Resumo-O presente artigo discute as modificações nas relações sociais estabelecidas entre os habitantes do Citrolândia a partir de suas práticas de lazer. O trabalho é fruto de uma pesquisa de mestrado que buscou investigar o processo de produção social daquele espaço. Utilizou-se como metodologia a história oral. Foram realizadas entrevistas com moradores que lá residem há quase 60 anos, aproximadamente. As transformações nas formas de sociabilidade no Citrolândia guardam estreita relação não apenas com a crise moral e de autoridade das instituições na atualidade, mas também com o convívio ao longo da história com a discriminação. # I. Introdução s cidades, espaços referenciais nas sociedades capitalistas contemporâneas, abrigam em seus espaços pluralidades, contradições e conflitos que caracterizam a vida urbana. Essas particularidades conformam espaços que podem ser apropriados e dominados em simultaneidade, em um fluxo infinito e contraditório. O espaço urbano, multifacetado, abarca a experiência do encontro, da diferença, e dos conflitos. Nesse sentido, conforme Lefebvre (2008) nas cidades capitalistas, excludentes e desiguais, não existe realidade urbana, nem cidade como globalidade, pois estas são espaços de discriminação e segregação. A ideia de prática aqui empregada buscará enfatizar a dimensão da cultura nas relações sociais, expandindo a noção para além da visão funcionalista que a concebe como conjunto de normas, valores e atitudes, incorporando o aspecto simbólico presente no processo de constituição dessas relações (PERALTA, 2007). Tendo em vista, tal arcabouço teórico o presente texto buscará apresentar e discutir as transformações nas formas de sociabilidade dos habitantes de um lugar que se constituiu no Citrolândia a partir de suas práticas de lazer. Este lugar é estigmatizado por parte da sociedade, em função da existência anterior de um espaço destinado para isolamento e segregação de pessoas com hanseníase, a Colônia Santa Isabel. A segregação que fundamenta a instalação da Colônia Santa Isabel teve como atributo central a medida sanitária de institucionalização compulsória das pessoas que tinham hanseníase. Contudo, a ação estatal de isolamento e separação desse grupo de pessoas do restante da sociedade provocou o engendramento de um novo território no entorno que veio a se tornar o Citrolândia. A construção da Colônia pode, sob essa perspectiva, ser abordada como um símbolo da modernidade que o governo projetava para o país. Uma imagem da modernidade que reunia práticas totalitárias expressas pelo higienismo sanitário, aversão ao risco pela securitização do social, a racionalização da existência e a homogeneização dos modos de ser (MAFFESOLI, 2010). Uma modernidade que expulsou os grupos sociais mais vulneráveis do espaço visível das cidades, encerrando-os em localidades isoladas. Todavia, essas pessoas tinham vínculos com outros grupos da sociedade. Estes grupos, ao se depararem com a proibição de permanecerem juntos no hospital-colônia, buscaram se apropriar dos espaços que restavam a eles, os arredores da cidadela. O que se quer dizer com isso? Ao ocupar esse espaço simbólico no imaginário da cidade de Betim, os grupos que ocuparam a região também passaram a comportar em suas relações sociais elementos no processo de resolução de conflitos que possuem em seu cerne uma "desigualdade substantiva que percorre todo o sistema de crenças a respeito da incriminação no país" (MISSE, 2008, p. 381) articulando-se ao sentimento ampliado de insegurança na população, dando forma a um processo singular de "acumulação social da violência" (MISSE, 2008) que parece ser um fenômeno, guardadas as suas particularidades locais, que incorpora a identidade social atribuída à população que habita o Citrolândia nos dias de hoje. A violência perpassa o relato dos moradores, presença constante nos sentidos atribuídos por eles ao abordarem as transformações nas formas de A sociabilidade estabelecidas no período 1959 a 2019 (aproximadamente 60 anos de moradia no lugar). # II. PRÁTICAS DE LAZER E SOCIABILIDADE NO CITROLÂNDIA Os encontros que aconteciam entre os habitantes