existenciais das migrâncias nas representações "Diáspora", "Iracema voou" e "Gringuinho". As vivências no território de origem se alinham com o decurso do tempo, percepção que se esboça a partir da incorporação das práticas e culturas na terra natal. Estabelecem-se as relações topográficas. As experiências sedimentadas imprimem o sentimento de amadurecimento e do transcurso do tempo vivido, tudo atuando na construção e manutenção das identidades individual e cultural, as quais se irmanariam com a identidadenacional. O artigo busca observar também as interações do migrante com o tempo-espaço na atualidade e, nesse sentido, levam-se em consideração não somente o conceito de "novos nômades" (HOFFMAN, 1999) como também os sentidos da noção de topologia. O espaço-tempo topológico que se apresenta e desafia os novos imigrantes é não só o local-momento de parada e de abrigo dos inusitados deslocamentos, mas também, e principalmente, o soloinstante em que se assimilariam e se corporificariam, outros desenhos de subjetividade, outras feições identitárias, outras referências afetivas. Palavraschave: migrações. terra natal. novos nômades. topografia. topologia. # I. Palavra Cantada, Nomadismo, Terra Natal Onde está Meu irmão sem irmã O meu filho sem paz Minha mãe sem avó Dando a mão pra ninguém Sem lugar pra ficar Os meninos sem pais [...] (Os Tribalistas. "Diáspora") Iracema voou Para a América Leva roupa de lã E anda lépida Vê um filme de quando em vez Não domina o idioma inglês Lava chão numa casa de chá [...] (Chico Buarque. "Iracema voou"). bservando as informações mais remotas sobre a trajetória da humanidade, constata-se que os movimentos migratórios e suas recriações ocupam significativos e indeléveis espaços e registros. Se nos detivermos no mundo ocidental, veremos que, lado a lado com a própria história, as representações comparecem recriando peripécias, trânsitos Author: e-mail: carlosmagal@terra.com.br geográficos, viagens aventureiras e, ao sabor do acaso ou nem tanto, êxodos, deslocamentos coletivos ou individuais motivados por propósitos, objetivos e desejos de natureza diversa. Tudo se apresenta como resultado de impulsos desencadeadores de enfrentamentos do desconhecido. Já o Livro do Gênesis, importante parte da Bíblia Sagrada, anota a emigração de Adão e Eva do Paraíso, do Jardim do Éden, movimento que põe a dupla em contato efetivo com a vida terrena e com os desafios, sobressaltos e surpresas da imigração e do mundo estrangeiro. As migrações são experiências universais e se fazem presentes na trajetória humana, como no ciclo de vida dos animais, comparecendo, desde sempre, na história de ambos. As canções "Diáspora" e "Iracema voou" e o conto "Gringuinho" apresentam-se como representações cujos aspectos tempo-espaciais ilustram certas agruras do mundo moderno e contemporâneo, em termos dos complexos e densos deslocamentos migratórios que, em especial, o Ocidente vivencia,intensamente, desde a metade do século XX até os diasda centúria atual. No tempo-espaço contemporâneo, certas viagens diaspóricas -a chamada "crise migratória"têm-se apresentado como transmigrações populacionais que se utilizam, principalmente, das águas mediterrâneas em que se vivenciam aspectos de precariedade, risco, insalubridade, medo, em última análise, enfrentam-se situações de extrema desumanidade. Além da humilhação e da indignidade, por conta, inclusive, das precariedades generalizadas que ali se vivenciam, ganha expressão também o componente simbólico. Trata-se do sentido da perda do contato com o tempo-espaço de base, de origem. Desenha-se o afastamento da própria topografia na qual as histórias pessoal e coletiva se articulam com as experiências diuturnas que fazem florescer a cultura e o amor à Pátria -o arraigar do nacionalismo. Distanciarse desse universo topográfico também pode se constituir como razão de sofrimentos que costumam se manifestar em sujeitos que padecem de nostalgia, saudade, melancolia e solidão, ante processos de desmontes por conta da emigração. As carências acima ilustradas ganham corpo a despeito das contradições reinantes, em termos de a contemporaneidade viver, como nunca, as benesses da globalização e do progresso tecnológico, os quais se tornam disponíveis principalmente para outras camadas populacionais -os ancoradoseconomicamente, os centrados, fixados, como também paraaqueles que desfrutam da segurança do lugar e cultura que lhes são familiares. Equilíbrio, conforto, bem-estar, privilégios se veem crescentemente ameaçados no cotidiano dessas classes sociais em todo o mundo. As reflexões de Zygmunt Bauman (2017, p. 20-21) alimentam a discussão desse impasse: Não se pode deixar de notar que o súbito e copioso aparecimento de estranhos em nossas ruas não foi causado por nós nem está sob nosso controle. [...] Eles são personificações do colapso da ordem (o que quer que consideremos a "ordem": um estado de coisas em que as relações entre causas e efeitos são estáveis e, portanto, compreensíveis e previsíveis, permitindo aos que fazem parte dela saber como proceder), de uma ordem que perdeu sua força impositiva. [...] [Esses deslocados] nos tornam conscientes e nos lembram daquilo que preferiríamos nos esquecer ou, melhor ainda, fazer de conta que não existe [...] Esses nômades -não por escolha, mas por veredicto de um destino cruel -nos lembram, de modo irritante, exasperante e aterrador, a (incurável?) vulnerabilidade de nossa própria posição e a endêmica fragilidade de nosso bem-estar arduamente conquistado. (Grifos do autor). A canção "Diáspora" aborda as penúrias dos variados imigrantes contemporâneos, que desesperadamente abandonam seus países de origem em busca de melhores condições de vida. As imagens midiáticas