Resumo-O presente artigo visa expor, de modo mais preciso, as influências do pensamento do sociólogo M ax Weber na principal obra de Sérgio Buarque de Holanda: Raízes do Brasil. Considerando que a obra de Ho landa representa uma contribuição fundamental aos estudos sociológicos sobre corrupção no Brasil, faz-se necessário, para reduzir malentendidos recorrentes, um detalhamento da base teórica weberiana e sua incorporação ao longo de Raízes do Brasil. A perspectiva de Holanda a respeito dos elementos constitutivos da cultura e das instituições br asileiras dialoga constantemente com as noções weber ianas de "dominação tradicional", "ação social afetiva", "patrimonialismo" e " ação social tradicio nal". Tais concepções circunscrevem-se na grande teoria da racionalização social produzida pelo sociólogo alemão e, na obra do historiador brasileiro, resultam no diagnóstico de uma sociedade profundamente orientada pelo personalismo, pelo tr adicionalismo, pelo patrimo nialismo e pela cordialidade. Por fim, buscou-se demonstrar como tais características da sociedade brasileira favorecem, ainda hoje, a prática da corrupção na medida em que não produzem uma cultura formalmente racionalizada, orientada pela valorização do cumprimento de normas legais, e não criam instituições rígidas e impessoais a po nto co nstranger relações promíscuas entre esfera pública e esfera privada. Palavras-chave: corrupção; raízes do brasil; sérgio buarque de holanda; soci ologia weberiana; pensamento social brasileiro. Abstract-The present article aims to expose more precisely the influences of M ax Weber's thinking on Sérgio Buarque de Ho landa's main work: Raízes do Brasil. Considering that the work of Holanda represents a fundamental contributio n to the sociological studies on corruption in Brazil, it is necessary, in order to reduce recurring misunderstandings, a detailed presentation o f the Weberian theoretical basis and its incorporation alo ng Raízes do Brasil. Holanda's perspective on the constitutive elements of Brazilian culture and institutions is in constant dialogue with Weberian notio ns of "traditional domination," "affective social action," "patr imonialism," and "tr aditional social action". Such conceptio ns are circumscribed in the great theory of social rationalization produced by the german sociologist and, in the work of the Br azilian historian, result in the diagnosis of a society deeply oriented by personalism, traditio nalism, patrimonialism and cordiality. Finally, we tried to demo nstrate how these characteristics of Brazilian society still benefit the practice of corruption insofar as they do not produce the formally ratio nalized culture, guided by the valorisation of the legal norms compliance, and do not create rigid and impersonal institutions to limit the relations between the public sphere and the private sphere. Keywords: corruption; roots of brazil; sérgio buarque de holanda; weberian sociol ogy; brazilian social studies. # I. Introdução partir da primeira metade do século XX, um conjunto admirável de pensad ores se dedicou a analisar os elementos constitutivos da sociedade brasileira, produzindo algumas das mais célebres obras sobre nosso país. Com diferentes ênfases, ab ordagens e perspectivas, tais pensadores expuseram aspectos, até então, obscuros de nossa formação econômica, nossa organização institucional, nossas práticas políticas e nossa cultura. Estudiosos como Victor Nunes Leal, Caio Prado Júnior, Gilberto Freyre, Oliveira Vianna, entre outros, assumiram o desafio de pesquisar a complexidade de nossa sociedade em suas diferentes dimensões. Dentre esses estudiosos, destaca-se, aqui , o pensamento de Sérgio Buarque de Holanda como um dos mai s ricos no intuito de compreender, a partir de elementos sóciohistóricos, a cultura e as instituições brasileiras. Não à toa, as obras de Holanda (especialmente Raízes do Brasil e Visão do Paraíso) fundamentam grande parte das pesquisas c ontemporâneas sobre a realidade brasileira. Particularmente, os estudos sobre corrupção no Brasil tratam sua obra como fonte incontornável para o debate, seja para reafirmar sua validade, seja para tentar refutá-la. Um elemento fundamental para a compreensão de seu pensament o, embora muitas vezes mal interpretado, é o referencial weberiano utilizado pelo autor. As concepções metodológicas e teóricas de Max Weber perpassam toda a obra de Holanda, desde a construção de tipos ideais até a teoria da racionalização, e representam o "pano de fundo" teórico a partir do qual o autor analisou a sociedade brasileira. O objetivo deste artigo é esclarecer os aspectos centrais do pensamento weberiano que influenciaram a obra clássica de Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, e demonstrar a validade, ainda hoje, da teoria de Holanda para a compreensão do fenômeno da corrupção no Brasil . Para a concretização de tal objetivo, realizou-se: a) uma breve reflexão sobre a noção de "corrupção" vi sando explicitar os limites do conceito e seu entendimento neste estudo; b) um levantamento dos casos de corrupção de maior destaque no Brasil pós 1988 de modo a ilustrar a amplitude de tal prática na sociedade brasileira; c) uma sistematização da teoria weberiana e d) uma exposição do mod o como a obra de Sérgio Buarque de Holanda, influenciada pelo pensamento de Max Weber, contribui para a compreensão, ainda hoje, do fenômeno da corrupção no Brasil. # a) Corrupçã o como noção sociológica Embora comporte certa polissemia, o conceito de corrupção, em suas diversas formulações, apresenta elementos fundamentais a partir dos quai s é possível produzir uma definição que não seja específica a ponto de perder qualquer traço de generalidade, ou geral a ponto de abarcar uma ampla gama de comportamentos, reduzindo, assim, qualquer pretensão de sistematização da realidade. Praça (2011) indica uma primeira definição do conceito de corrupção, uma vez que "de acordo com a definição mais utilizada, um ato corrupto implica o abuso de poder político para fins privados. É a definição adota da por organizações como o Banco Mundial e a Transparência Internacional, bem como a imensa maioria dos analistas". (p. 139). Embora aponte os principais elementos definidores da corrupção (abuso de poder visando fins privados), a conceituação supracitada carece de precisão se analisada a partir do referencial soci ológico, de acordo c om o qual se entende "poder" como p ossibilidade de impor a própria vontade ao comportamento dos outros em diferentes tipos de relação. Ainda, a noção de "política" refere-se às ações visando o acesso e o controle do poder, em especial, mas não exclusivamente, do poder estatal (Weber, 1999a). Dessa forma, entende-se que nem todo poder político refere-se à esfera estatal, tamp ouco que seu uso abusivo visando fins privados represente invariável ato de corrupção, tendo em vista que a busca por fins privados, materiais ou ideais, movem a ação política de uma maneira geral. Ribeiro (2010), p or sua vez, apresenta algumas abordagens que, de modo mai s detalhado, referem-se à ação de busca de benefícios pessoais a partir da função exercida pelos agentes: [...] como observa Jens Andvig, um ato é c orrupto se um membro de uma organização ou instituição utilizase de sua posição, seus direitos de tomar decisões e seu acesso a informações, ou a algum outro recurso restrito, para obter vantagem para si ou para uma terceira pessoa, recebend o em troca uma vantagem econômica ou pessoal [...]