e a visibilidade das particularidades/ diversidades regionais amazônicas como uma necessidade para a formação em Serviço Social, impulsionando a interlocução acadêmica, sobretudo diante da grande inflexão histórica decorrente da mundialização do capital que se adensa na região, intensificando as expressões da questão social. Debater sobre a formação na Amazônia face aos desafios e potencialidades da região incentiva a criação de recursos humanos qualificados para defender o seu futuro. Como bem diz Benchimol (2009, p. 498), "o bom saber e o bem fazer serão instrumentos indispensáveis para a materialização desse futuro". Portanto, os modos de vida das populações que vivem na floresta, a sobrevivência das populações nativas, o desenvolvimento articulado à sustentabilidade requerem uma formação profissional comprometida e de mente aberta para receber o futuro. O diálogo sobre as diversidades/ particularidades regionais brasileiras está sinalizado nas Diretrizes Curriculares da ABEPSS de 1996, considerando as particularidades históricas no debate profissional. A discussão de raça/etnia/classe social também é visibilizada pela ABEPSS, situando a importância para a formação profissional do Serviço Social brasileiro, porém ainda há incipientes reflexões nos cursos de Serviço Social da região Amazônica. Avançar nesse debate requer situá-lo nos projetos pedagógicos e nos encontros nacionais e regionais, haja vista a necessidade de adensamento dos debates sobre as particularidades regionais que conformam a questão social no país. O Brasil apresenta um rico cenário de diversidade étnica e cultural, além de realidades sociais e econômicas diferentes, que precisam ser mais conhecidas e aprofundadas nos espaços de formação profissional. Sendo a Amazônia um espaço plural esociobiodiverso, requer um conjunto vasto e articuladode conhecimentos que permita aos profissionaisformados nas diversas áreas do conhecimento aconstrução de estratégias de trabalho que respondamàs demandas gerais e particulares dos povos quehabitam a Amazônia.Neste artigo, o foco está na formaçãoprofissional em Serviço Social na Amazônia,reconhecendo a imprescindibilidade de que asYear 2023expressões da questão social nesta região possam ser compreendidas a partir da historicidade e processualidade que se revelam na tríade categorial da universalidade, particularidade e singularidade.6Aoreferirmo-nosàtríadedialéticauniversalidade,particularidadeesingularidade,merecem destaque as contribuições de Lukács (1978),Pontes (2008) e Netto ()( HSocial Science - (2021), muitos egressos de Serviço Social formados emuniversidades públicas e privadas situadas no coraçãoda Amazônia apontam parcas discussões maisespecíficas sobre a realidade da questão social nosestados amazônicos e o conhecimento a respeito dospovos amazônidas (negros, indígenas, ribeirinhos eoutros).Nascimento et. al. (2021) asseveram que oscurrículos dos cursos de Serviço Social da UniversidadeFederal do Amazonas (UFAM) e da UniversidadeFederal do Pará (UFPA), por exemplo, não assumem a questão étnico-racial como conteúdo explicativo das desigualdades sociais, apesar da composição demográfica do Amazonas e do Pará ser predominanteYear 2023de negros e indígenas e descendentes. Segundo os7autores, somente em 2017, a disciplina proposta,denominada "Relações Étnico-Raciais no Brasil e naAmazônia", foi aprovada, mas não pôde serimplementada em razão de que a avaliação do projetopedagógico não tinha sido finalizada.e do seu automovimento, das)mediações com a dinâmica de Universalidade (PONTES, 2008,( Hp. 85).-têm a função de conduto de 'passagens' e 'conversões' entre asvárias instâncias da totalidade. Por isso, a categoria mediação éestruturante da particularidade (PONTES, 2008, p. 86). * Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social. 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