expõem, cotidianamente, levas de deslocados da América Central que, a pé, atravessam quilômetros e quilômetros até os limitesdo México com os Estados Unidos. Eles são detidos nessas fronteiras, e, na maioria das vezes, não conseguem atravessar tais demarcaçõespara chegar ao Eldorado americano. O texto musical focaliza, principalmente, os refugiados que conseguem sobreviver à passagem pelo mar nos frágeis e inseguros botes e que ancoram nos "center shoppings" da Itália, Turquia, Grécia. Trata-se de deficitários alojamentos dos portos onde as humilhações continuam, provavelmente até de modo mais exacerbado. A inversão do conhecido sintagmashopping center -talvez queira, ironicamente, ilustrar a gritante diferença entre esses refugiados e as multidões de classes média e média alta que acorrem àqueles selecionados transatlânticos, solidamente ancorados nas cidades -os confortáveis e elegantes estabelecimentos de comércio, serviços e lazer. São conglomerados requintados, assépticos, seguros, mas artificiais, todos muito semelhantes, isolados e distanciados do universo urbano em geral e que navegam alheiamente aos infortúnios vivenciados fora dali. Trata-se de uma cidade sem história e sem identidade, inserida na urbe real que, ao longo de sua trajetória no tempo-espaço, constrói as próprias feições e jeitos inigualáveis de ser e de estar. A outra multidão está plantada em locais indignos, como pobres barcos atracados na desconfortável maré das zonas precárias da urbe real, a qual é construída pelas mãos do tempo e permite a ancoragem desses apinhados e entulhados "center shoppings". Aí se escondem os desvalidos e marginalizados do mundo contemporâneo. Focaliza-se, desse modo, o território dos expatriados, anônimos e massificados, mergulhados na baixa autoestima e expostos à indiferença e à insensibilidade generalizadas. Reforçam-se sentidos de rejeição, de sobra, de resto, leitura de certa forma possibilitada pelas reconfigurações geográficas e econômico-sociais lideradas também pelos ditames do capitalismo. Tais alojamentos e seus ocupantes são remetidos à condição de refugo da globalização. Convém observar que nem todo movimento migratório atual se irmana com os percalços e desditas das transmigrações identificadas com a "crise migratória", deslocamentos tematizados e caracterizados por Bauman e pela canção "Diáspora" e, de certa forma, também em "Iracema voou", de Chico Buarque. Anteriormente, falamos sobre a noção de topografia, em termos da relação afetivo-cultural do cidadão com o espaço de berço -a terra natal. Em outra direção, o sujeito em trânsito pode estabelecer contatos com um espaço topológico, o que vale dizer que, nessa nova relação de nomadismo, ao contrário do esmaecimento dos vínculos articulados na interação de origem, podem se apresentar liames com intuitos diferenciados. Os laços topológicos passam a se estruturar e a se corporificar sobretudo a partir "de conjuntos que se expressam pelo sentido de continuidade" ("analysis situs"), (AULETE, 1968, p. 3997). Como se verá, expõem-se sujeitos que, ao experimentar outras geografias, buscam a si e a própria essência para adaptar-se, reconstruir-se, refazer-se e edificar novos territórios sociais, econômicos, políticos, existenciais. Esboçam-se conexões regidas pelo princípio de agregação de elementos tidos, a princípio, como díspares. Nesse sentido, tal movimento migratório não se identificaria, por inteiro, com os propósitos da solidariedade possibilitada pelo grande guarda-chuva imaginado pelos sentidos do Estado Nacional. Aqui, afirma-se e solidifica-se o caráter congregante das alianças criadas pelas mobilidades de que resultam assimilações e mesclas de outra natureza. Nesses sujeitos,incorporam-se componentes pragmáticos e avanços psicológicos e existenciais que representam certo tipo de êxito, outra recompensa. Se é a globalização que, de certa forma, cria os refugos, os refugiados e os expatriados, é ela também que constrói esses elos e tais cidadãos em trânsito. Vale dizer que os desejos desses imigrantes buscam frutos desafiadores e que demandam muita determinação. Dapersistência ante os intuitos, resultam também o estabelecimento de novas ligas sociais e a construção de alteridades que instauram exercícios de desbloqueio e de desembaraço. Vivem-se, diuturnamente,experiências que se sedimentam nas interações com geografias e tempos inusitados. É nesse universo que se colocam e conquistam situações positivas os "novos nômades", descritos, caracterizados e tematizados também por Eva Hoffman, no texto "The new nomads" (1999, p. 42). Afirma a teórica: Nos anos recentes, na Europa mais marcadamente, grandes mudanças técnicas no panorama político e social têm tomado lugar, que eu penso estarem afetando bastante a noção de exílio -e de terra natal. Porque hojeo que está acontecendo é que o movimento transcultural tem se tornado até certo ponto mais norma do que exceção que por sua vez significa que deixar o país natal não é simplesmente tão dramático ou traumático como isto costuma ser. 1 Mas tampouco eles são impotentes vítimas da globalização. Em vez disso, eles são pessoas com estatura e intencionalidade, a manipular o sistema. Homens jovens, espertos, escolhem diferentes países pelas oportunas vantagens econômicas que oferecem -melhores salários, melhores taxas de juros. Quase todos retornam um pouco mais ricos e um pouco mais importantes aos olhos dos conterrâneos. Suas migrações são despojadas de tragédia se não de adversidade. (Tradução nossa). Essas mudanças resultam da globalização, do mercado,das novas políticas internacionais que, de certa maneira, passam a estabelecer as fronteiras e fazem com que certos imigrantes não experimentem tanta nostalgia diante do distanciamento da terra