# I. Introdução m 3 de outubro de 1930 despontou no Brasil um movimento armado que depôs o presidente Whashigton Luís Pereira de Sousa (1869-1957), pondo fim à Primeira República, inaugurada em 15 de novembro de 1889. O Golpe desferido por militares, ao lado de segmentos políticos e civis, passou à História como Revolução de 1930 e, se no conjunto resulta das crises que tiveram lugar no Brasil durante toda a década de 1920 (FERREIRA: 1980), pode-se afirmar que as tramas em torno da sucessão presidencial a partir de 1929, cujo candidato a vice-presidente era um baiano, podem ser lidas como uma de suas principais causas. Na Bahia, a campanha em favor da Aliança Liberal, agremiação partidária que defendia um nome de oposição ao governo constituído, foi intensificada no mês que antecedeu às eleições, março de 1930. Os primeiros discursos foram realizados em Salvador, capital do estado, entre os dias 5 e 6 de fevereiro. O tempo demasiadamente curto para realizar comícios em todos os municípios levou a uma divisão em caravanas, com o objetivo de percorrer, ao menos, as principais regiões (BATISTA: 2018). A campanha da Aliança Liberal não surtiu efeito e como esperado, o situacionismo venceu as eleições nas urnas, elegendo o candidato baiano Vital Soares (1874-1933) ao cargo de vice-presidência do Brasil. Porém, indiferente aos resultados eleitorais, segmentos militares, políticos e civis continuaram conspirando contra o governo constituído. No âmbito militar, assumiu a liderança da conspiração na Bahia o tenente Joaquim Ribeiro Monteiro, que era sergipano, mas estava àquela época servindo no 19º Batalhão de Caçadores, em Salvador. As instruções de Juarez Távora, militar responsável pelo levante no norte do país, chegavam através de contatos telegráficos e do médico Eduardo Bizarria Mamede que viajava regularmente à Paraíba para colher informações (TAVARES: 2008, 381-382). De fevereiro a maio de 1930, os contatos foram recorrentes e nas missivas enviadas ao líder do movimento na Bahia, Juarez Távora passava as instruções para o sucesso do movimento, especialmente as que objetivam colocar o controle das vias de comunicação sob a responsabilidade dos conspiradores. A Bahia era ponto estratégico tanto para os revolucionários quanto para o governo central, pois ligava os estados do norte (atual nordeste) aos do centro-sul, ligação esta fundamental para que o movimento ou a sua contenção tivessem sucesso. Nesse estado, o movimento revolucionário foi organizado em três eixos, o primeiro, sob orientação de Juarez Távora, que envolvia principalmente os militares; o segundo, sob orientação e apoio de conspiradores da capital do país, Rio de Janeiro, envolvendo principalmente civis, alguns em contato com agremiações políticas; o terceiro, sob controle das oligarquias baianas do interior e apoio do governador de Minas Gerais, com o envolvimento dos coronéis em dissidência com o governo da Bahia (BATISTA, 2018; BATISTA, 2020). Com a vitória da Revolução, em 24 de outubro de 1930, a recomposição dos poderes haveria de conciliar essas três forças. Este artigo ocupa-se em analisar esse processo à luz da centralização de poder que teve lugar a partir da nomeação de Getúlio Vargas ao executivo, bem como considerando o lugar da Bahia no chamado Bloco do Norte, base de sustentação do novo regime, sobretudo nos primeiros anos do governo provisório e discricionário que se estendeu de novembro de 1930 a julho de 1934. # II. A Vitória DA Revolução DE 1930 E A Crise Política NA Bahia O movimento revolucionário de 1930 criou no Brasil uma intensa crise política, envolvendo disputas oligárquicas entre os estados e dentro dos estados (WEFFORT: 1980). A questão da constituição do poder foi uma das mais difíceis tarefas do pós-revolução, tendo em vista a crise de hegemonia no país, ou seja, a ausência de uma classe social que fosse ao mesmo tempo dirigente dos seus aliados e dominante dos seus adversários. Para Gramsci, a inexistência do equilíbrio entre a força e consenso, situação própria de um momento de crise de autoridade cria condições para "soluções de forças", e abre-se "à atividade de potências ocultas representadas pelos homens providenciais e carismáticos" (GRAMSCI: 2007, 60). Isso explica, em relação ao Brasil, a condução de Getúlio Vargas ao poder, em 3 de novembro de 1930. Na Bahia, depois de intensos conflitos de