. A corrupção, portanto, "envolve processos de troca basead os em l ógicas específicas", calcadas em incentivos negativos (ameaças, penalidades) ou positivos (materiais, como suborno, ou imateriais, baseados em laços pessoais). Os benefícios auferidos podem se referir ao favorecimento de terceiros, à negociação de "favores", ou à concessão de benefícios a si próprio. Podendo dar-se sob a forma de "mercado", em que o maior sub orno c onseguirá o favor, ou pela forma "paroquial" predominante no Brasil -que envolve laços de parentesco, amizade, patronagem, clientela, afeição, dentre outros. (p. 8413). Problematizando a mesma questão, Glaeser e Goldin (2006), apresentam a seguinte definição de corrupção: Durante o séc ulo XIX , a definição de corrupção tornou-se especificamente relacionada ao suborno de funcionári os públicos por agentes privados. O suborno era geralmente um pagamento ilícito em troca de algum recurso controlado pelo governo, como um serviço, uma propriedade pública ou uma isenção de regulamento do g overno. [...]. Nós vemos a corrupção tendo três elementos centrais:(a) pagamentos a funcionários públicos além de seus salários; (b) uma ação associada a esses pagamentos que também viole leis explícitas ou normas sociais implícitas; e (c) perdas para a sociedade também a partir dessa ação ou de um sistema que torna necessário que as aç ões surjam apenas desse pagamento.(p.07). 1 1 Tradução nossa. No original: "During the nineteenth century, the definition of corruption morphed into one specifically related to the bribery of public officials by private agents. Bribery was generally an illicit payment in exchange for some government controlled resource, such as a service, a public property, or an exemption from government regulation. [...]. We view corruption to have three central elements: (a) payments to public officials beyond their salaries; (b) an action associated with these payments that violates either explicit laws A partir das definições apresentadas por Ribeiro, Glaeser e Goldin é possível identificar, de modo mais explícito, a relação entre público e privado, bem como o acesso à esfera estatal, como componente definidor da noção de corrupção. Para fins do que se pretende com este artigo, sem desconsiderar a polissemia d o conceito, é suficiente a definição que apresenta a corrupção como uma prática que utiliza o poder político junto à esfera estatal para a obtenção de benefícios privados em desacordo c om o ordenamento legal vigente. Nesse sentido, a prática da corrupção envolve, c omo corruptos e corruptores, os agentes que atuam junto à esfera pública na busca pela obtenção de benefícios e privilégios à margem das leis, das normas e d os regimentos. Fazendo uma breve síntese das tendências de análise do fenômeno da corrupção nas Ciências Sociais, Filgueiras (2009) identifica o seguinte percurso: A parir dos anos 1970, a literatura sobre o tema da corrupção deu uma guinada metodol ógica, direcionando-se para o tema da cultura e o tema do desenvolvimento passou a ser considerado na dimensão da cultura política, partindo da premissa de que a cultura é proeminente em relação ao político e ao econômico, ao definir val ores dentro da estrutura social [...]. Ao lado do sistema institucional e legal, o sistema de valores é fundamental para motivar ou coibir as práticas de corrupção no interior de uma sociedade [...]. Dos anos 1980 para cá, ocorreu uma virada metodológica das pesqui sas sobre corrupção, ao incorporar uma abordagem econômica para um problema político, centrada, principalmente, na análise dos custos da corrupção para a economia de mercado em ascensão (...). A c orrupção é explicada por uma teoria da ação informada pelo cálculo que agentes racionais fazem dos custos e d os benefícios de burlar uma regra institucional do sistema político, tendo em vista uma natural busca por vantagens. (p. 395-396). Alguns aspectos que embasam os estud os sobre corrupção, apresentados na síntese de Filgueiras, são particularmente relevantes para a análise do tema a partir da perspectiva sociológica e encontram respaldo na teoria de Buarque de Holanda. A importância da cultura como elemento de estabelecimento de valores sociais e o papel das instituições sociais como esfera definidora da relação custo/benefício para a ação corrupta fundamentam, em grande parte, dois aspectos centrais para a conduta individual na sociedade: o valor internalizado pelo indivíduo, como condicionante interno; e a coerção or implicit social norms; and (c) losses to the public either from that action or from a system that renders it necessary for actions to arise only from such payment". institucional, como condicionante externo. Ou seja, a partir da perspectiva cultural, a análise do fenômeno da corrupção recai, em boa medida, sobre os valores sociais que condicionam o indivíduo, estimulando ou refreando moralmente sua ação. Já a relação custo/benefício envolve, entre outros fatores, o cálculo do agente a partir da coerção e dos meios institucionais de controle e punição c omo obstáculo ou facilitação da ação. Nesse sentido, torna-se central para o estudo do fenômeno da corrupção a problematização dos elementos envolvidos na orientação social da conduta individual dos agentes. Tais elementos desfrutam de lugar de destaque em diversas abordagens das Ciências Sociais e, mais especificamente, na sociologia da ação de Max Weber. # b) Histórico de corrupçã o no Brasil Pós-1988 Após o processo de redemocratização, o Brasil teve diversos casos de corrupção revelados. Os esquemas expuseram a atuação de políticos, funcionári os e empresári os que buscaram favorecimentos junto ao poder político e à esfera estatal para a obtenção de benefícios privados; a prática de corrupção, revelada pelos casos tornados públicos, trouxe à tona relações entre o público e o privado no Brasil que, em sua maioria, estão voltadas à busca de satisfação de interesses privados e privilégios à margem da lei. Nesta seção, serão apresentados alguns dos casos de corrupção que foram revelados neste período pós-redemocratização no Brasil. Os são dados são referentes a casos cujas instituições brasileiras, Ministério Público, Polícia Federal, Sistema Judiciário e Congresso Naci onal, proferiram investigações e trouxeram provas comprobatórias a público. Os casos apresentados são: "Anões do Orçamento", "Mensalão", "Operação Sanguessuga", "Operação Navalha", "Operação Castelo de Areia" e "Operação Lava Jato". # i. Anões do Orçamento Em outubro de 1993 foi instaurada, no Congresso Nacional brasileiro, uma CPMI 2 corrupção que envolvia a apresentação de emendas ao Orçamento na Comi ssão de Orçamento. O esquema recebeu o nome de 'Anões do Orçamento'. O grupo, que ficou c onhecido como "Máfia dos Anões", segund o denúncias apuradas na CPMI, fazia a cobrança de propinas para assegurar que emendas milionárias fossem aprovadas e, com isso, favoreciam empreiteiras para a realização de obras. Segundo o relatório da CMPI 3 ii. Mensalão , que teve como relator o deputado federal Roberto Magalhães e foi publicado em janeiro de 1994, "o si stema de apropriação funcionava de comum acordo com uma empreiteira, o parlamentar aprovava uma emenda e exercia sua influência para que determinada empreiteira realizasse a obra, pagando uma comi ssão ao parlamentar". Foram acusados de envolvimento no esquema dezoito parlamentares, desse total: seis foram cassados, oito absolvidos e quatro renunciaram para evitar a perda dos direitos políticos. Não oc orreu nenhuma condenação judicial ou prisão. Um dos casos de corrupção que mais ganhou notoriedade nesse período pós-redemocratização foi o chamado "Mensalão". Neste esquema, agentes políticos beneficiaram-se dos seus cargos públicos e do acesso ao poder estatal para angariar benefícios ilícitos. Especificamente, o esquema do "Mensalão" consistiu na compra de parlamentares, por meio de recursos públicos obtidos em contratos de publicidade de empresas estatais, para a constituição de base de apoio aos projetos do Executivo. As investigações c omeçaram por meio de duas CPMI's instauradas no Congresso Nacional , a CPMI 'da Compra de Votos' e a CPMI 'dos correios'. Elas reuniram provas e material probatório que resultaram na Ação Penal 470. Nesta ação, o Supremo Tribunal Federal julgou e condenou os envolvidos no esquema de corrupção. A CPMI "da Compra de Votos" 4 foi instaurada no ano de 2005 para investigar acontecimentos ocorridos a partir do final do ano de 2002. Segundo o relatório divulgado, ela foi "destinada a apurar denúncias de recebimento de quaisquer vantagens patrimoniais e/ou pecuniárias indevidas por membros do Congresso Nacional , com a finalidade de aprovar matérias de interesse do Poder Executivo" 5 3 Relatório disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/ 84896 Acesso em: 07/03/2019. 