natal. Não se perca de vista que a ideia de "nação" é fundamental na construção não só da independência das colônias como também na estruturação e consistência dos países ocidentais, especialmente na América Latina. Os novos deslocados, ao contrário, preferem aderir, é lógico que não de modo irreversível, à "memória internacional popular" (ORTIZ, 2003, p.138-145), base de uma "cultura mundializada", fomentada também pela tecnologia de ponta, pela publicidade, pelos meios de comunicação de massa e pelos padrões econômico-culturais da contemporaneidade. Esses componentes, de certo modo, atribuem posições exponenciais ao mercado e ao consumo como novos delimitadores da cartografia, em suma, dos traçados geoeconômico-políticos do mundo atual. Esses esboços relativizam, por certo, a ideia de terra natal e de tudo que com ela se relaciona. Ganham espaço, igualmente, movimentos transculturais, e a categoriae a noção de Estado Moderno passam a se flagrar e a se ver a reboque e sob os códigos internacionais e impessoais das trocas políticoeconômicas globalizadas. Em relação a esses imigrantes, pode-se afirmar que eles resolvem se valer das regras do sistema e buscam se beneficiar das convenções vigentes: "But in recent years, in Europe most markedly, great tectonic shifts in the political and social landscape have taken place, which I think are affecting the very notion of exile -and of home. For what is happening today is that cross-cultural movement has become the norm rather than the exception, which in turn means that leaving one's native country is simply not as dramatic or traumatic as it used to be. " 2 "But neither are they powerless victims of globalization. Instead, they are people with agency and intertionality, playing the system. Smart young men choose diferente countries for the timely economic advantages they offer -better wages, better interest rates. Almost all go back, a bit richer and a bit more important in the eyes of their fellow villagers. Theirs are migrations divested of tragedy if not of adversity". seria o Estado brasileiro do qual a jovem procede, guarda relação com Iracema, "a virgem dos lábios de mel" e título do romance indianista de José de Alencar. Essa narrativa é tida como um símbolo da formação do país e povo brasileiros. Na historiografia literária brasileira, há alusão ao mito criado por aquele escritor romântico, no que concerne à junção da índia tabajara do Ceará com o português Martin, cujo filho Moacir ilustra a origem mesclada da terra e povo brasileiros. A Iracema de Chico Buarque está atenta ao mundo atual e não nutre obstinações no referente a ter de alimentar um amor incondicional e ilimitado ao Ceará natal. Como assinala Vera Lúcia Follain de Figueiredo (2000, p. 99), Iracema atravessará, por si mesma, as fronteiras e não sucumbirá ao desenraizamento. Entendeu que, no jogo da vida contemporânea, as regras não param de mudar e é preciso viver cada dia de uma vez, assumindo identidades descartáveis.Seu sacrifício, então, não será a imolação no altar da identidade nacional. Será de outra ordem, se realizará em nome de um projeto individual. Essa Iracema sabe dos riscos que corre como imigrante clandestina e ilegal, que trabalha como faxineira numa casa de chá nos Estados Unidos. Talvez receba salários bem abaixo do que deveria perceber, caso estivesse com a própria situação regularizada, bem como se dominasse o inglês, idioma do país para onde migrou e língua oficial da globalização. Ela acalenta o sonho de ser cantora lírica, mas, acima de tudo, talvez, queira fazer certa base econômica e carrega a convicção de que não conseguiria seu intento se não deixasse o Ceará e partisse ao encalço de seu propósito. Transforma-se na Iracema da América. Não só a relação com o espaço sofre alterações substanciais, na verdade, também as interações com a categoria do tempo experimentam significativos processos de adaptação. A ensaísta aqui evocada afirma: Porém hoje, pelo menos dentro do enquadramento da teoria da pós-modernidade, nós temos como avaliar exatamente aquelas qualidades de experiência que o exílio demanda. [...] O que está em jogo é não somente, ou nem sequer em primeiro lugar o exílio atual, mas nosso preferido posicionamento psíquico, por assim dizer, para nos situarmos no mundo. [...] Nós sabemos que vivemos numa aldeia global, embora a aldeia seja mais virtual de fato -uma aldeia dependente não de localização no solo, mas do que alguns teóricos chamam de desterritorialização -, isto é, o distanciamento de conhecimento, ações, informações, e da identidade de lugar específico ou de origem física. Nós nos tornamos menos ligados ao espaço, se não ainda mais livres do tempo. 3 3 p. 44: "But today, at least within the framework of posmodern theory, we have come to value exactly those qualities of experiencince that exile demands. [...]"; p. 44-45: " what at stake is not only, or not even primarily, actual exile but our preferred psychic positioning, so to (HOFFMAN, 1999, p. 44;44-45;44) # . (Tradução nossa). A princípio, observa-se que o deslocar-se do sujeito no espaço se irmanaria com uma sensação de desarrumação de si, uma vez que se instauraria um sentimento de desestruturação dos elementos garantidores da segurança disponibilizada pela identidade e pelas relações com o lugar de berço. Tempo e espaço são indissociáveis. Assim, a vivência no território de origem se alinha com o decurso do tempo, percepção que se esboça a partir da incorporação das práticas e culturas experienciadas no solo primeiro. Essas experiências bem assimiladas imprimem o sentimento de amadurecimento e do transcurso do tempo vivido, tudo atuando na construção e manutenção das identidades individual e cultural que se apresentariam como parte do