direção política vivenciados no primeiro ano após a Revolução, com as nomeações de Leopoldo do Amaral e Artur Neiva, dois civis, a nomeação do então tenente Juraci Magalhães, conferiu relativa estabilidade à política do estado e definiu os contornos do novo regime de governo que seria implantado no Brasil. De caráter provisório, os interventores federais que viessem a ser nomeados para o estado deveriam dar continuidade à campanha revolucionária. Ainda que não houvesse um projeto definido para todo o país, desde os primeiros momentos de conspiração, as instruções repassadas pelos militares orientavam no sentido de que, vencida a batalha, era preciso obter o controle das redes de comunicação, o levantamento de fundos através de uma caixa revolucionário, a aquisição de empréstimos e material bélico, a organização de milícias para garantir a ordem das famílias sertanejas e a distribuição de boletins e panfletos que fizessem propaganda positiva do governo, concitando a população a colaborar com a causa revolucionária. 1 O esboço do programa revolucionário estampado nas cartas de militares revela as ações de uma administração breve. Embora fosse acordo entre eles que uma ditadura seria necessária para se fazer a transição entre governos constitucionais no país, não se sabia, exatamente, como conduzir o processo. Dulce Chaves Pandolfi chama a atenção para este embate. Segundo ela, uma das principais divergências na pósrevolução era sobre o tempo de duração do governo provisório. Divididos entre o retorno imediato à Democracia e à adoção de um regime de governo forte que promovesse as reformas sociais antes de se adotar a ordem democrática, de um lado tenentes e seus aliados e, de outro, "oligarcas dissidentes" alimentavam profundas divergências. Segundo Pandolfi, para a maioria dos estados do norte, pelo papel de pouca representatividade exercido na Primeira República, o projeto dos tenentes soava mais palatável, tendo em vista que significava recuperar os espaços perdidos para os estados do centro-sul nos anos anteriores (PANDOLFI: 2013, 17-18). No Rio de Janeiro, a Junta Governativa que assumiu o comando do país, no dia 24 de outubro de 1930, fez divulgar na mesma data as primeiras medidas do novo governo. A dissolução dos congressos federal e estaduais era a de maior vulto. Anunciavam, porém, que a nova Constituição deveria ser promulgada em breve, após convocação de um novo Congresso constituído por doze representantes de cada Estado e dos Territórios do Acre e Distrito Federal, que passariam também a Estado. 2 Conforme afirmou Gramsci, nessas situações de crise, a classe dirigente tradicional se recompõe com maior rapidez. A unificação dos membros de muitos partidos sob uma única bandeira é um fenômeno "orgânico e normal" nessas ocasiões, porém, quando a crise não encontra essa solução orgânica, exige-se, por força do equilíbrio estático e da imaturidade das forças progressistas, a submissão de todas as forças a um chefe carismático. A posse de Getúlio Vargas como chefe da nação, no dia 3 de Apesar do anúncio, aos poucos foi sendo afastada a perspectiva de retorno ao regime republicano constitucional divulgada nos primeiros dias da vitória. Os confrontos de ideias entre os revolucionários em relação ao regime constitucional, a descrença nos legisladores e na capacidade de escolha do povo, entre outras razões, selaram a instituição de um governo provisório com poderes discricionários. 2 As outras medidas adotadas pela Junta Governativa foram: revisão de julgamentos dos atos administrativos dos últimos seis meses; organização de um Congresso para revisão da Constituição Federal; uniformização das leis federal, estaduais e municipais; revisão e uniformização dos quadros dos funcionários civis e militares; equiparação dos vencimentos e regularização do serviço militar; voto secreto; instrução primária e profissional obrigatórias; federalização da justiça e instrução pública; uniformização dos vencimentos e montepio dos funcionários públicos federais e estaduais, civis e militares; novas atribuições militares de terra e mar; revisão do quadro de aposentados, compulsados, reformados, civis e militares; estado e solução da questão religiosa; limitação e determinação da importação e exportação dos produtos nacionais; uniformização das leis dos impostos em todo país; estudo e determinação da alienação de terras para estrangeiros, imigração e naturalização e igualdade de representações dos estados, no Congresso Nacional. Cf.: OS PRIMEIROS ATOS DA JUNTA GOVERNATIVA. Diário de Notícias. 