eram alvo de muita expectativa e representavam momentos de diversão no lugar. Alguns habitantes se envolviam na organização e execução de atividades, todavia, elas foram deixando de existir, fato lamentado pelos entrevistados. Tais práticas foram se reduzindo no cotidiano do lugar e praticamente desapareceram. Segundo alguns relatos, o recrudescimento da violência associadas às mudanças mais amplas na vida urbana encontram-se entre as possíveis explicações para o desaparecimento desses eventos que reuniam os habitantes no Citrolândia. É possível observar nas falas, uma crítica, ainda que velada, à pouca atenção que as autoridades destinavam e destinam à região. A lembrança da existência de múltiplas atividades culturais que ocorriam tanto no Citrolândia quanto na Colônia Santa Isabel está presente nos relatos e demonstra como se articulavam as relações entre os vizinhos. Tinha! Garota e garoto do Citrolândia! Gatão do Citrolândia! (gargalhadas). Tinha os concursos promovido pela Emília e pelo Corsino, que era muito bacana. Tinha um movimento bacana no bairro, sabe? Eu acho que é essa questão que eu te falei, quando começou a violência, aí foi acabando, né? Meio que uma desculpa porque as autoridades podiam colocar mais segurança ao invés de acabar com a cultura do bairro! [...] Já teve muita coisa! Teve. Teve. Tinha baile todo fim de semana do outro lado da BR, na sede da AMARIS. Tinha baile todo fim de semana, tinha muita coisa, assim, futebol, né? (F) (Entrevista realizada em julho de 2019). Nas memórias dos habitantes, estão preservadas as lembranças de uma escola de samba que desfilava na rua e levava os seus componentes para o centro da cidade na década de 1980. A escola de samba começou, é... tinham pessoas que gostavam muito de samba, como Devalci, que já faleceu, tinha o Bilé e eles resolveram então que iam fazer, arrumar essa escola de samba. Aí a gente ia, saía do serviço, chegava em casa cansada e ia lá pro outro lado da BR, que era lá que eram os ensaios. Galpão não! Era na rua mesmo! É porque era muito, era pouco transitada, até na rua onde que mora o... acho que era na Rafael Barbizan, acho que é na Rafael Barbizan. Então tinha pouco movimento naquela época. Então juntava todo mundo e ia pra lá e a gente ficava ensaiando na rua, entendeu? Eu ia mesmo pra tá ajudando a ensaiar as crianças, as coreografias, acompanhar direitinho, pra organização. Aí eu fui, eu acho que uns dois ou três anos, eu fui ajudando. É... quando foi no último ano, que teve o desfile, teve... eu não tenho muita lembrança, mas parece que teve um ano que nós ficamos em segundo lugar [...]No Centro de Betim! A gente desfilava. É. O desfile saía lá onde era a antiga barreira, na avenida Bandeirantes, lá em cima? (E) (Entrevista realizada em abril de 2019). O carnaval se constituía como momento de encontro entre diferentes e de apropriação dos mesmos espaços da cidade, que são relatados pelos moradores do Citrolândia como uma oportunidade de "fazer parte" e, quem sabe, "ser reconhecido" pelos demais moradores da cidade. Que a escola de samba do Citrolândia fazia apresentação no Centro de Betim, era uma das escolas das melhores. É... mas o Sete de setembro, por exemplo, a gente fazia, era interno né? Não participava lá. Então é... mas tinha, existia esse preconceito. Que não era pela violência na época, era por causa da hanseníase ainda (L) (Entrevista realizada em junho de 2019). A expressão "era das melhores em Betim" traduz os sentidos positivos do lugar em relação à cidade, construídos coletivamente e registrados na história e na memória de seus habitantes. A questão da violência já aparece no relato, que destaca a relação com a doença como a causa inicial para as práticas discriminatórias: "não era pela violência". O habitante do Citrolândia, ao ter a experiência de viver no lugar que é o objeto da análise, partirá de outros parâmetros para designar o espaço, não se restringindo à visão externa, mais comumente retratada: "Eu vou falar mal do bairro que eu moro? Tem problema? Eu sei que tem. Não vou falar porque é mentira. Sei. Então... mas aí o Citrolândia é violento. Me aponta um bairro