todocultura e identidade nacionais. Charles Melman (1992, p. 28) observa que "[...] o lugar da nação é susceptível de desempenhar um papel importante, não negligenciável na subjetividade de cada um". Assim, a imigração, de início, executaria um processo de revolvimento e de desestabilização dos componentes fundamentais da identidade do sujeito -tempo, espaço e língua. O desafio que se coloca busca incidir no plano da instauração de novas relações identitárias, ao propor que o sujeito estabeleça outros vínculos espaçotemporais bem como o domínio do idioma do país que o recepciona, no que se refere às nuances da língua falada em termos, inclusive, de gírias. As densas transformações que as categorias do tempo e do espaço têm sofrido -encurtamento de distâncias por conta dos veículos de comunicação e dos sofisticados e eficientes meios de transporte, novos desenhos cartográficos do mundo, ou seja, configuração de um novo mapa-múndi, esboçado pelas relações sóciopolítico-econômicas regidas por leis internacionais, compressão do tempo físico, sentimento de vivência de um presente continuado, alongado, experimentado sem percepções nítidas de entrosamento com o passado e com expectativas de futuro, simultaneidade entre o acontecimento e a divulgação de imagens a ele relacionadas, entre outros aspectos,-demandam atitudes e "posicionamentos psíquicos, por assim dizer, para nos situarmos no mundo" (HOFFMAN, 1999, p. 45). Eugène Enriquez (1998, p. 46) ponderano sentido de que como determinados imigrantes "não mais desejam estar na situação de minoria, vão partir para a conquista de lugares nos quais poderão demonstrar sua competência. [...] Essa ultrapassagem speak, how we situate ourselves in the world. [...]"; p. 44: "We know that we live in a global village, although the village is very virtual indeed -a village dependent not on locality or the soil but on what some theorists call deterritorialization -that is, the detachment of knowledge, action, information, and identity from specific place or physical source. We have become less space-bound, if not free of time". só pode se operar pelo domínio do saber". No entanto, não se pode perder de vista que, a despeito de as questões pragmáticas ocuparem importantes espaços nas preocupações do imigrante, esse indivíduo deve ser olhado também como um cidadão que está distanciado de seu idioma, de seus afetos e de outras importantes referências de cunho subjetivo. Como observa Charles Melman (1992, orelha do livro), trata-se de [...] um sujeito que se desloca na estrutura, deixando para trás sua filiação e sua língua materna e buscando um lugar onde procura fundar uma outra família, uma outra ordem. [Há que se indagar] sobre a natureza dessa subjetividade, ou seja, de que sujeito se trata quando há ruptura tão radical face aos antepassados em relação aos quais se está constantemente referido e em relação a quem a subjetividade se constitui. Em suma, as representações contemporâneas buscam investir nas sutilezas vocabulares, imagéticas, nos arranjos verbais e narrativos e, sobretudo, nas cativantes temáticas com que se realiza o mergulho nos universos recônditos dos personagens e dos movimentos migratórios.Contardo Calligaris (1992, p. 11-12), afirma que "por não ser individual, mas aparentemente coletivo ou efeito de vivências coletivas, [o fenômeno migratório] não afeta menos o que há de mais singular em cada um". # II. palavra narrada, lembranças nostálgicas, inovações romanescas O autor do conto "Gringuinho", como imigrante, não repete a situação-clichê do escritor deslocado que, logicamente, domina a língua de origem e se defronta e se choca ante o idioma estrangeiro. Samuel Rawet veio criança para o Brasil, aqui chegando em 1936, juntamente com a família polonesajudia, entrando em contato desde já com a língua portuguesa. Esses migrantes instalam-se no subúrbio carioca, em cujas ruas o garoto aprende "a língua falada do povo",o que "vinha da boca do povo na língua errada do povo / Língua certa do povo / Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil" (BANDEIRA, 1988, p. 106). O préadolescente familiarizara-se, inclusive, com a gíria, em última análise, convivera com variações linguísticas que tanto o enriquecem, conforme o próprio depoimento. Eles cruzam o Atlântico de navio em busca de melhores condições de vida na América. A família deseja também se distanciar das perseguições nazistas ao povo judeu, as quais já se faziam presentes no Velho Mundo, principalmente no Leste Europeu. Na trajetória de Rawet, observa-se que ele se naturaliza como brasileiro, gradua-se em Engenharia Civil, atua como engenheiro calculista no planejamento dos prédios públicos iniciais de Brasília. A primeira produção literária, Contos do imigrante, é publicada em 1956, quando ele tinha 27 anos de idade. Samuel Rawet seria o imigrante que incorporara elementos inerentes à relação topológica, no que concerne, especialmente, ao domínio da língua do país que o acolhe, quadro bem distanciado do protagonista da narrativa em estudo, como se verá. O conto "Griguinho", integrante da publicação inicial, traz no título um diminutivo, variação nominal que assume importantes papéis na língua portuguesa, uma vez que se apresenta como inquestionável recurso de expressividade. Os diminutivos confirmam e reforçam a pluralidade imagística da língua, pois sua presença, que pode ser vista, a princípio, como despretensiosa, costuma realçar aspectos de pequenez, de desfaçatez de significações negativas e até pejorativas, ironias mordazes e agressivas, ambiguidades sutis,mas também carinho, afetividade, compaixão, entre outros sentidos. Luís Fernando Veríssimo, em "Diminutivos" (2019) crônica contagiante e bem humorada, destaca os sentidos subentendidos