4 Os dados foram consultados no relatório final, publicado em novembro de 2005 e relatado pelo deputado federal Ibrahim Abi-Ackel. Disponível em: https://www25.senado.l eg.br/web/atividade/ materias/-/materia/74578 Acesso: 07/03/2020. 5 Os dados foram consultados no relatório final, publicado em novembro de 2005 e relatado pelo deputado federal Ibrahim Abi-Ackel. Disponível em: https://www25.senado.l eg.br/web/atividade/ materias/-/materia/74578 Acesso: 07/03/2020. . As investigações da CPMI derivaram de denúncias realizadas pelo, à época, deputado federal Roberto Jefferson. Pagamentos eram feitos, em períodos variados, a deputados da base de sustentação do governo com o intuito de assegurar o apoio às matérias de interesse do Poder Executivo. O dinheiro era arrecadado por mei o de contratos de publicidade, firmados com empresas do publicitário ligado ao partido do então Chefe do Executivo, Luiz Inácio Lula da Silva; eram contratações públicas feitas com favorecimentos, c ontratos superfaturados ou mesmo pagamentos feitos sem c ontraprestação, de forma a gerar excedentes de recursos que depois seriam aproveitados para alimentar um esquema de compra de votos de parlamentares. As provas analisadas acabaram por demonstrar uma coincidência temporal entre um maior volume de transferências financeiras e votações no plenário da Câmara dos Deputados de especial interesse do governo. A "CPMI dos Correios" 6 , por sua vez, foi instaurada para investigar um episódio de espionagem que envolvia uma gravação de um ato de corrupção praticado pelo então Chefe de Departamento de Contratação dos Correios. No entanto, a CPMI acabou expandindo seu objeto de análi se ao constatar diversas outras áreas, no Estado brasileiro, com as quais se conectavam as irregularidades inicialmente investigadas. Com isso, além dos Correios, fonte inicial de investigação, atos de corrupção foram encontrad os em outras instituições: Banco do Brasil, Secretaria de Comunicação da Presidência da República, diretórios nacionais e estaduai s partidários e o próprio Congresso Nacional. # iii. Operação Sanguessuga Um novo esquema de corrupção foi descoberto em 2006 pela Polícia Federal . A PF deflagrou uma operação que recebeu o nome de 'Operação 6 Os dados foram consultados no rel atório final da CPMI, publicado em 2006 e relatado pelo deputado federal Osmar Serraglio. Disponível em: http://www2.senado.l eg.br/bdsf/handle/id/84897 Acesso: 07/03/2020. 7 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe. asp?idConteudo=236494 Acesso: 07/03/2020. Comprovou-se, assim, um amplo esquema de distribuição de dinheiro a parlamentares que, em troca, ofereciam o seu apoio e o de seus correligionários aos projetos de interesse do Governo Federal. Sanguessuga', com o objetivo de desarticular um "esquema" de fraudes em licitações da área da saúde; ainda segundo a Polícia Federal , a quadrilha fazia negociações c om assessores de parlamentares para que emendas individuais ao Orçamento da União fossem direcionadas para localidades específicas, o esquema teria movimento cerca de R$ 110 milhões. A "Operação Sanguessuga" da Polícia Federal acabou se desdobrando na posterior abertura de uma CPMI no Congresso Nacional , a chamada "CMPI das ambulâncias" 8 iv. Operação Navalha , instalada em junho de 2006, que teve como objetivo a investigação e a apuração das denúncias que envolveram a "Operação Sanguessuga". As revelações e denúncias sobre o "esquema das ambulâncias" resultaram na prisão de mai s de seis deputados, após suas c ondenações em segunda instância. Ainda em 2019, houve desdobrament os sobre as condenações e julgamentos referentes à "Operação Sanguessuga". Outra operação, denominada "Operação Navalha", foi deflagrada pela Polícia Federal em maio de 2007. Na ocasião, a PF prendeu quarenta e sete pessoas. As investigações sugeriam que obras estavam sendo superfaturadas em troca de pagamentos de propinas a agentes públicos. O caso resultou em uma denúncia do Ministério Público Federal. Foram denunciadas sessenta e uma pessoas ao Supremo Tribunal de Justiça, acusadas de formação de quadrilha para fraudar obras em seis estados. Em outubro de 2017, dez anos depois, dez pessoas foram condenadas em primeira instância, contudo, no ano de 2018, todos os réus foram absolvidos pelo Tribunal Regional Federal da 5º Região, com isso, nenhum agente foi punido pelos fat os revelados. # v. Operação Castelo de Areia Outro esquema de corrupção foi denunciado pela deflagração da "Operação Castelo de Areia", no ano de 2009. Segundo as investigações, os executivos de uma das maiores empreiteiras do paí s, Camargo Corrêa, presos pela Operação, pagavam propinas para conseguir contratos de obras públicas; os pagamentos eram feitos aos partidos políticos com a ajuda de uma rede de doleiros. Os executivos foram presos acusad os de cometer crimes de superfaturamento e lavagem de dinheiro. A Polícia Federal apreendeu, ainda, durante a Operação, planilhas que indicavam pagamentos ilícitos a políticos de sete partidos políticos. No entanto, a ação penal que decorreu dessa operação foi anulada em 2011 pelo Supremo Tribunal de Justiça com a alegação 8 Os dados citados sobre a CPMI estão disponíveis no relatório, em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/88805 Acesso em: 07/03/2020. de que gravações telefônicas ilegais foram praticadas durante as investigações. # vi. Operação Lava-Ja to A mais recente operação anticorrupção com grande destaque no cenário brasileiro é a "Operação Lava-Jato". Segundo o Ministério Público Federal 9 Segund o dados do Ministério Público , "a Operação Lava-Jato é a maior iniciativa de combate à corrupção e lavagem de dinheiro da história do Brasil". Iniciada em março de 2014, a operação expandiu-se por diversos estados brasileiros: Rio de Janeiro, Di strito Federal, São Paulo e Curitiba. As investigações tiveram início com a suspeita do uso de postos de combustíveis e lava-jatos de automóveis para movimentar recursos ilícitos pertencentes a uma organização criminosa. No entanto, com o desenrolar das apuraç ões, o MPF recolheu provas de um imenso esquema criminoso envolvendo a Petrobrás (empresa estatal de petróleo brasileira). O esquema era composto pela organização de empreiteiras em cartel e o pagamento de propinas para altos executivos da empresa estatal e outros agentes públicos. No Supremo Tribunal Federal, instância destinada às denúncias de políticos com foro especial, foram prestadas cento e vinte e seis denúncias até o momento, nenhuma condenação foi feita. Além do expressivo número de denúncias e condenações, a operação já tem a marca de R$ 4 bilhões de reais devolvidos aos cofres públicos e uma previsão de recuperação de R$ 14, 3 bilhões. No âmbito da "Operação Lava-Jato", foram condenados diversos políticos, empresári os, um expresidente da Câmara dos Deputados e um expresidente da República. 11 9 Dados consultados em: http://www.mpf.mp.br/grandes-casos/lavajato Acesso: 07/03/2020. 10 corrupção" 12 , pois, segundo o MPF, o esquema criminoso serviu também para "corromper agentes políticos e financiar, com recursos provenientes do crime, partidos políticos". Quanto ao papel dos agentes políticos, como o ex-presidente da Câmara, no esquema: "aos agentes p olíticos cabia dar sustentação à nomeação e à permanência nos cargos da Petrobrás dos referidos Diretores. Para tanto, recebiam remuneração periódica" 13 Além de um ex-presidente da Câmara, a Operação Lava-Jato resultou na c ondenação de um expresidente da República. Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado em duas Aç ões Penais. Lula foi condenad o, em um d os processos, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro; segund o a sentença, proferida em primeira instância pelo juiz Sergio Moro, mais de R$ 3 milhões de reais teriam sido destinados ao Ex-Presidente. O MPF alegou, ainda, na Ação Penal, que o "ex-presidente dirigiu a formação de um esquema criminoso de desvios de recursos públicos, destinados a comprar apoi o parlamentar, enriquecer indevidamente os envolvidos e financiar campanhas eleitorais do PT [partido político de Lula]" . 14 Disponível em: http://www.mpf.mp.br/grandes-casos/lava-jato/ entenda-o-caso/curitiba/acoes/processo-penal-49/sentenca/arquivo Acesso: 07/03/2020. . Outro ex-presidente, Michel Temer, acabou sendo preso por desdobramentos das investigações da 'Operação Lava-jato'. Temer, responde denúncia do MPF por corrupção passiva, peculato e organização criminosa. Este levantamento pretendeu expor alguns dos casos mais relevantes da recente história política do Brasil visand o demonstrar o modo sistêmico como se constróem as relações entre público e privado no Brasil. Todos os casos ilustram como a atuação é objetivamente construída, como os sistemas utilizados pelos grupos são complexos e, por fim, como envolvem agentes de diferentes campos: políticos, empresários, funcionári os públicos, etc. Dessa forma, não se pode dizer que esse tipo de conduta pertence somente a um grupo social, mas sim que está disseminado em diferentes segmentos da sociedade brasileira, o que coaduna com a hipótese deste texto, de que a cultura e a introjeção de valores no Brasil não comporta uma clara separação entre público e privado. # c) A perspectiva weberiana A teoria weberiana, ao identificar um processo de racionalização no Ocidente, diferenciando, na forma de tipos ideais, as diversas fontes orientadoras da ação social, di stingue ações motivadas por valores e ações motivadas pela busca de uma finalidade específica, considerando custos e benefícios, c omo formas racionais de ação social em oposição às formas não racionalizadas, motivadas pela emoção e pela tradição 15 O que Weber procurou demonstrar foi que nas sociedades tradicionais as esferas do Direito, da economia, da cultura, do Estado, da educação, entre outras, são fundamentadas e legitimadas pelo costume, no caso da tradição, e pela revelação mística, no caso da religião. A partir da atuação dos profetas hebreus do antigo testamento . Nesse sentido, Max Weber formula sua grande teoria da racionalização ocidental, cuja influência foi determinante no pensamento de Holanda, considerando a mudança, nas sociedades modernas, de uma raci onalidade fundamentalmente material para uma racionalidade amplamente formal, produzindo a emancipação das esferas sociais em relação às determinações fundadas na tradição e na religião. 16 15 A respeito dos tipos ideais de ação social, ver: "conceitos sociológicos fundamentais" In: WEBER, Max. Economia e Soci edade, 1999a. 16 De acordo com o exposto em A Ética Protestante e o "Espírito" do Capitalismo (WEBER, 2004, p. 96): "Aquele grande processo histórico-religioso do desencantamento do mundo que teve início com as profecias do judaísmo antigo e, em conjunto com o pensamento cientifi co helênico, repudiava como superstição e sacrilégio todos os meios mágicos de busca de salvação, encontrou aqui sua conclusão. O puritano genuíno ia ao ponto de condenar até mesmo todo vestígio de cerimônias religiosas fúnebres e enterrava os seus sem canto nem música, só para não dar trel a ao aparecimento da superstition, isto é, da confiança em efeitos salvíficos à maneira mágico-sacramental". , iniciou-se, de acord o com Weber, um processo de desencantamento d o mundo que retirou a magia como meio de salvação e produziu uma lenta racionalização da vida. Enquanto o desencantamento do mundo fala da ancestral luta da religião contra a magia, sendo uma de suas manifestações mais recorrentes e eficazes a perseguição aos feiticeiros e bruxas levada a cab o por profetas e hierocratas, vale dizer, a repressão político-religiosa da magia (Thomas, 1985), a secularização, por sua vez, nos remete à luta da modernidade cultural contra a religião, tendo como manifestação empírica no mund o moderno o declínio da religião como potência in temporalibus, seu disesta blishment (vale dizer, sua separação d o Estado), a depressão do seu val or cultural e sua demissão/liberação da função de integração social. (Pierucci, 1998). Vinculados ao processo de racionalização, o desencantamento d o mund o e a secularização produziram a intelectualização da vida, rejeitando elementos supersticiosos na relação c om o sagrad o e, em um momento seguinte, resultando no próprio declínio da religião nas sociedades modernas. A intelectualização e a racionalização crescentes não equivalem, portanto, a um conhecimento geral crescente acerca das condições em que vivemos. Significam, antes, que sabemos ou acreditamos que, a qualquer instante, poderíamos, ba stando que o quiséssem os, provar que não existe, em princípio, nenhum poder misterioso e imprevisível que interfira com o curso de nossa vida; em uma palavra, que podemos dominar tudo, por meio da previsão. Equivale isso a despojar de magia o mundo. Para nós não mais se trata, como para o selvagem que acredita na existência daqueles poderes, de apelar a meios mágicos para dominar os espíritos ou exorcizálos, mas de recorrer à técnica e à previsão. Tal é o significado essencial de intelectualização. (WEBER, 2011. P. 35). Esse l ongo processo de racionalização identificado por Weber produziu sociedades, em boa medida, emancipadas em relação à tradição e fundamentadas no pensamento técnico-científico, dispensando os c ostumes e as revelações teológicas como fonte de legitimação. A economia, desse mod o, torna-se racionalizada, orientanda pelo estabelecimento de equivalentes universais, materializados no "dinheiro", que permitem a previsão, a calculabilidade e a ampliação das relações econômicas de modo impessoal para além dos limites locais; o Direito, tradicionalmente definido pelo arbítrio de agentes orientados por revelações místicas, interesses práticoutilitários ou avaliações específicas (materiais) de cada caso em particular, torna-se formalizado, impessoal, com aplicação ampla e regras bem definidas, fixas e invioláveis; a cultura incorpora a Ciência e a técnica como padrões de legitimação e princípios de validação social, rejeitando as legitimações de ordem religiosa (com exceção da esfera da vida privada); o Estado torna-se racionalizado, burocratizado; as leis passam a ser revistas, definidas a partir de consensos produzidos sob regras bem definidas 17 17 A respeito da racionalização do Direito, da economia, do Estado e da cultura, ver WEBER, Max. Economia e Sociedade (Volumes 1 e 2), 1999. A respeito da burocracia, ver WEBER, Max. Ensaios de Sociologia, 2013. . Enfim, em várias esferas das sociedades ocidentais a racionalização produziu uma transformação das fontes de legitimação baseadas no que Weber definiu como "raci onalidade material" por fontes de legitimação orientadas por uma "racionalidade formal". Nesse sentido, a raci onalidade material seria pautada por postulados valorativos a partir de elementos éticos, políticos, utilitários, hedonistas, estamentais, estéticos, entre outros, e se caracterizaria pela especificidade de cada situação e questão em particular. Já a racionalidade formal referese ao estabelecimento de regras e padrões gerai s, abstratos, impessoais e ao cálculo dos meios mais eficientes para a obtenção de determinado fim, considerando as possívei s consequências e custos das ações. A passagem das sociedades tradicionais para as sociedades modernas ocidentais representou, para Max Weber, a passagem de sociedades imersas na racionalidade material para sociedades orientadas pela racionalidade formal . A ação individual orientada por novas motivações sociais