25 de outubro de 1930. Salvador Bahia-Brasil (1930-1933) novembro de 1930 pode ser tomado como exemplo dessa situação de crise no Brasil dos anos trinta (GRAMSCI: 2007, 61). Se há uma crise de hegemonia e os grupos dominantes precisam recompor a sua direção, a ascensão de uma figura cativante como Getúlio Vargas era mais que oportuna, era necessária. Na Bahia reproduziam-se as incertezas vivenciadas em todo país. Momentos após a vitória, as rédeas do estado foram assumidas interinamente pelo comandante Ataliba Osório, que ainda em Alagoinhas, na tarde de 24 de outubro, após comunicação da deposição do então presidente Washington Luís, tomou posse do governo no estado, falando à população no prédio do Centro Operário (BARROS: 1979, 206). Sua gestão foi breve. Assim que chegou a capital, no dia 26 de outubro, Juarez Távora tratou de consultar entre as "classes representantes da Bahia", um nome para assumir a direção política e administrativa do estado, derivando dessa consulta o nome do engenheiro aliancista Leopoldo Amaral. Entre as ações do primeiro interventor na Bahia, destacaram-se o desarmamento dos coronéis do interior, inclusive daqueles que apoiaram e contribuíram para o sucesso da Revolução. Se por um lado a recolhida das armas enfraqueceu militarmente os coronéis, por outro, marcou a inserção das lideranças políticas do interior na fase de centralização autoritária e burocrática da sociedade política. A partir de então, verifica-se um investimento maior na política partidária e na luta parlamentar por parte desses grupos. Para algumas regiões do interior da Bahia, como o baixo médio São Francisco, A Revolução de 1930 restabeleceu antigas lideranças e consagrou o modus operandi dos coronéis que continuaram sendo chefes locais e base de sustentação do governo (MELO: 1989, 101-110). No entanto, a centralização do poder após a Revolução de 1930 não passava apenas pelo desarmamento dos coronéis no interior dos estados. Exigiam-se também profundas modificações nas instituições que davam sustentação ao poder. Assim, vitorioso o movimento revolucionário, foram presos na capital da Bahia um numeroso grupo de potenciais opositores ao novo regime, outros foram exilados. Desse modo, tentava-se coordenar as mudanças no executivo estadual, o desarmamento do sertão e as substituições de dirigentes nos municípios da capital e do interior. Além das pressões advindas das oligarquias, o governo provisório foi marcado ao mesmo tempo pela sensibilidade às pressões populares e manipulação de suas aspirações. Após a Revolução de 1930, a pressão popular sobre as estruturas do Estado tornou-se elemento central do processo político, segundo Weffort (1980) pelo menos no sentido de que as formas de aquisição ou de preservação do poder estariam cada vez mais impregnadas da presença popular, a partir de então. Na Bahia também havia forte pressão popular, especialmente de segmentos de trabalhadores que reivindicavam participação na vitória de outubro de 1930. Como bem observou Boris Fausto, apoiado nas teses de Francisco Weffort, nascia um "Estado de compromisso" característico não de uma revolução no sentido de ruptura, mas de Bahia-Brasil (1930-1933) sustentação política no interior do estado (BATISTA: 2018). A essa altura, muitos coronéis já haviam sido "reinvestidos nas chefias dos seus respectivos redutos". Conforme destacou Wilson Lins, eram homens que "haviam deitado raízes no chão fecundo da afeição popular, em suas comunidades", razão pela qual foram "aproveitados" pelo tenente (LINS: 1979, 20). Desse modo, no início do ano de 1932, quando já estavam fortes as discussões em torno da reconstitucionalização do país, Juraci Magalhães saberia usar em seu favor esse contingente significativo de chefes políticos. A recomposição partidária foi interrompida pela Revolução Constitucionalista de São Paulo, movimento contrarrevolucionário dominado somente em outubro de 1932. Vencidos em seus propósitos quanto à reconstitucionalização, após a luta armada paulista, esses interventores precisaram redefinir as suas bandeiras, tendo em vista que apesar da vitória do governo, mantiveram-se as previsões do Código Eleitoral, promulgado em fevereiro