e as dubiedades desse grau do substantivo e do adjetivo. O cronista lembra que outras línguas -francês, italiano, espanhol falado no México -igualmente se valem desse farto manancial que carregam no próprio bojo. A crônica reforça o poder da palavra e, principalmente, as enriquecedoras matizações da linguagem humana em geral. O título da narrativa estampa, desde já, o caráter zombeteiro e destrutivo com que o protagonista é referido na escola que o recebe. O tratamento ocorre não só por ser imigrante, mas também por certa estranheza com que ele se apresenta, talvez por conta de sua profunda nostalgia, como será discutido. A palavra gringo costuma ser usada como referência ao estrangeiro, principalmente, o europeu e o americano, por causa da cor de suas peles. Na narrativa, muito mais de que uma referência ligada à raça, o diminutivo traduz e ressalta a ironia e a agressividade presentes no tratamento dispensado ao imigrante em foco. Não por acaso, esse designativo nominal aparece grafado com letra minúscula e em itálico. Busca-se destacar bastante esse registro incomum na língua portuguesa. Como em outra narrativa da antologia -"Réquiem para um solitário" -, nem o protagonista nem os familiares são identificados por intermédio de nomes próprios. Haveria, por assim dizer, certo caráter de desfazimento da individualização do estrangeiro, que, olhado de modo anônimo e massificado, seria apenas um imigrante -um gringuinho -, não merecendo ser invocado por meio do nome próprio personativo. Ante toda essa situação, o garoto se isola no silêncio de si mesmo e até preferiria essa saída. Julia Kristeva (1994 O protagonista do conto é focalizado por meio do fluxo de consciência, mecanismo através do qual se procede à ligação entre os fatos do mundo do "eu" com os fatos vivenciados na escola e em sua casa. Isso se consubstancia na narrativa por intermédio de uma linguagem sincopada, fragmentada, entrecortada por referências identificadas ora com o passado, ora com o presente, como será visto. Trata-se [...] de um caminho feito através da consciência, cujo instrumental de percepção é acionado pela memória, sentimentos e sensações. Todos estes três criadores demonstram, em realizações singulares, a necessidade de descrever a vida interior, seus problemas e a forma pela qual se [faz] o trânsito entre o Eu mais profundo e a vida social. [...] Invertendo o nível da comunicação racional e controlada de um personagem tomado como unidade reflexiva, abre mão da análise psicológica e penetra nos domínios mais indevassados das manifestações psíquicas, na fluidez contínua das sensações, fantasias e aspirações, a fim de desvendar os fatos da consciência em contato com os fatos sociais, ambos de percepção fragmentária -a atomização da realidade convoca o indivíduo a valer-se de um enfoque cada vez mais subjetivo. (BRAYNER, 1979, p. 178; 180) (Grifos da autora). A retratação do fluir da consciência, ao expor os conflitos e o sofrimento do garoto, intenta, se não desenhar sua identidade, ao menos preservar sua individualidade espedaçada numa sociedade igualmente desfigurada. Esse aspecto se superdimensiona quando se apontam momentos e imagens dos conflitos de um menino nostálgico, solitário, isolado, inclusive no seio familiar, e entregue a dificuldades e preconceitos por ser diferente do restante do grupo eum imigrante não integrado ao país onde se instala. A cor de pele destoante em relação ao padrão brasileiro, que resulta da mestiçagem, eprincipalmente o comportamento incomum em relação aos demais integrantes da classe -seu jeito arredio de serintensificam e reforçam a impaciência dos colegas e até da professora. A tudo isso, o pequeno imigrante reage com o silêncio, calar-se apresenta-se como sua resposta. A mudez aumenta, sobremaneira, a intolerância dos colegas e da professora, a qual exige que ele fale, que ele responda a seu questionamento. Como observa Julia Kristeva (1994, p. 24), para o estrangeiro, [...] o silêncio não lhe é somente imposto, ele está em você: recusa de dizer, sono preso a uma angústia que quer permanecer muda, propriedade privada de sua discrição orgulhosa e mortificada -luz cortante, esse silêncio. Nada a dizer, vácuo, ninguém no horizonte. [...] Nada é para ser dito, nada é dizível. A irritabilidade dos colegas e da professora cresce diante da ausência de reação do préadolescente, atitude ou não atitude, por certo, diferentes daquelas que eles teriam ante tal situação. A tolerância pode ser posta à prova diante do tamanho da resistência do Outro, a qual pode me desafiar. Catarina Koltai (1998, p. 110) alerta que "não há nada mais estrangeiro para o sujeito que sua própria anterioridade. O modo como se lida com a própria estrangeiridade pesa na hora de definir o outro como estrangeiro". Os alunos da escola avaliam e buscam enquadrar aquele imigrante, levando em conta os padrões, valores e códigos, em suma, as normas que regem seus comportamentos. No conto, o garoto fora qualificado e taxado como esquisito, diferente, a partir da professora e colegas de classe, todos ancorados, amparados, regulados, pois são filhos do próprio país. Os nativos visualizam como estranho aquilo que não se enquadra em seus padrões normativos e reguladores das práticas sociais ali reinantes. O desapreçoa essas regras gera um desapontamento insustentável, que aumenta, sobremaneira, a diferença e a estranheza com que o garoto é olhado e tratado. E mais uma consideração de Catarina Koltai (1998, p. 107) merece ser realçada: "o próprio traço identificatório que faço meu acarreta uma divisão entre semelhantes na medida em que exclui os não semelhantes. [...] A unidade do grupo se estrutura por considerar inimigos, logo estrangeiros, os que permanecem fora do grupo." O