de Betim que não é violento. Se você me apontar..." (C) (Entrevista realizada em abril de 2019). O morador parte, deste modo, de um discurso comparativo entre os bairros e as regiões da cidade de Betim, ao questionar-se quanto a presença da violência em relação aos demais territórios da cidade. Hoje eu fico por aqui mesmo, onde eu conheço todo mundo porque o pessoal às vezes fala pra mudar, pra sair daqui por causa de violência, por causa de, mas violência tá em todo lugar. Então aqui pelo menos aqui as pessoas me conhecem. E eu conheço as pessoas! Não. Eu acho. Eu acho que é um lugar violento. Eu acho. Hoje tá bem mais tranquilo, mas aqui já foi um lugar muito violento entendeu? Depois que veio essa tal dessa, da droga, essas coisas, muda né? Ah eu acho que foi... foi quando começou os anos 1990 que começou a ficar... aparecer mais as coisas sabe? Porque antes não. Era muita tranquilidade, saía pra estudar, chegava quase meia noite, sem medo de nada, sozinha, sabe? Sem problema nenhum! (E) (Entrevista realizada em abril de 2019). O imaginário do medo, mais do que a experiência efetiva de ser afetado por alguma prática associada à criminalidade, se robustece entre os habitantes que passam a reproduzir em seus relatos a imagem tão combatida de lugar perigoso atribuído ao Citrolândia. Ademais as mudanças nas formas de sociabilidade, que se sucederam na sociedade moderna, também impactaram nas relações entre os habitantes. A gente ia longe e assim, mas as amizades eram mais sadias. O pessoal era mais amigo. Entendeu? Era um pessoal assim que, era aquele uma coisa de roça, todo mundo vai na casa de todo mundo, todo mundo senta na porta de todo mundo. Entendeu? Hoje em dia que a gente de vez em quando senta aí fora, mas a gente tinha muito esse hábito de sentar na porta da casa, é coisa de interior né? Só que quando veio chegando, essa tal dessa, essa violência, a gente foi entrando, voltando pra dentro de casa. A gente não vai muito pra rua. Apesar que eu, hoje em dia, falo assim: a rua aqui é uma tranquilidade... Tem hora que você abre, chega na janela aqui à noite os olhos, não passa uma pessoa. É tranquilo, tranquilo! Mas...assim ficou um lugar que você não pode, não conhece todo mundo. Antes eu conhecia todas as pessoas! Todas as pessoas! Eu conhecia todas as pessoas! Ah! Com certeza! Você não conhece todo mundo. E às vezes você tá sentado aqui e eu conheço vizinho daqui e dali e passa pessoas que eu não conheço. Eu não sei quem é, o quê que eles estão pretendendo. Entendeu? (E) (Entrevista realizada em abril de 2019). O reforço de práticas individualistas na sociedade contemporânea, em que os habitantes passam a encerrar suas vidas na privacidade de seus lares, desocupando os espaços da rua, do convívio com a vizinhança, apontados pela entrevistada, demonstram que, gradualmente, os habitantes passaram a se ensimesmarem de tal maneira que "essa tal dessa, essa violência" passa a nomear toda e qualquer vivência negativa na sociabilidade construída entre os habitantes. Porque até então era só o Citrolândia, né? E isso trazia assim... uma angústia... é... eu falo pra quem tá aqui há mais tempo, que é trabalhador, que luta pra fazer as coisas da melhor forma possível, a gente fica... poxa, mas como assim? Né? E aí assim, só pra gente direcionar, eu falo assim: como eu estou e sou e tenho essa ligação com a hanseníase, essa ligação começa com duas pessoas assim muito guerreiras (L) (Entrevista realizada em junho de 2019). É notável, no relato acima, a existência de uma ambiguidade de sentidos vinculada à imagem do lugar. A relação com a doença originada pelo vínculo de parentesco com as pessoas que estavam internadas na Colônia se distingue da visão de lugar violento, presentes no retrato que a cidade construiu em torno do que seria o Citrolândia. Segundo Pollak (1992), a memória ao organizar, manter e dar continuidade ao que foi vivido, selecionando o que guardar, o que esquecer e o que recalcar demonstra que ela é um fenômeno construído e daí uma certa negociação entre a memória e a identidade social acontece por serem fenômenos que não "devem ser compreendidos como essências