daquele ano, que estabelecia a realização de eleições para a Assembleia Constituinte para o ano de 1933. Esse momento colocava-se para o governo provisório e seus interventores como cruciais, visto que a manutenção do programa revolucionário passaria a depender da vitória nas urnas. Do discurso em favor da ditadura, os interventores passaram à organização de partidos em seus respectivos estados bem como se esforçaram para reproduzir ao nível local as diretrizes tomadas para o conjunto deles, pois a reconstitucionalização não poderia ser vista como empecilho para a permanência das ideias revolucionárias. Finda-se, portanto, a postura de "neutralidade política" defendida por parte dos militares, pois, conforme avaliação feita pelo tenente Juarez Távora, diante da transformação da conjuntura, "o absenteísmo político dominante no período anterior não mais se justificava, tendo que ser substituído por uma conduta de interferência efetiva nos mecanismos político-partidários" (PANDOLFI: 1980, 361). Desse modo, não podendo mais se posicionar em favor de uma ditadura, a campanha pelas futuras eleições foi feita pelo governo provisório e seus partidários com forte carga negativa. Criticavam-se os políticos profissionais depostos em 1930, o personalismo político e a fragilidade das facções e adotava-se "como norma política do estado apenas a competência e a honestidade", slogan fortemente propalado pelo Congresso Revolucionário, realizado em novembro de 1932, e do qual Juraci Magalhães, então interventor federal na Bahia, participou. À medida que enfeixavam forças para resistir às investidas políticas do eixo centro/sul do país, os estados do norte e nordeste do Brasil cumpriam um importante papel de fortalecimento do governo provisório, pois em sua maioria eram dirigidos por interventores que não queriam a convocação da Assembleia Constituinte. Vencidos em seus propósitos, esses interventores se viram obrigados a redefinir as suas posturas e entraram na disputa política utilizandose de todas as ferramentas de que podiam dispor para garantir nas urnas a vitória da revolução, seriamente abalada pela Revolução Constitucionalista de São Paulo, no ano de 1932. À Bahia coube um importante papel nesse enfrentamento. De acordo com Dulce Pandolfi, a criação do Bloco do Norte está diretamente relacionada à condição desses estados no decorrer da Primeira República. Os grandes produtores de açúcar que assumiram papel de destaque no período imperial enfrentaram uma crise aguda de produção e foram gradativamente substituídos no cenário político e econômico nacional por cafeicultores paulistas e mineiros (1980: 341-372). Com a política dos governadores adotada no início do século XX por Campos Sales, assentada no compromisso entre o poder central e os estados, o norte era cada vez mais alijado do centro das decisões políticas e divisão das benesses do Estado, pois era cada vez menor o seu poder de barganha frente às unidades federadas do eixo centro/sul. Desse modo, o norte assumiu ao longo de toda a Primeira República, uma postura crítica aos sucessivos governos e isso lhe rendia ainda mais Bahia-Brasil (1930-1933) desgaste econômico e enfraquecimento político, situação agravada pela crise nos anos finais da década de 1920. Entre outras, essa foi uma das razões pela qual a revolução de 1930 teve forte impacto na região. Ao analisar as causas da Revolução de 1930, Barbosa Lima Sobrinho deu atenção especial à questão regionalista. Para ele, o desequilíbrio entre os estados com a força excessiva de uns ameaçando absorver os demais, figura como fator explicativo da crise política e econômica de 1929 e como lastro do movimento aliancista e revolucionário de 1930 (LIMA SOBRINHO: 1975). Neste cenário, vitorioso o movimento armado, o norte do Brasil passou a ocupar um lugar importante para o governo revolucionário. Além do apoio popular após a revolução, não havia aqui a presença de forte máquina partidária como ocorria nos estados do centro/sul, pois a política era feita em torno de homens e não de ideias, como diria mais tarde Juraci Magalhães. 