fato de Samuel Rawet ter vindo ainda criança para o Brasil faz com que o português seja não só seu idioma adulto como também a língua da produção literária. Rawet, como já foi apontado, não estaria exposto à situação de desconforto do imigranteescritor, dividido entre duas línguas. Certo domínio do idioma que o recepciona, com cujas nuances as recriações são elaboradas, permite-lhe fazer adesões aos processos de inovação que a modernidade e a contemporaneidade vêm instaurando também no campo das representações literárias. Entre as transformações estéticas incorporadas pela narrativa, a linguagem ocupa uma posição importantíssima, uma vez que "deixa de ser o meio através do qual vemos e transforma-se no que vemos" (BRADBURY;FLETCHER, 1989, p. 324). Na narrativa contemporânea,a linguagem será sempre questionada e discutida, pois, como instrumento nomeador das questões existenciais dos personagens, assumirá a feição de um personagem problemático. Esse protagonista é espelho e reflexo de um mundo igualmente complexo, expresso por recursos linguísticos que possibilitam e desencadeiam profundos mergulhos nos misteriosos meandros da consciência, sem deixar de retratar em profundidade a vida objetiva em geral. Buscando estabelecer certa adesão a aspectos inovadores, as narrativas da antologia Contos do imigrante (RAWETT, 1998) elaborariam novas articulações entre realidade e expressão. Esboça-se a sustentação da teoria de que a literatura também reflete a desconexão entre indivíduo e sociedade,aspecto que se efetiva por meio do desenho da impossibilidade de conciliação entre práticas do mundo social "Gringuinho", "Diáspora", "Iracema Voou: Narrated Exile, Sung Exiles Volume XIX Issue IV Version I O desalinho ser versus sociedade viria a caracterizar a modernidade e contemporaneidade da obra, conforme observações de João Alexandre Barbosa (1983, p. 21 e seguintes). Segundo o teórico, já o modernismo na literatura brasileira carece ainda de uma explicação essencial, levando-se em conta o que poderia ser caracterizado como moderno, ou seja, seria necessário discutir que elementos instaurariam um movimento de ruptura em relação ao modelo literário oitocentista -o realismo-naturalismo em que se destaca a mimese de caráter documental. Modernos, segundo Barbosa, seriam aqueles textos ou autores que, mesmo anteriores ao romantismo, deixam entrever alguns dos elementos que, então, passam a servir como caracterizadores de composições literárias atuais. Em última análise, afirma o ensaísta, um sinal que permite que uma obra seja caracterizada e etiquetada como moderna é o modo de articulação entre literatura e realidade, ou a maneira como esta inter-relação se efetivaria. Há um processo desarticulador evidenciado no nível de construção, de composição e de expressão como resultado do descompasso entre indivíduo e história.Em suma, o autor ou texto moderno, independentemente do momento de produção, seriaaquele que leva, para o princípio da composiçãoe da expressão, um elemento que desvincularealidade e representação, praticando, assim, reformulações e rupturas com os modelos realistas e com o tipo de mimese que os caracteriza.A obra moderna reflete o desconcerto entre o indivíduo e a sociedade e expõe a ruptura essencial entre estas duas instâncias, ressaltando, sobretudo, a desarticulação que marca e reduz o homem na história, conclui Barbosa. Evidenciam-se a incomunicabilidade e a impossibilidade de conciliação entre a vida pessoal e as formas de organização do mundo. Essaincongruência se manifestaria no conflito entre sujeito e objeto, em consonância com o trabalho de elaboração da linguagem, que, em última análise, a narrativa elege como proposta básica de investigação e como reflexo daquele descompasso. A janela lembrava-lhe a rua, onde se sentia melhor. Podia falar pouco. Ouvir. Nem provas nem arguições. O apelido. Amolava-o a insistência dos moleques. Esfregou ante o espelho os olhos empapuçados. Ontem rolara na vala com Caetano após discussão. Atrapalhou o jogo. O negrinho cresceu em sua frente no ímpeto de derrubá-lo. Gringuinho burro! [...] A lição não a faria. Voltar à mesma escola, sabia impossível também. Por vontade, a nenhuma. (RAWET, 1998, p. 48). Os sintagmas nominais e as frases curtas e incisivas acima transcritas são exemplos que ilustram a construção de quadros descritivos e narrativos tradutores de pensamentos identificados com a solidão, tudo se aliando para compor estados emocionais do protagonista. O rompimento, o desfazimento de certa sequenciação articulada do pensamento, ordenamento que se observa com mais clareza por meio das frases verbais bem estruturadas, se irmana, intimamente, com a restrição à mimese de caráter documental. Principalmente na obra primeira de Rawet, tal distanciamento gera certo desconforto no leitor acostumado com técnicas narrativas consagradas, enredos ordenados e cativantes e personagens bem delineados psicologicamente. Numa rota contrária, observam-se no texto aspectos lacunares, espedaçados, fragmentários, descontínuos, construções em ordem inversa, em suma, pausas, quebras e interrupções que expõem e produzem a construção do sentido de mimese em si mesma, como fruto de um jogo verbal e de um engendramento a partir da manipulação da linguagem e de suas nuances. Instaura-se certo afastamento da preocupação documental e o sentido da mimese se efetiva nas entrelinhas e subterrâneos do texto. Essa proposta estética também faz com que Samuel Rawet seja considerado uma das referências na renovação do conto na literatura brasileira, como destaca Assis Brasil (1975, p. 67): A crítica tradicional, alicerçada em valores tidos como "consagrados", não encontrava em Contos do imigrante as costumeiras indicações da elaboração