produziu instituições emancipadas e esferas sociais que, cada qual a seu ritmo, passaram a prescindir da legitimação tradicional e teológica. Da mesma forma, em sua análise sobre os tipos de dominação legítima, Weber identificou a mudança nas fontes de legitimação das sociedades tradicionais, pouco racionalizadas, para as sociedades modernas, racionalizadas. Enquanto que, nas sociedades tradicionais, as fontes de legitimação advinham de elementos pessoalizad os, materializados na figura do líder tradicional ou do líder carismático, nas sociedades modernas a legitimação da dominação repousa sobre elementos impessoais, caracterizados pela lei e pela ordem institucional-legal. Em sua reflexão sobre os tipos de dominaç ão, Weber questionou os motivos que levam os indivíduos a se submeterem à vontade de outros e identifica, no caso da dominação carismática, a crença nas qualidades excepcionais do líder como a fonte primordial da submissão. Já a respeito da dominação tradicional, Weber (1999a) escreve: Denominamos uma dominação tradicional quand o sua legitimidade repousa na crença na santidade de ordens e poderes senhoriais tradicionai s ("exi stentes desde sempre"). Determina-se o senhor (ou vários senhores) em virtude de regras tradicionais. A ele se obedece em virtude da dignidade pessoal que lhe atribui a tradição. [...]. Não se obedece a estatutos, mas à pessoa indicada pela tradição ou pelo senhor tradicionalmente determinado. (p . 148). A dominação tradicional, p ortanto, se legitima pela crença dos indivíduos no costume que define e determina a figura do senhor e de seus servidores. Em uma das configurações mais destacadas por Weber, a dominação tradicional se caracteriza pelo chamado patrimonialismo: Ao surgir um quadro administrativo (e miliar) puramente pessoal do senhor, toda dominação tradicional tende ao patrimonialismo e, com grau extremo de poder senhorial, ao sultanismo: os companheiros tornam-se súditos; o direito do senhor, interpretado até então como direito preeminente dos Volume XX Issue IV Version I 7 ( C ) associados, converte-se em seu direito próprio, apropriado por ele da mesma forma (em princípio) que um objeto possuído de natureza qualquer, valorizável (p or venda, penhora ou partilha entre herdeiros), em princípio, como outra oportunidade econômica qualquer. Externamente, o poder de senhor patrimonial apóia-se em guardas pessoais e exércitos formados de escravos (muitas vezes marcados a ferro), colonos ou súditos forçados oupara tornar o mais indissolúvel possível a união de interesses perante os últimos -de mercenários (exércitos patrimoniais). Em virtude desse poder, o senhor amplia o alcance de seu arbítrio e de sua graça, desligados da tradição, às custas da vinculação tradicional patriarcal e gerontocrática. Denominamos patrimonial toda dominação que, originariamente orientada pela tradição, se exerce em virtude de pleno direito pessoal [...]. (WEBER, 1999a. p. 151-152). Compreendendo o patrimonialismo como um modo de legitimação da dominação tradicional, Weber o identificou com o exercício amplo do poder pelo governante e p or seu quadro administrativo pessoalmente estabelecido. Desse modo, não há distinção entre os interesses pessoais do governante e os interesses dos súditos, tamp ouco uma distinção bem definida entre funcionários públicos e mei os privados de administração 18 A dominação tradicional patrimonial . A respeito da administração no tipo de dominação tradicional patrimonial, Weber afirma: Ao cargo patrimonial falta sobretudo a distinção burocrática entre esfera "privada" e a "oficial". Poi s também a administração política é tratada como assunto puramente pessoal do senhor, e a propriedade e o exercício do seu poder político, como parte integrante de seu patrimônio pessoal , aproveitável em forma de tributos e emolumentos. A forma em que ele exerce o poder é, portanto, objeto de seu livre-arbítrio, desde que a santidade da tradição, que interfere por toda parte, não lhe imponha limites mais ou menos firmes ou elásticos. (1999b. P. 253). 19 Dominação legítima tradicional e dominação legítima carismática representam tipos ideais de dominação baseados no afeto, no costume, ou na racionalidade material, característicos de sociedades , portanto, reproduz um tipo de poder pessoal, personalista, amparado pela tradição e caracterizado pela indistinção entre interesses e meios de administração privados e "públicos". tradicionais cujas instituições não produziram a emancipação em relação ao domínio da religião e da tradição. A característica mai s destacada desses tipos de dominação é a pessoalidade com que são exercidas e legitimadas, pois é às figuras do líder carismático e do líder tradicional que se dirige a obediência dos indivíduos. A dominação legal (ou burocrática), p or sua vez, fundamenta sua legitimidade, não em líderes pessoais, mas em regras impessoai s, aspecto típico das sociedades modernas, orientadas pela racionalidade formal. Weber (1999b) apresenta uma comparação entre dominação legal e dominação tradicional patriarcal que, segundo ele: Em sua essência, não se baseia no dever de servir a determinada "finalidade" objetiva e impessoal e na obediência a normas abstratas, senão precisamente no contrário: em relações de piedade rigorosamente pessoais 20 d) Influências weberianas em Raízes do Brasil . [...] ambas encontram seu apoio interior, em última instância, na obediência a normas p or parte dos submetidos ao poder. Estas normas, no caso da dominação burocrática, são racionalmente criadas, apelam ao senso da legalidade abstrata e baseiam-se em instrução técnica; na dominação patriarcal, ao contrário, fundamentam-se na "tradição"; na crença na inviolabilidade daquilo que foi assim desde sempre. E a significação das normas é nas duas fundamentalmente diferente. Na dominação burocrática é a norma estatuída que cria a legitimação do detentor concreto do p oder para dar ordens concretas. Na dominação patriarcal é a submissão pessoal ao senhor que garante a legitimidade das regras por este estatuídas, e somente o fato e os limites de seu poder de mand o têm, por sua vez, sua origem em "normas", mas em normas não-estatuídas, sagradas pela tradição. (p. 234). Como fica evidente no pensamento de Weber, a partir do desenvolvimento da racionalidade formal a dominação legal produz um quadro administrativo desvinculado dos meios de administração e passa a ser pautada por um direito formalizado e por regras abstratas que caracterizam o aspecto impessoal da administração pública. O contraste entre dominação pessoal, personi ficada, por um lado, e dominação impessoal , técnica, p or outro lado, é central na distinção weberiana entre sociedades tradicionais e sociedades modernas. Especificamente sobre o debate supracitado, isto é, acerc a dos nexos psico e sociogenéticos, fica evidente a transposição do debate e a influência weberiana sobre os nexos psico e soci ogéticos que, segundo Waizbort (2011, p. 41), era "um dos núcleos fortes em torno do qual gravitavam os debates acerca da interpretação histórico-cultural-social, debate esse difuso por toda a plêiade das humanida des". 23 quando, em março de 1935, na revista Espelho 24 21 As informações biográficas e acadêmicas, resumidamente apresentadas aqui, podem ser encontradas no depoimento dado em 1981 por Sérgio Buarque de Holanda, mas somente publicado em 2004, para a Revista Novos Estudos. A entrevista ficou guardada durante longo período no Museu da Imagem e do Som (SP). Na íntegra, a entrevista pode ser encontrada por meio do link: http://novosestudos.uol.com.br/produto/edicao-69/ 22 O debate pode ser observado em Georg Simmel, Max Weber, Ernst Troeltsch, Werner Sombart, Hans Freyer, Karl Mannheim e Norbert Elias. Como estamos tratando da influência weberiana no pensamento e na obra de Sérgio Buarque de Hol anda, a discussão acerca da psicogênese em Weber, por exemplo, pode ser explicitamente encontrada no livro "A psicofísica do trabal ho industrial: escritos e discursos 1908-1912" (2009). [Zur Psychophysik der industriellen Arbeit. Schriften und Reden 1908-1912]. 