4 Até o final de 1931, o Norte já havia se constituído em um reduto do tenentismo e cumpria o importante papel de fortalecer o governo provisório, sobretudo no que diz respeito à neutralização das forças que lhes eram contrárias nos estados do Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais. Em troca desse apoio, Vargas precisava fazer algumas concessões, muitas delas relacionadas à construção de obras públicas como escolas, açudes e estradas, o combate à seca e o incentivo à agricultura, com a Os estados do norte constituíram-se, portanto, em espaço privilegiado para a implementação das medidas saneadoras propostas pela Revolução de 1930. A despeito de não existir um sistema partidário forte e de estar organizada em torno das oligarquias locais, a política dessa região do país exigiria do governo provisório a adoção de determinadas medidas. A criação da Delegacia do Norte chefiada pelo militar Juarez Távora foi a primeira delas. Caberia, além dela, a adoção de determinado tipo de interventoria. Em sua maioria, os estados do norte foram governados por militares estranhos à política local. Diferente dos interventores civis que possuíam relações umbilicais com as classes dominantes das diferentes regiões, os militares não deviam a esses grupos a sua manutenção no poder, sendo esta de total responsabilidade do chefe do governo provisório. Assim, supunha-se que eles seriam "politicamente neutros", o que permitiria executar o programa revolucionário com maior facilidade (PANDOLFI, 1980, 346). valorização da produção a partir do fortalecimento dos Institutos, a exemplo do Instituto do Cacau e a criação de Fazendas Modelo, a exemplo da Fazenda Modelo de Citricultura de Alagoinhas. Ao lado das reivindicações econômicas, os estados formadores do Bloco do Norte estavam alinhados quanto às tarefas políticas, entre elas e a principal era o sistemático combate à convocação da Assembleia Nacional Constituinte. Para os militares à frente da região, o país ainda não estava pronto para voltar ao regime de representação política, pois a Revolução não havia concluído o trabalho de saneamento proposto em 1930. Conforme assegurou Dulce Pandolfi, os interventores nortistas eram portadores de uma bandeira nitidamente autoritária, "que adiavam e subordinavam à participação política da população e, portanto, o exercício da prática democrática às futuras reformas administrativas" (1980: 350). A Bahia assumiu uma posição específica junto ao Bloco do Norte, pois parte da oligarquia do estado sempre manteve diante da Revolução um foco de resistência, ainda que ela fosse, em alguns momentos, pequena e facilmente desarticulada. Conforme destacamos, nos primeiros meses após a Revolução, foram recorrentes os descontentamentos em torno das medidas saneadoras dos interventores Leopoldo Amaral e Artur Neiva. A nomeação de Juraci Magalhães tinha por objetivo neutralizar essas forças, mas não deixava de ser uma tentativa do governo provisório de atender às reivindicações de grupos descontentes. Se a prática política e administrativa do interventor-tenente promoveu uma maior penetração da Revolução em todo o estado da Bahia foi porque logo cedo ele aprendeu a se reconciliar com as forças políticas locais, parte delas, contrárias à Revolução, a outra, organizada em coligações. Juraci Magalhães era um atuante membro do Bloco do Norte. Defendia a manutenção do governo discricionário ao lado dos companheiros militares dos estados vizinhos. A partir de 1931, já buscava assentar as bases no estado da Bahia para criação de um Partido Nacional a serviço da Revolução. Assim, embora fosse contra a reconstitucionalização do país naquele momento, por achar que a Revolução ainda não tinha cumprido o seu papel de sanear as "práticas políticas imorais" da República deposta -conforme afirmou em carta a Getúlio Vargas -tão logo a Revolução constitucionalista teve fim e a Comissão de elaboração do anteprojeto constitucional foi reabilitada, não encontrou dificuldades para organizar um Partido que pudesse garantir a manutenção dos ideais revolucionários. Em carta endereçada a Getúlio Vargas, no final de janeiro de 1933, Juraci Magalhães relatou ao Segundo Consuelo Sampaio, a estratégia adotada por Juraci Magalhães para a fundação do partido oficial na Bahia foi marcada pelos princípios básicos da política dos governadores, "compensando a adesão dos coronéis, com a concessão de benesses e favores que o poder lhe permitia" (SAMPAIO: 1992, 92-93). Dulci Pandolfi também identificou a interventoria de Juraci Magalhães como aquela, entre as demais dos estados do norte, que mais se distanciou dos princípios revolucionários