técnica do gênero entre nós. E mais: alinguagem deixava também de ser apenas veículo para a formalização de ideias ou "condução" de enredos, e passava a ser "personagem", passava a ser parte globalizante da criação. Ou melhor, o artista passava a criar através da linguagem -os recursos linguísticos não mais estavam somente a serviço de um estilo, de um certo modo de escrever bem, e sim em função do mundo a ser criado como expressão. Outro aspecto narrativo adotado por Rawet pode ser olhado como uma inovação na narrativa brasileira. Trata-se de um suporte que, a princípio, parece eliminar a figura do narrador. Na verdade, ele se disfarça e se oculta, valendo-se do modo como as informações são transmitidas ao leitor. Há, assim, uma simulação em termos de que o conhecimento seria oriundo do personagem, já que a retratação e exposição dos próprios juízos, percepções, sentimentos, emoções parecem brotar de sua mente. O enunciador seleciona os acontecimentos e faz com que eles se manifestem na consciência do personagem, empregando a chamada "técnica do refletor". Trata-se de um mecanismo que faz com que o evento apareça refletido no fluxo do pensamento do personagem, enquanto o enunciador se resguarda por meio de uma suposta postura de neutralidade. Este moderno procedimento, criado por Gustave Flaubert e experimentado, inicialmente, no romance Madame Bovary, dota o texto de efeitos convincentes, uma vez que há uma aproximação efetiva entre o leitor e o mundo interior do personagem, universo exposto agora com mais veracidade. A narrativa destoa no referente aos focos narrativos conhecidos; não se configura, por exemplo, a condução dos fatos e relatos sob a liderança do personagem narrador, foco de primeira pessoa, como a princípio poderia parecer. Na verdade, o enunciador faz com que os acontecimentos se manifestem na mente daquele personagem, valendo-se da técnica narrativa já explicitada. A consciência do protagonista reflete sobre tudo e todos, colocando o leitor a par das questões, enquanto o enunciador, o verdadeiro narrador e condutor dos relatos prefere se ocultar. O pré-adolescente vivencia um contato significativo com o tempo-espaço da Polônia natal -"antigamente, antes do navio" (RAWET, 1998, p. 48). Incluindo os protagonistas das narrativas "O profeta" e "A prece", igualmente integrantes da antologia Contos do imigrante,Stefania Chiarelli (2007, p. 130) observa que os três personagens estão "condenados à ideia de felicidade que reside no passado, [...] e buscam reatualizar, no presente, rituais que remetem a um tempo em que se julgavam mais felizes e em segurança. Esse sentimento de inadaptação é a tônica dos três contos". A dificuldade de adaptação do garoto estaria relacionada com o sentimento nostálgico que se explicita, no caso, por meio da obstinada fixação e do lamento ante as perdas do que foi prazerosamente vivido anteriormente. Não há a integração ao presente para que ocorra a necessária recomposição do eu. A centralização no passado vivido na terra natal ocupa espaços superlativos, impedindo-lhe a aquiescência ao momento atual. A nostalgia se irmana com a relutância em desvincular-se do espaço topográfico da Polônia natal, levando-se em consideração tudo que isso significa. Não se teria instalado a necessária desterritorialização para que as relações topológicas ganhassem espaço e consistência, ou seja, não se esboça o desfazimento do território anterior para que se funde "uma outra família, uma outra ordem" (MELMAN, 1992, orelha do livro). As noções de "melancolia" e de "nostalgia", que se interligam com a experiência temporal e com a memória costumam ser empregadas como sinônimas, mas há diferenças fundamentais: "a melancolia [decorre] de uma perda ideal, proveniente menos do vivido que do imaginado. É antes a saudade do que não se teve, sendo a nostalgia a saudade do que se teve. Assim, a nostalgia é histórica; a melancolia é mítica" (VIANA, 2004, p. 22). O sentimento nostálgico relaciona-se com uma perda identificada e caracterizada. O sujeito anteriormente viveu a experiência de cuja ausência brota o atual sentimento de saudade e, às vezes, de desânimo, daí o caráter histórico da nostalgia. É dessa perda não elaborada que brota as dificuldades ante o tempo-espaço atual. # III. Breve Conclusão No mar de ambivalências e de tão pouca harmonia em que os imigrantes se veem, seriam necessárias a abdicação da nostalgia da terra natal e a reflexão sobre a diversidade de situações com que eles se deparam, as quais ultrapassam as relações topográficas vivenciadas no território de origem. A partir de um pensamento bastante oportuno sobre as migrações contemporâneas e levando em conta, sobretudo, a América Latina, exatamente o Peru, Cornejo-Polar (1996, p. 841) observa que sua hipótese "se fundamenta na suposição de que o discurso migrante é radicalmente descentrado, enquanto se constrói em torno de eixos variados e assimétricos, de algum modo incompatíveis e contraditórios de um modo não dialético" 4 identifica com o jogo passado e presente tão comumem grandes narrativas de foco narrativo de primeirapessoa. Não se trata do foco próprio de relatos em queo narrador-personagem conduz as reflexões diante dosacontecimentos que integram sua trajetória. Ametamorfose existencial concederiaao protagonista apossibilidade de comentar e relatar hoje fatos com quese envolvera anteriormente. Tudo seria lido e avaliadocom o olhar amadurecido pela passagem do tempo. Naduplicidade temporal, segundo João Luiz Lafetá (1981,p. 209),[...] existem representados o tempo do enunciado (oseventos que ocorreram na vida [do protagonista]) e oYear 2019tempo da enunciação (o momento em que se faz o relato [daqueles fatos]). A duplicidade está ligada ao problema do ponto de vista narrativo. O [texto] é narrado em primeira pessoa, por um eu protagonista que, distanciado no tempo, abrange com o olhar toda16sua vida e procura recapitulá-la contando-a para si e para nós, leitores.Volume XIX Issue IV Version IO personagem principal do conto não disporia do afastamento temporal e da experiência existencial que lhe permitiriam percorrer com olhar crítico a própria trajetória.