23 Vale ressaltar que o próprio Sérgio Buarque de Holanda afirma ter lido a obra de Max Weber quando estava na Alemanha: "[...] quando estava na Alemanha lia muito o Weber. E sobre marxismo lia coisas mais recentes. Em alemão, naturalmente, porque russo eu não sabia..." (HOLANDA, 2004, p. 12). 24 O ensaio foi publicado na "edição comemorativa 70 anos" (2006, p. 399-420). , Sérgio Buarque de Holanda publica o ensai o "Corpo e alma do Brasil: ensaio de psicologia". Ali, de modo embrionário, estavam delineadas a estrutura da personalidade e a estrutura da sociedade brasileira. O "pano de fundo emocional" que embasava a descrição dada pelo autor no ensaio, ou melhor, a precedência da dimensão p sicogenética, conforme Waizb ort (2006, p. # 41) "poderia ser explicada pelo próprio argumento desenvolvido, a saber, que privilegiamos o individual ao coletivo". A obra de Sérgio Buarque de Holanda, portanto, sofreu grande influência do pensamento weberiano. Os tipos ideais de racionalidade, com suas diversas manifestações nas esferas da sociedade, serviram de referência para o estudo da constituição da sociedade brasileira a partir de elementos sóciohistóricos. Já no primeiro capítulo de Raízes do Bra sil, ao tratar dos c olonizadores da América do Sul, Holanda apresenta, em tons nitidamente weberianos, uma distinção entre a Europa protestante, racionalizada (desencantada, intelectualizada, poderia acrescentar Weber), e a Europa ibérica, católica, não t otalmente racionalizada: "nas nações ibéricas, à falta dessa racionalização da vida, que tão cedo experimentaram algumas terras protestantes, o princípio unificador foi sempre representado pelos governos" (1995, p. 38). Ainda no primeiro capítulo, Holanda identifica a cultura do personalismo como traço fundamental da cultura ibérica e obstáculo ao estabelecimento de instituições sólidas e racionalizadas: É que nenhum desses vizinhos soube desenvolver a tal extremo essa cultura da personalidade 25 Considerand o a influência do colonizador português como elemento determinante para a constituição cultural e institucional do Brasil, Buarque de Holanda se utiliza de tipos ideais, a exemplo de Weber, para indicar características próprias d os colonizadores que foram disseminadas na cultura brasileira. Nesse sentido, Holanda apresenta a distinção entre o tipo ideal do trabalhador, característico do espanhol , e do aventureiro, característico do português , que parece constituir o traço mai s decisivo na evolução da gente hispânica, desde tempos imemoriais. [...]. É dela que resulta largamente a singular tibieza das formas de organização, de todas as associações que impliquem solidariedade e ordenação entre esses povos. (ibid. p. 32). 26 25 Grifo nosso. . De acordo com a síntese de Carvalho (2011): Nos termos de Sérgio Buarque de Holanda (1995, p.44): "Nas formas de vida coletiva podem assinalar-se dois princípios que se combatem e regulam diversamente as atividades dos homens. Esses doisprincípios encarnam-se nos tipos do aventureiro e do trabalhador. Embora o tipo aventureiro tenha produzido as bases de um comportamento pouc o afeito ao trabalho árduo, metódico e lento, suas características foram fundamentais para a adaptação e a colonização do território brasileiro, empreendimento que, quando produzido por outras culturas, resultou em fracassos notórios. Ao obter sucesso na c olonização d o Brasil, os portugueses, de acordo com Holanda, influenciaram determinantemente nossa cultura e ajudaram a produzir um tipo de sociedade distante daquilo que Weber definiu como moderna. Ao personalismo, que rejeitava a impessoalidade e valorizava o individualismo, e ao caráter aventureiro do português, pouc o afeito ao trabalho árduo e metódico, somou-se, no período colonial, a escravidão e a atividade rural. Os grandes engenhos passaram a se organizar de forma autônoma, através de uma lógica patriarcal, com o poder legitimado na figura do senhor de engenho. A expansão dessa lógica patriarcal para as cidades determinou, segundo Holanda, a ampliação, para o conjunto da sociedade, da cultura personalista, das relações pessoais junto à coisa pública e, consequentemente, da fraca distinção entre público e privado 27 Em sociedade de origens tão nitidamente personalistas como a nossa, é compreensível que os simples vínculos de pessoa a pessoa, independentes e até exclusivos de qualquer tendência para a cooperação autêntica entre os indivíduos, tenham sido quase sempre os mais decisivos. As agregações e relações pessoais, embora por vezes precárias, e, de outro lado, as lutas entre facções, entre famílias, entre regionalismos, faziam dela um todo incoerente e amorfo. O peculiar da vida brasileira parece ter sido, por essa ép oca, uma acentuação singularmente . Sobre os efeitos do personalismo português no período colonial, Buarque de Holanda escreve: persistente, que, no entanto, mede todas as possibilidades de esperdício e sabe tirar o máximo proveito do insignificante, tem sentido bem nítido para ele [...]. Existe uma éti ca do trabalho, como existe uma éti ca da aventura. Assim, o indivíduo do tipo trabalhador só atribuirá valor moral positivo às ações que sente ânimo de praticar e, inversamente, terá por imorais e detestáveis as qualidades próprias do aventureiro -audáci a, imprevidência, irresponsabilidade, instabilidade, vagabundagem [...]. 27 Para uma visão alternativa da relação entre patrimonialismo e personalismo, ver: SOUZA, J. Weber O homem cordial formulado por Sérgio Buarque de Holanda representa, portanto, o resultado da influência portuguesa somada às contingências sócio-históricas que criaram uma sociedade avessa às hierarquias, ao rigor formalista, à impessoalidade e à ética do trabalho . O resultado dessa acentuação na dimensão afetiva, irracional e passional se verifica no tipo ideal formulad o por Holanda para caracterizar o brasileiro, o homem cordial: "já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade -daremos ao mundo o 'homem cordial'" (Ibid. p. 146). A respeito da noção de homem cordial, profundamente ligada ao tipo ideal de ação social afetiva, não racionalizada, formulado por Weber, Holanda escreve: A expressão é do escritor Ribeiro Couto [...] pela expressão "cordialidade", se eliminam aqui, deliberadamente, os juízos éticos e as intenções apologéticas a que parece inclinar-se o sr. Cassiano Ricardo, quand o prefere falar em "bondade" ou em "homem bom". Cumpre ainda acrescentar que essa cordialidade, estranha, por um lado, a tod o formalismo e convencionalismo social, não abrange, por outro, apenas e obrigatoriamente, sentimentos positivos e de concórdia . A inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, nist o que uma e outra nascem do coração. (Ibid. p. 205). 29 28 Grifos nossos. 