tenentistas e justificou essa conciliação com os setores oligárquicos baianos por ser este o estado onde esse setor tinha mais força política, mesmo depois do desarmamento levado a cabo logo após a Revolução (1980:354). Houve, de parte de Juraci Magalhães, um empenho em dividir o estado em amplas coligações. A fundação do Partido Social Democrático-PSD, agremiação oficial do governo constituído, estava fixada sobre as bases de alianças com os coronéis do interior, numa relação em que pela primeira vez no estado da Bahia, um partido era estruturado a partir dos municípios. A iniciativa em dividir-se em pequenos agrupamentos parece ter partido dos próprios coronéis do interior do estado (LINS: 1979). Juraci Magalhães soube tirar proveito dessas divisões, porém, apesar da sua atuação coordenadora, quaisquer análise dessa recomposição de poderes na Bahia, no ano de 1933, não pode perder de vista a capacidade de articulação desse grupo. As seis Coligações, das quais se destacaram a Coligação Sertaneja (região São Francisco), União dos Municípios do Nordeste Baiano (UMNB), com sede em Alagoinhas e Associação Social e Política Municipal (ASPAM), com sede em Juazeiro, no norte do estado, converteram-se em instrumentos de ordenação política formalizada entre coronéis e lideranças políticas locais. Tinham o poder de arbitrar dissensões partidárias e pessoais e se constituíam, formalmente, como órgão deliberativo para questões territoriais entre municípios, chegando a outorgarem-se funções de intervenção no desenvolvimento econômico e social (MELO: 1989, 96-107). Além das funções administrativas, as Coligações estavam incumbidas de intensificar o alistamento eleitoral e desenvolver forte propaganda em favor da educação cívica e política do povo, leia-se, propaganda em favor do governo. Ademais, poderiam indicar os seus candidatos a cargos efetivos, cuidando para que o sufrágio popular recaísse sempre sobre indivíduos que defendiam os interesses ditos revolucionários. O alinhamento dos coronéis do interior a Juraci Magalhães se justifica também pelas características do sistema de governo centralizador adotado após a Revolução de 1930. Na Primeira Republica a máquina política estava enraizada nos municípios. Eram eles que alimentavam o sistema de compromisso entre estado e união. À Revolução cabia o desmonte dessa máquina. Além do desarmamento das oligarquias locais, adotouse uma legislação na qual os prefeitos passaram todos a ser nomeados e assistidos por um Conselho Consultivo. Além disso, estabeleceu-se "um sistema de recursos que subia do prefeito ao interventor e deste ao chefe do governo nacional" retirando a autonomia do município (LEAL: 2012, 94). Documentos localizados no Centro de Documentação Contemporânea do Brasil -CPDOC/FGV revelam os esboços do modelo de Estado que poderia a ser constituído no Brasil na década de 1930. A imagem revela, com nitidez, essa relação de dependência entre União, Estado e Municípios: Volume XXI Issue II Version I Dentro desse novo modelo, o alinhamento com o interventor federal no estado era a única maneira de lideranças políticas do interior conseguirem melhorias para os seus respectivos redutos, uma vez que as arrecadações municipais eram ínfimas. No entanto, é preciso destacar que a emergência de um Estado forte esteve intimamente relacionada a um jogo de poder e a sua consolidação não foi imediata. No pós 1930, o Estado ficou representado por diferentes grupos sociais, o que significava que assentava-se num equilíbrio de forças contraditórias visivelmente insustentável, da qual surgiu o moderno Estado de Compromisso (WEFFORT: 1980, 44). No bojo das (re)conciliações, o processo de centralização política que esvaziava, em parte, o poder de determinadas oligarquias, destruindo as suas manifestações de autonomia, operava-se com a ajuda desse mesmo poder oligárquico, tendo em vista os benefícios das cisões que dividem internamente as elites regionais e que as levam a competir pelos favores do Estado. Essa predisposição aos acordos seria habilmente utilizada pelo poder central, no caso da Bahia, por Juraci Magalhães e permitiu-lhe substituir as velhas máquinas oligárquicas por outras mais permeáveis aos novos objetivos nacionais, que atendia a uma estratégia global de centralização política (CAMARGO: 1983,15). Por outro lado, os acordos não poderiam prescindir do papel que