de uma pessoa ou de um grupo. Se é possível o confronto entre a memória individual e a memória dos outros, isso mostra que a memória e a identidade são valores disputados em conflitos sociais e intergrupais (POLLAK, 1992, p. 5). Ao tentar explicar o que pode ter contribuído para o término dessas práticas, a entrevistada aponta que o falecimento do organizador do grupo DO CARNAVAL pode estar entre as causas. Acho que é pelo fato de não ter uma pessoa, um cabeça mesmo tinha... morrido. Aí assim o pessoal esfriou. Porque é ele quem corria atrás. Ele conhecia muita gente no Rio, ele ia pra lá, ele trazia os sambas, ele levava uma proposta e já trazia o samba feito, aquele negócio todo entendeu? (E) (Entrevista realizada em abril de 2019). Para Misse (1997) o término do convívio interclasses propiciado por práticas como o carnaval de rua se encontra na raiz de um certo olhar que passa a objetalizar os pobres incorporando a imagem da criminalidade a esses grupos. Nas áreas pobres, essa objetalização está dada pela própria segregação a que estão submetidos igualmente. Mas os pobres resistem a ela, não se consideram pobres senão pela mediação da dignificação de sua pobreza. É uma espécie de « ponto de vista » essencialmente « excludente » e « superior » que parece conter esse olhar objetal, um ponto de vista que se espalhou nas áreas pobres incorporando-se à criminalidade comum ali existente. Mas o modo de produção desse olhar começou em outro lugar, começou na época que assinala o fim do populismo, das escolas e praças públicas, dos bailes e desfiles de carnaval nas ruas, das músicas de carnaval compartilhadas por todas as classes, da sociabilidade que -embora hierárquica -, mantinha as classes em convívio social (MISSE, 1997, p. 12). Para ele, a ocupação da rua, do espaço público junto com o convívio, mesmo que hierárquico, entre grupos heterogêneos, estão entre os pontos que, ao deixarem de compor as relações sociais na contemporaneidade, vêm contribuindo para a construção de um olhar que objetaliza o pobre e com isso contribui para a incriminação destes. Junto ao carnaval, outros usos da cidade e de seus espaços públicos, como a rua e os lotes vagos, eram reconhecidos pelos habitantes como espaço de trocas e práticas coletivas. Uai eles tinham, eles brincavam muito aqui nesse campo aqui, só que [...] era um espaço de terra mesmo. Tinha uma mina, muito boa, uma água muito boa [...] E os meninos brincavam, eles brincavam muito ali, era um, uma descida assim ó! E eles colocavam um papelão, um plástico, qualquer coisa assim e descia aquela meninada brincando ali pra baixo e a gente ficava doida com aqueles meninos com medo deles machucar, né? (M) (Entrevista realizada em julho de 2019). Várias brincadeiras como pega-pega, pular corda e jogar bola sobressaem nos relatos: "Brincava de roda, fazia fogueira, assava batata nas fogueiras! Batata, mandioca! É... os pais da gente, junto com a gente fazia as fogueiras e a gente ficava lá contando caso, fazendo, brincando, essas cantigas de roda" (E) (Entrevista realizada em abril de 2019). Isso. E essa escola de samba o pessoal tinha essa ligação com esse pessoal do chiqueirão 1 . Talvez essa questão da música, então tinha alguns encontros. Então assim, muita, muitos jovens naquela época iam. Era um, como se fosse, praticamente, a única diversão. Fora o futebol (L) (Entrevista realizada em junho de 2019). O futebol era um esporte de prática generalizada entre as crianças e adolescentes do lugar e representava um espaço de interação e produção de outras atividades, pois gerava a organização do concurso de garotas que eram eleitas rainhas dos campeonatos e propiciava encontros frequentes entre os múltiplos grupos ali existentes repercutindo na construção de sentidos de uma memória em comum arraigada ao lugar. Além disso, como se depreende da fala acima, o futebol era um mecanismo que possibilitava a circulação dos habitantes em outros lugares e o contato com grupos diversificados. Tal dinâmica favorecia a constituição de sentimentos de pertença e orgulho do grupo e do lugar. Pois é... Eu ...essa...eu não sei te falar. Eu, eu não sei. Porque