29 Sobre a ética do trabalho, Holanda apresenta uma breve e interessante avaliação da afinidade eletiva entre religião e ética do trabalho em padrões muito próximos aos dos principais argumentos propostos por Weber em A ética protestante e o "espírito" do capitalismo. Ao tratar da cultura hispânica, profundamente católica, em oposição à Europa protestante, Holanda argumenta que: "a ação sobre as coisas, sobre o universo material, implica submissão a um objeto exterior, aceitação de uma lei estranha ao indivíduo. Ela não é exigida por Deus, nada acrescenta à sua glória e não aumenta nossa própria dignidade. Pode-se dizer, ao contrário, que a prejudica e a avilta. O trabalho manual e mecânico visa a um fim exterior ao homem e pretende conseguir a perfeição de uma obra distinta dele. É compreensível, assim, que jamais se tenha naturalizado entre gente hispânica a moderna religião do trabalho e o apreço à atividade utilitária. Uma digna ociosidade sempre pareceu mais excelente, e até mais nobilitante, a um bom português, ou a um espanhol, do que a luta insana pelo pão de cada dia. [...] E assim, enquanto povos protestantes preconizam e exaltam o esforço manual, as nações ibéricas colocam-se ainda largamente no ponto de vista da Antiguidade clássica". (HOLANDA, 1995. P. 38). . Tais características refletem-se na cultura e nas instituições e reproduzem-se, por sua vez, nos indivíduos formados por essa cultura. The Sérgio Buarque De Holanda' s Weberian Thought as an Explanation for Corruption in Brazilian Society Submetida ao patriarcalismo, ao patrimonialismo e ao personalismo (que atua c omo base das práticas anteriores por estabelecer um poder pessoal e rotinizado), a sociedade brasileira produziu instituições frágeis e práticas pouco orientadas pelo cumprimento das normas formai s 30 A escolha dos homens que irão exercer funções públicas faz-se de acordo com a confiança pessoal que merecem os candidatos, e muito menos de acordo com as suas capacidades próprias. Falta a tudo a ordenação impessoal que caracteriza a vida no Estado burocrático. O funcionalismo patrimonial . Buscando demonstrar os reflexos de tais práticas para a sociedade brasileira de seu tempo, Buarque (1995) apresenta uma avaliação profundamente vinculada às categorias weberianas de dominação: No Brasil, onde imperou, desde tempos remotos, o tipo primitivo da família patriarcal, o desenvolvimento da urbanização [...] ia acarretar um desequilíbrio social, cujos efeitos permanecem vivos ainda hoje. Não era fácil aos detentores das p osições públicas de responsabilidade, formados por tal ambiente, compreenderem a distinção fundamental entre o domínio do privado e do público. Assim, eles se caracterizam justamente pelo que separa o funcionári o "patrimonial" do puro burocrata conforme a definição de Max Weber. Para o funcionári o "patrimonial", a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoai s do funci onário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático, em que prevaleçam a especialização das funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos. (p . # 145-146). A indistinção, por parte do funcionário público, entre domínio público e domínio privado é uma das características encontradas por Holanda na cultura brasileira como resultado da expansão do patrimonialismo para a esfera admini strativa. Ainda, sobre essa questão, Holanda (1995) complementa: 30 Convém destacar que, após a proclamação da República brasileira, em 1889, ocorreu, do ponto de vista formal, a transição de uma dominação personificada na figura do imperador, para uma dominação fundada nas normas legais e institucionais, distanciandose, portanto, de um poder pessoal que se legitima pelo patriarcalismo ou pelo patrimonialismo. Porém, e este é o ponto de Buarque de Holanda muitas vezes incompreendido pelos críticos, as práticas personalistas se mantiveram como elemento legitimador da esfera da cultura, com reflexos na esfera institucional. Não à toa, o período posterior à proclamação da República se caracterizou pela alternância oligárquica no poder e, em seguida, por uma dominação, novamente, personificada na figura de Getúlio Vargas. A publicação de Raízes do Brasil ocorreu 6 anos após a "revolução" de 1930 e 1 ano antes do Estado-novo varguista, que vigoraria até janeiro de 1946. pode, com a progressiva divisão de funç ões e com a racionalização, adquirir traços burocráticos. Mas em sua essência ele é tanto mais diferente do burocrático, quant o mais caracterizados estejam os dois tipos. No Brasil, pode dizer-se que só excepcionalmente tivemos um si stema administrativo e um c orpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. (Ibid. p. 146). Os reflexos do processo históric o de colonização d o Brasil foram identificados, por Buarque de Holanda, de forma precisa na cultura e, consequentemente, nas instituições nacionai s. A relação entre público e privado, a pessoalidade no trato da administração pública e a ausência de atuação em favor de interesses objetivos marcam, claramente, a visão de Holanda sobre o Brasil. É bastante evidente o exercício de Holanda no sentido de produzir tipos ideais envolvidos no processo histórico de "construção" do Brasil para compará-l os aos tipos ideais weberianos de racionalização, dominação e gestão. Desse modo, Holanda identifica na cultura brasileira elementos característicos das sociedades tradicionais definidas por Weber, orientadas, em boa medida, por aspectos irracionai s ou pela racionalidade material. Nada é mais próximo da perspectiva sociológica de Max Weber do que a busca por elementos orientadores da ação social, c onsiderand o a racionalidade envolvida no sentido dessa ação. Desse modo, é possível identificar, pelo menos, dois elementos fundamentais na orientação da conduta: a) a moral, inc orporada como valor pelo indivíduo e b) as instituições, atuando c omo forç a coercitiva externa ao indivíduo. Nesse sentido, a ação social racional pode ser orientada, por exemplo, pelos val ores constituintes da cultura e absorvidos pelo indivíduo ou pelo cálculo do meio mais eficiente para se realizar certo objetivo, considerando, inclusive, as possibilidades de coerção institucional. Ainda, é possível pensar a ação social, em termos weberianos, orientada por elementos não racionalizados como a tradição, caracterizada pela reprodução irracional dos costumes, ou pela emoção, pelo afeto, enfim... pela cordialidade, no sentido empregado por Holanda. No que se refere à questão das condicionantes internas, Holanda procurou demonstrar, através da análise do desenvolvimento do personalismo, a forma como a cultura brasileira produziu uma ética da pessoalidade, negando a abstração impessoal no trato entre os indivíduos e na gestão pública. A figura do "homem cordial" vai além e se caracteriza, de forma A própria presença de um si stema legal bem definido, segundo Holanda, não é suficiente para produzir uma conduta racionalizada nos indivíduos, visto que "não são as leis escritas, fabricadas pelos jurisconsultos, as mais legítimas garantias de felicidade para os povos e de estabilidade para as nações" (Ibid. p. 178). Ainda que leis formais e abstratas possam ser criadas, a prática cotidiana, tanto de cidadãos, quanto de funcionários públicos, orienta-se, acentuadamente, pela cordialidade, pela pessoalidade e pelo afeto. Ou seja, a possibilidade de coerção externa através das instituições encontra ob stáculo na visão de mundo produzida pela cultura fortemente influenciada pelo personalismo. Mesmo modificando sua fonte de legitimidade da figura personalizada do imperador para a figura impessoal e abstrata da Lei, o Brasil republicano, segundo Holanda, manteve a prática personalista como elemento central, tanto da cultura, quanto das instituições sociais: [...] o Estado não teria rompido com a família, o que implica, necessariamente, que as relações de sangue não foram substituídas por instituições e relações sociais impessoais. Mais do que isso, o caráter das leis não é universal , já que elas só são aplicadas àqueles que se encontram fora desses círculos de parentesco e amizade. (CARVALHO, 2011. P. 89). Tanto a esfera institucional, quanto a esfera cultural foram, portanto, influenciadas pela cultura ibérica e pelos elementos patriarcais e patrimoniais. A cultura, a partir do patriarcalismo típico dos engenhos, produziu o "homem cordial" e este, com a ampliação da lógica patriarcal para a administração pública, produziu instituições que negam a racionalização objetiva e a impessoalidade. O estabelecimento de uma sociedade brasileira de acordo com a definição weberiana 31 II. Considerações Finais de sociedade moderna, baseada na racionalização das esferas sociais, caracterizada, em particular, pela dominação legal, pelo Direito formal e abstrato, pela economia capitalista racionalizada, pela democracia e pela administração pública técnica e impessoal encontra, de acordo com Holanda, um profundo obstáculo na cultura brasileira, fundada no patrimonialismo, na