os municípios deveriam assumir enquanto unidade política e administrativa do país. A autonomia dos municípios foi um dos pontos que mais suscitou debate pela Comissão do Itamaraty, como ficou conhecida a Comissão que elaborou o anteprojeto da Constituição promulgada em 1934. Ao final das reuniões, o anteprojeto constitucional sugeria que o Estado se constituísse em regiões autônomas, a partir da reunião de um grupo de municípios contíguos, unidos pelos mesmos interesses econômicos (POLETTI: 2012, 77). O fato é que até 1930, o interior da Bahia estava quase que totalmente desassistido pelos governos passados e somente na relação com o governo constituído teria condições para reabilitar-se. Percebendo essa carência, Juraci Magalhães buscava manter uma relação com esses chefes políticos em torno de coisas concretas. Além de reinseri-los no jogo político-partidário, pois a eles caberiam a indicação de dois terços dos candidatos do partido, e de realizar obras de interesse de seus municípios como criação de escolas, construção de pontes e estradas e fornecimento de energia elétrica, Juraci Magalhães cedeu às elites políticas locais, a prerrogativa para a indicação de funcionários federais, estaduais e municipais para atuar no âmbito dos municípios que conduziam, completando, no campo administrativo, a centralização de poder pleiteada pelos vitoriosos de 1930. IV. # Conclusão Marcados por uma forte crise de hegemonia que abateu todo o país, os revolucionários de 1930 se viram, de imediato, na necessidade de estabelecer conciliações com vistas à pacificação das forças políticas. Na Bahia, nesse processo de conciliação e acomodação, muitos grupos não foram contemplados. Os rearranjos levaram a muitos conflitos, especialmente nos primeiros meses do novo poder constituído, durante as interventorias de Leopoldo Afrânio Bastos do Amaral (novembro de 1930 a fevereiro de 1931) e Artur Neiva (fevereiro a julho de 1931), indicados por Getúlio Vargas para governarem a Bahia. Rejeitados em bloco ou em parte por segmentos da oligarquia do estado, o rápido afastamento desses dois interventores civis sinalizava a crise de autoridade política e a ausência de lideranças capazes de submeter as demais à sua direção e ao projeto centralizador do governo provisório. Nessas circunstâncias, nomeou-se o cearense Juraci Magalhães para interventor no estado da Bahia. A escolha por um jovem tenente, com apenas vinte e seis anos de idade e sete meses de experiência administrativa, demonstrava que Getúlio Vargas buscava o consenso político pela indicação de um homem alheio às tramas políticas locais. Na prática, isso significava dizer que o governo provisório buscava outras bases de sustentação e esse novo arranjo poderia até comportar as conformações políticas vigentes na Primeira República, mas não seria definido por elas. A atuação de Juraci Magalhães, nesse sentido, foi inconteste. Não se trataram apenas de simples conciliações com os mandatários locais. Juraci Magalhães se conduziu por estratégias que resultaram em sólido apoio político e desde os primeiros meses à frente da interventoria, buscou reorganizar a política regional com base no afastamento dos tradicionais grupos políticos dos postos de administração e acolhimento de outros. A principal base de apoio ao governo provisório veio do interior, principalmente dos coronéis que se reuniram em torno de coligações regionais e lastrearam a formação do Partido Social Democrático, no ano 1933. A fórmula para a criação do PSD ainda era regionalizada, ou seja, estruturada a partir dos diretórios locais, mas o partido passou a representar o estado da Bahia e não mais candidaturas individuais como era prática na República deposta. Como resultado das orientações que surgiram no bojo da criação do Bloco do Norte, toda a campanha para reconstitucionalização do país foi realizada em torno da figura do interventor e esse assumia o papel de representante do governo provisório. Desse modo, a influência dos mandatários locais -antes pautada pela ausência do Estado, Bahia-Brasil (1930-1933) ![Revolução De 1930 E O Processo De Centralização Política Na](image-2.png "FA") ![Revolução De 1930 E O Processo De Centralização Política NaBahia-Brasil (1930-1933) governo provisório acerca dos passos que foram dados para a fundação do PSD na Bahia.5 5 CPDOC. Carta de Juraci Magalhães a Getúlio Vargas. 