( C )Como foi dito, o protagonista vive a solidão que-Global Journal of Human Social Sciencese identifica com a nostalgia diante das lembranças do passado, em comparação com o desalento do momento existencial de agora. Buscando fugir do quadro sufocante, na rua -espaço no qual ele vivencia certo alívio das tensões -, a caminho do armazém onde vai comprar as cebolas para a mãe, ele fantasia um futuro bem diferente do seu estágio de vida atual. Imaginando-se já homem e, talvez, com poder suficiente para reverter tudo que o incomoda agora, entrega-se ao desejo de que essa época chegue logo. Não deixa de relacionar, no entanto, o momento vindouro com as lembranças do passado, trechos que constituem o final do conto: "Quando atravessou o portão acelerou a marcha impelido pelo desejo de ser homem já. Julgava que correndo apressaria o tempo. Seus pés saltitavam no cimento molhado, como outroradeslizavam, com as botinas ferradas, pelo rio gelado noinverno" (RAWET, 1998, p. 51).© 2019 Global Journals "Iracemavoou"(Chico Buarquede Holanda)Iracema voouCom um mímicoPara a AméricaAmbiciona estudarLeva roupa de lãCanto líricoE anda lépidaNão dá mole pra políciaVê um filme de quando em vezSe puder, vai ficando por láNão domina o idioma inglêsTem saudade do CearáLava chão numa casa de cháMas não muitaTem saído ao luarUns dias, afoitaMe liga a cobrarÉ Iracema da AméricaYear 2019"Diáspora"( C )"Acalmou a tormenta Pereceram Os que a estes mares ontem se arriscaram E vivem os que por um amor tremeram E dos céus os destinos esperaram" Atravessamos o mar Egeu Um barco cheio de fariseus Como os cubanos Sírios, ciganos Como romanos sem Coliseu Atravessamos pro outro lado No Rio Vermelho do mar sagrado Os center shoppings superlotados De retirantes refugiados(Tribalistas)Meu irmão sem irmã O meu filho sem pai Minha mãe sem avó Dando a mão pra ninguém Sem lugar pra ficar Os meninos sem paz Onde estás, Meu Senhor Onde estás? Onde estás? "Deus! Ã?" Deus! Onde estás que não respondes? Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes Embuçado nos céus?Global Journal of Human Social ScienceYouHá dois mil anos te mandei meu gritoWhere are you?Que embalde desde entãoWhere are you?Corre no infinitoWhere are you?Onde estás, Senhor Deus?"Onde está© 2019 Global Journals © 2019 Global Journals "[Mi hipótesis primaria] tiene que ver com el supuesto que el discurso migrante es radicalmente descentrado, en cuanto se construye alrededor de ejes varios y assimétricos, de alguna manera incompatibles y contradictorios de um modo no dialéctico" (Grifo do autor). * />. AcessoEm * Dicionário contemporâneo da língua portuguesa. 2 CaldasAulete Rio de Janeiro: Delta, 1968. 5. v * Estrela da vida inteira. 15 ManuelBandeira Rio de Janeiro: José Olympio 1988 * O livro do seminário: 1ª. Bienal Nestlé de Literatura JoãoBarbosa Alexandre PROENÇA FILHO L/R Editores 1983 A modernidade no romance * Estranhos à nossa porta. Tradução de Carlos Alberto Medeiros ZygmuntBauman 2017 Zahar Rio de Janeiro * Tradição e renovação da literatura brasileira: 1880-1920 SoniaBrayner Civilização Brasileira; Brasília: INL Rio de Janeiro 1979 Labirinto do espaço romanesco * Rio de Janeiro: RCA Victor: BMG ChicoBuarque De Holanda Iracema Voou CHICO BUARQUE: As Cidades 1998. 2019 2 20 Letra disponível em * Tradução de Rosane Pereira ContardoCalligaris Apresentação MELMAN, Charles. Imigrantes: incidências subjetivas das mudanças de língua e país São Paulo 1992 * Una heterogeneidad no dialéctica: sujeto y discurso migrantes en el Perú moderno AntonioCornejo-Polar Revista Iberoamericana: Crítica Cultural y Teoría Literaria Latinoamericanas 1996 v. 62, n. 176/177, número especial * Tradução de Eliana Borges Pereira Leite EugèneEnriquez Judeu Como Figura Paradigmática Do Estrangeiro Escuta: FAPESP KOLTAI, Caterina ( 1998 Org.). O estrangeiro * Revisitando os mitos românticos da nacionalidade VeraFigueiredo Lúcia Follain De em: 10 maio 2015 ALCEU, Rio de Janeiro * John;Fletcher MalcolmBradbury BRADBURY Malcolm * Modernismo: Guia geral. Tradução de Denise Bottmann James(Mcfarlane Org Companhia das Letras São Paulo 1989 * Letters of transit: reflections on exile, identity, language, and loss EvaHoffman ACIMAN, André 1999 The New York Press: The New York Public Library New York The new nomads * A segregação, uma questão para o analista CaterinaKoltai KOLTAI, Caterina (Org.). O estrangeiro. São Paulo: Escuta: FAPESP 1998 * Estrangeiros para nós mesmos. Tradução de Maria Carlota Carvalho Gomes. Rio de Janeiro: Rocco JúliaKristeva 1994 * Posfácio: O mundo à revelia JoãoLafetá Luiz Record RAMOS, Graciliano. São Bernardo. 38. ed, Rio de Janeiro 1981 * Imigrantes: incidências subjetivas das mudanças de língua e país. Tradução de Rosane Pereira CharlesMelman 1992 Escuta São Paulo * RenatoOrtiz Mundialização E Cultura. São Paulo 2003 Brasiliense * Contos do imigrante. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro SamuelRawet 1998 * SamuelRawet _____. Contos do imigrante. 2 Gringuinho _____. Contos do imigrante. 2 1998 * LuísVeríssimo Fernando Diminutivos Nosso Mundo -Literatura Rio De Janeiro Nce/Ufrj Em 2018 25 * ChicoViana Francisco José Gomes Correia * O rosto escuro de Narciso: ensaios sobre literatura e melancolia Melancolia: sentido e forma Chico (Org.; João Pessoa 2004 Idéia * Anexo: Letras de "Diáspora" e "Iracema voou