depois desses tempos que tô aí, aí tinha a festa da MORHAN 2 , você já ouviu falar na festa da MORHAN? Aí nessas épocas sim porque enchia muito, então vinha muita gente de fora, vinha. Agora aí já não sei se já vinha no interesse da festa ou o quê que era...justamente era sobre o preconceito, né? Então mais vinha. Mas eu acredito que aqui do Centro de Betim vem, já vinha, eu acredito que sim, né? (B) (Entrevista realizada em julho de 2019). Os relatos, ao colocarem em perspectiva o que existiu e agora se apresenta fixado nas lembranças do passado, demonstram como a memória, saturada pelo atributo ético, reflete-se sobre as condutas dos indivíduos e grupos sociais (SEIXAS, 2001). Para a entrevistada, o futebol no Citrolândia tinha um aspecto glorioso no passado e o seu predomínio entre as práticas que mais reuniam os habitantes podem ser explicadas pela falta de opções de lazer no território e pela articulação dos habitantes que realizavam os eventos. Hoje, como a maior parte desses habitantes já faleceu e as práticas de lazer passaram a ocorrer em espaços fechados, como os shoppings, por exemplo, os campos se encontram, na maior parte do tempo, sem uso. Era uma coisa! Eu não sei se a questão do acesso, é... era só isso e a gente tinha que fazer do futebol, a vida, de lazer, de... O que era possível. Então assim, é... eles tentaram por muito tempo! Eu lembro de algumas pessoas assim, é... essas pessoas também acabaram morrendo, a questão de idade mesmo, algumas doenças crônicas, mas assim as pessoas tentavam de todo jeito resgatar e aí eu lembro que começou a ter muita briga, confusão então as pessoas começaram, a realmente a... Dispersando. E aí eles conseguiram resgatar um pouco, como Segunda Sem Lei 3 . Que é um time, que eles juntaram, o restante, o restinho daqui, um restinho dali, e aí juntou uns poucos e foi lá. Eles fazem alguns eventos. É? Mas eles têm um dia específico, aí eles têm esse encontro lá, que eles usam esse campo. Mas fora isso eu não vejo assim mais...(L) (Entrevista realizada em junho de 2019). A entrevistada conclui que a passagem do tempo, unida às transformações que aconteceram em todos os âmbitos da vida na contemporaneidade, impactou nas relações ali construídas que deixaram de ter a rua como espaço central, rompendo aí com as práticas coletivas tão intensamente vivas na memória quanto significativas em suas trajetórias de vida. Fig. 3: Desfile dos times de futebol realizado na década de 80 do século XX. 2 Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase -MORHAN. 3 Segunda sem Lei é um evento que um grupo de habitantes mais antigos do Citrolândia organizam uma vez ao ano para ocuparem o espaço do campo de futebol conhecido como Bilezão. Além do futebol há atividades de lazer para as famílias com pula-pula e outros equipamentos. # III. # CONCLUSÃO O Citrolândia se constituiu como o oposto da cidadela Colônia Santa Isabel ao se estabelecer e consolidar como um espaço de moradia para os familiares que não tinham hanseníase. Nesse território não havia nenhum dos elementos que integravam a paisagem urbanizada da Colônia. Ademais, os relatos demonstraram como se dava a parca atuação do Estado para além de práticas autoritárias de controle do espaço. As ações executadas pelo poder público desde o surgimento do lugar, entre 1940 e 1950, que tomaram vulto com as tentativas fracassadas de remoção dos primeiros habitantes do Citrolândia, tiveram origem na esfera federal e revelaram o caráter conservador e autoritário do governo. Essas ações de remoção, ao expressarem as práticas urbanistas vigentes naquele período, visavam o desaparecimento completo do lugar, que representava a imagem de incivilidade persistente a qual combatiam. Igualmente se aprofundaram os processos de segregação manifestados nos múltiplos projetos de expansão da mancha urbana com a implantação e incremento de novos conjuntos habitacionais, um centro de tratamento de resíduos sólidos (inaugurado em 1996 e desativado em 2011, estando em implantação no mesmo local a Usina de Reciclagem de Resíduos de Construção Civil) e de um presídio nos limites territoriais com o município