pessoalidade, na indistinção entre domínio público e privado e na figura do homem cordial, avesso a grande parte dos elementos racionalizantes da sociedade. Nesse sentido, a análise de Buarque de Holanda aproxima o Brasil muito mai s das sociedades tradicionais, patrimoniais, não racionalizadas, estudadas por Weber do que das sociedades modernas pautadas pelo rigor formalista impessoal. A perspectiva de Sérgio Buarque de Holanda a respeito dos elementos constitutivos da sociedade brasileira, fortemente influenciada pela teoria weberiana, permite lançar luz, ainda hoje, sobre comportament os individuais e práticas sociais. Sem ignorar o longo período de mais de oitenta anos que separa a publicação de Raízes do Brasil do período contemporâneo e, p ortanto, sem ignorar as 31 Convém sempre acentuar que a perspectiva epistemológica de Max Weber possui viés sócio-histórico e empírico, não representando qualquer formulação de tipo normativo, teleológico ou valorativo. Nesse sentido, os diferentes arranjos sociais são resultado de contingências históricas, não sendo possível estabelecer critérios científicos de superioridade ou de preferência ética entre as diferentes sociedades. The Sérgio Buarque De Holanda' s Weberian Thought as an Explanation for Corruption in Brazilian Society modificações profundas por que passou a sociedade brasileira durante esse período, é possível buscar na obra de Holanda elementos que ainda contribuem para a explicação do fenômeno da corrupção no Brasil. Se entendermos a prática da corrupção como proposta neste artigo, ou seja, como uma prática que utiliza o poder político junto à esfera estatal para a obtenção de benefícios privados em desacordo com o ordenamento legal vigente e se buscarmos as abordagens constituintes da análise do fenômeno de corrupção nas Ciências Sociais, em particular a dimensão cultural e a perspectiva da escolha racional, encontraremos em Raízes do Brasil indicações preciosas para a compreensão d o fenômeno. Do ponto de vista da conduta individual, ou seja, do val or que atua internamente na orientação da ação, o patrimonialismo presente em nossa cultura obscurece uma diferenciação apropriada entre domínio público e domínio privado, além de reafirmar a dimensão do interesse pessoal sobre o interesse coletivo. Caso se entenda tal perspectiva como válida ainda hoje, é plausível considerar que o refreamento pessoal da conduta (no caso, a prática da corrupção) não seja predominante em virtude da ausência do respeito à coisa pública como um val or em si, culturalmente hegemônico. Ou seja, um dos elementos centrais para a orientação da conduta individual, o respeito a certos valores socialmente consagrados e incorporados pelo indivíduo, não incluiria de forma profunda e contundente a diferenciação entre público e privado e o consequente respeito ao que pertence à esfera pública. Nesse sentido, o pensamento de Holanda representaria uma contribuição valiosa ao apontar o fundamento sócio-hist órico desse traço de nossa c ultura. Do ponto de vista institucional, considerando tais instituições como agentes externos ao indivíduo, a coerção a partir do conjunto de leis, normas, regras, regimentos, vigilância, fiscalização, punições, entre outros, levaria os indivíduos a calcularem os custos e benefícios da ação corrupta. Como afirma Sérgio Buarque de Holanda, em trecho já citado neste artigo, nossa conduta não é afeita à submissão a normas que não nos beneficiem. Desta forma, a tendência a se beneficiar do ato corrupto se contrapõe aos custos do mesmo ato. Porém, como deixa claro Sérgio Buarque, as instituições brasileiras, originadas da expansão do patriarcalismo, apresentam pouca ameaça ao agente corrupto, tornando consideravelmente baixos os cust os e atrativamente altos os benefícios. A frouxidão das leis, da vigilância e das punições em relação à corrupção tem caracterizado amplamente nossa vida pública nos mais de oitenta anos posteriores à publicação de Raízes do Brasil, o que indica que, de alguma forma, a dimensão institucional não vem produzindo um condicionamento da ação individual nos níveis adequados quando se trata de inibir a corrupção. A conjunção entre flexibilidade moral e cultural, de um lado, e frouxidão (ou tibieza, para usarmos o termo de Holanda) institucional, de outro lado, propicia e torna atrativa a corrupção. Emb ora não tenha sido o objeto do estudo de Holanda, sua análise d os fundamentos do comportamento brasileiro possibilitou uma ampliação do estudo da corrupção para além do ato em si, buscand o suas raízes em nossa própria constituição sócio-histórica e produzindo tipos ideais de sua ép oca com os quai s podemos comparar as práticas contemporâneas. Se, por um lado, entender uma obra clássica como definição conclusiva e imutável de certo traço social ou cultural representa um inaceitável determinismo, ignorar, por outro lado, as contribuições de tal obra, ou tratá-la apenas como instrumento histórico desprovido de val or explicativo contemporâneo, significa negar o próprio desenvolvimento científico como conhecimento cumulativo. Ao identificar a figura do homem cordial, orientado pelo afeto, e situá-l o como produto e produtor de uma ética, de uma cultura, de instituições e de práticas, hoje, vi sceralmente ligadas à corrupção, a obra de Sérgio Buarque representa uma perspectiva analítica basilar para as Ciências Sociais brasileiras. Nesse sentido, sua abordagem pode ser considerada como uma contribuição de raro valor que, ainda hoje, nos permite entender melhor nossa própria sociedade. # Bibliografia 22 energética do afetivo, do irracional, do passional, eumaestagnaçãoouantesumaatrofiacorrespondentedasqualidadesordenadoras,disciplinadoras,racionalizadoras.Querdizer,exatamente o contrário do que parece convir a umapopulação em vias de organizar-se politicamente.(1995, p. 61) 28 Uma Comissão de Inquérito possui, segundo a Constituição Federal de 1988, poderes de investigação próprios de autoridades judiciais, com isso, o Parlamento possui meios para realizar uma investigação, com arguição de testemunhas, analise de provas, etc. e suas conclusões devem ser enviadas ao Ministério Público que, quando for o caso, requererá a responsabilização civil ou criminal.(Comi ssão Parlamentar Mista de Inquérito) conhecida como "CPMI do Orçamento", que buscava apurar fatos contidos nas denúncias do Sr. José Carlos Alves dos Santos, referentes às atividades de parlamentares, membros do governo e representantes de empresas envolvidas na destinação de recursos do Orçamento da União. José Carlos Alves, era assessor da Comissão Mista de Orçamento do Congresso e, em entrevista à revista Veja, em outubro de 1993, denunciou um esquema de © 2020 Global JournalsThe Sérgio Buarque De Holanda' s Weberian Thought as an Explanation for Corruption in Brazilian Society Disponível em: http://www.mpf.mp.br/grandes-casos/lava-jato/ entenda-o-caso/curitiba/acoes/processo-penal-50/sentenca/ arquivo Acesso: 07/03/2020.13 Disponível em: http://www.mpf.mp.br/grandes-casos/lava-jato/ entenda-o-caso/curitiba/acoes/processo-penal-50/sentenca/arquivo Acesso: 07/03/2020. Year 2020 © 2020 Global JournalsThe Sérgio Buarque De Holanda' s Weberian Thought as an Explanation for Corruption in Brazilian Society A esse respeito, ver: WEBER, Max. "Política como vocação". In: Ensaios de Sociologia. 2013.19 Para uma interpretação alternativa do conceito de patrimonialismo, ver: SELL, C. E. As duas teorias do patrimoni alismo em Max Weber: do modelo doméstico ao modelo institucional. 2016. * A teoria weberiana na invenção do Brasil: uma análise de raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda ADCarvalho 2011 Intratextos, Rio de Janeiro * Passado, presente e futuro da corrupção brasileira JMCarvalho Avritzer; et al (org.). Corrupção: ensaios e críticas Belo Horizonte 2012 * Patrimonialismo e neopatrimonialismo JMDomingues Avritzer; et al (org.). 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