31.01.1933. Classificação: GV c 1933.01.31/1.](image-3.png "FA") ![Revolução De 1930 E O Processo De Centralização Política NaBahia-Brasil (1930-1933) ](image-4.png "FA") 9101112![Figura 9: Programa Revolucionário -Organização do Município. CPDOC/FGV. AN30/32.00.00 C](image-5.png "Figura 9 :Figura 10 :FAFigura 11 :FAFigura 12 :FA") A Revolução De 1930 E O Processo De Centralização Política NaYear 20212Volume XXI Issue II Version I)( -Global Journal of Human Social Science F 3cit. p. 26-27; A REPERCUSSÃO DOS FATOS NA BAHIA. Diário de Notícias. 26.10.1930. Salvador. APEB. Ano LV, n. 8029. A Revolução De 1930 E O Processo De Centralização Política NaYear 20213Em depoimento, Juraci Magalhães esclareceu que na Bahia, assim como nos demais estados "era preciso alguém das forças armadas que tivesse mais prestígio, para manter a ordem e conter os movimentos de indisciplina que estavam ocorrendo" (MAGALHÃES: 1972, 72). Juraci Magalhães chegou à Bahia um pouco antes de a Revolução de Outubro completar um ano. Um jovem de 26 anos, com apenas sete meses de experiência em serviços administrativos, adquirida como auxiliar de Juarez Távora na sua tarefa de organização política, administrativa e social dos estados do Norte, o cearense que comandou uma das brigadas que invadiu a Bahia no ano anterior chegava ao Porto de Salvador, no dia 19 de setembro de 1931, para representar o governo federal no estado e tentar encerrar uma etapa conturbada do processo revolucionário da Bahia: a interventoria de civis. Ainda que compartilhasse com as ideias dos demais interventores dos estados vizinhos que haviam recentemente criado o Volume XXI Issue II Version I ) ( -Global Journal of Human Social Science F A Revolução De 1930 E O Processo De Centralização Política NaYear 2021 Year 202110 12Volume XXI Issue II Version I) )( Global Journal of Human Social Science -F ( -Global Journal of Human Social Science F Carta de Juarez Távora ao tenente Joaquim Monteiro. 24.5.1930. In: DA SILVA, José Calasans. A Revolução de 1930 na Bahia.op. cit. p. 24-25. © 2021 Global Journals Essa afirmativa apareceu em diferentes obras de Juraci Magalhães, mas a observação data do ano de 1931 e foi registrada nas cartas que o interventor federal no estado da Bahia endereçou ao governo provisório. O conjunto dessas missivas está disponível no CPDOC em ambos os arquivos pessoais. * A Bahia para os baianos: acomodação e reação política ao governo de Getúlio Vargas (1930-1937). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História ElianaBatista Evangelista 2018 Universidade Federal da Bahia * Armas às urnas: a participação dos coronéis na Revolução de 1930 __________ Das Revistas Estudos Históricos. Rio de Janeiro 33 2020 * Vultos e feitos do município de Alagoinhas. Salvador, 1979. CAMARGO. Aspásia. A revolução das elites: conflitos regionais e centralização política SalomãoBarros Editora UNB Brasília 1983 A revolução de 30: seminário realizado pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC). Setembro de 1980 * O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. 6ª Ed LuciliaDelgado De Almeida Neves 2013 Civilização Brasileira Rio de Janeiro * A Revolução de 30: historiografia e história BorisFausto Companhia das Letras São Paulo 1997 16ª ed. 1ª reimpressão * ÂngelaGomes De Castro História Geral da Civilização Brasileira -III. O Brasil republicano: sociedade e política 1930-1935. 1930-1964. 1986 10 Rio de Janeiro: DIFEL * Edição e tradução de Carlos Nelson Coutinho. Coedição Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira Gramsci Antonio 2007 Civilização Brasileira 3 Maquiavel. Notas sobre o Estado e a Política. 3ª ed. Rio de Janeiro * VictorLeal Nunes Coronelismo Companhia das Letras São Paulo 2012 * A verdade sobre a Revolução de outubro -1930 Lima Sobrinho Barbosa 1975 Alfa-Ã?"mega São Paulo 2ª ed * Mandonismo e obediência Wilson;Lins Lins ;Wilson Teixeira ;Cid GustavoFalcon * Coronéis e Oligarquias. Cadernos de Educação Política Machado MariaMelo Alba 1979 Salvador Universidade Federal da Bahia/Inamá Editora * MarietaFerreira De Moraes * Regionalismo e centralização política: partidos e constituinte nos anos 30 ÂngelaGomes De Castro 1980 Rio de Janeiro; Nova Fronteira et al * Minhas memórias provisórias. Depoimento prestado ao CPDOC/Coord. Alzira Alves de Abreu. 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