de São Joaquim de Bicas. Não obstante, aponta-se como manifestações desse aprofundamento o precário investimento em políticas que oportunizem o acesso ao lazer e esporte à população ali residente, ausência de espaços públicos como praças, além da inexistência de fomento às práticas culturais que eram tradicionais, como o desfile de escola de samba e os campeonatos de futebol que contribuíam para o enraizamento das relações no lugar. A antiga dinâmica da segregação composta pelos vestígios da desconfiança de que os habitantes pudessem portar a doença (hanseníase) confinada ao espaço vizinho da Colônia, agregada à distância social, geográfica e econômica da cidade de Betim, combinou-se com as práticas atuais que convertem a forma como o lugar é reconhecido na cidade deixando de ser um espaço de moradia para "filho de leproso" para tornar-se um lugar "perigoso", onde as pessoas estão envolvidas em práticas criminosas. Ao incorporar esta imagem de "periculosidade" ao "caráter" das relações entre seus habitantes e o lugar, tem-se uma identidade social que ultrapassa a ideia do estigma, segundo a perspectiva clássica de Goffman (1974) porque além do rótulo e da discriminação, efetiva-se uma prática de objetalização (MISSE, 1997) que anula a humanidade de seus habitantes e aprofunda o reconhecimento do Citrolândia pela falta moral, como o espaço que resta para aqueles que são identificados como cidadãos de última categoria no tecido social hierarquicamente estabelecido. O convívio histórico da população com práticas de violência simbólica, experimentadas ao longo do tempo em consequência do tratamento discriminatório dispensado aos habitantes, tanto pelo estado, que, num primeiro momento na implementação de políticas de saúde pública que impunham a segregação das pessoas, e, num segundo momento, ignorar a necessidade de prover espaços com infeaestrutura e equipamentos públicos de qualidade. A violência imposta por grande parte dos moradores de Betim pode ser observada por meio dos relatos que se percebem duplamente estigmatizados, em função da doença ou da criminalidade. Nesse sentido, as transformações nas formas de sociabilidade no bairro guardam estreita relação não apenas com a crise moral e de autoridade das instituições na atualidade, mas também com o convívio ao longo da história com a discriminação. 1![Fig. 1: Concurso Garota Citrolândia realizado na década de 80 do século XX Assim, alguns grupos se dirigiam ao espaço da Colônia Santa Isabel, onde havia o fomento de espaços para diversão que não se limitavam ao futebol. Nada mesmo. Né? A não ser a reunião mesmo no campo, que era aberto. Aberto era isso. Depois de um certo tempo eles começaram a ter algumas coisas, mas lá na Colônia, que era na pracinha do Coreto. Não era aqui. Então a gente descia muito, né? [...] Só que eu descia pra Colônia porque o pessoal, os jovens, tinham mania de reunir lá, às vezes tinha um sonzinho, alguma coisa, naquele coretozinho e ficava ali conversando. Tinha uns bares, barzinhos (L) (Entrevista realizada em junho de 2019).](image-2.png "Fig. 1 :") ![E a única diversão que nós tínhamos era o futebol. Televisão não tinha naquela época, praticamente. Então, nós queria jogar bola, então, todo mundo ia dormir cedo [...] O futebol... pra nós foi muito importante como eu te falei. Tinha as rainha, princesa, time de futebol todo mundo uniformizado, charanga, o campo ficava cheio de pessoas [...] E aí tinha os torneios, os campeonatos. Nós fomos crescendo, jogamos no Rio, jogamos em São Paulo, várias cidades. Viajávamos! Fora também. Ubá tem colônia. Em Jacarepaguá no Rio tem colônia e Três Corações tem colônia [...] A gente foi em Pará de Minas, é... Itaúna, Igarapé, Itaguara (C) (Entrevista realizada em abril de 2019).](image-3.png "") 2![Fig. 2: Time de futebol na década de 60 do século XX](image-4.png "Fig. 2 :") * A gestão urbana do medo e da insegurança SAdorno 1996 São Paulo * Fontes orais. Histórias dentro da história VerenaAlberti PINSKY, Carla. Fontes históricas São Paulo Contexto 2008 * AnaCarlos Fani Alessandri A condição espacial. 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