The Twilight and Eclipse of Literature in the School of Paper: Manufactured Tensions and Newartisanal Nuances O Crepúsculo e o Eclipse da Literatura na Escola de Papel: Tensionamentos Manufatureiros e Nuances Neoartesanais

Table of contents

1.

apresentamos nuances, matizes que vislumbram práticas situadas e criativas para o ensino da literatura na nova instituição educacional emergente, a Escola Neoartesanal.

Com relação ao aporte teórico-metodológico, esta investigação é de abordagem qualitativa, de natureza básica, de procedimento bibliográfico. De acordo com Severino (2017, p. 137) "A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses etc." Os principais aportes teóricos lidos, examinados e interpretados foram Alves (2006), que trata da produção da escola pública contemporânea (artesanal, manufatureira, dualista e única); Morais (2020) e Morais e Ribeiro (2022), que abordagem a natureza da Escola de Papel; Cosson (2014Cosson ( , 2014aCosson ( , 2020)), Lajolo (2005), Soares (1999), Zilberman (2010) e Rezende (2013), que discutem e propõem o ensino de literatura na escola.

Este texto está organizado em três principais seções, além desta Introdução, da Conclusão e Referências. Na seção denominada Da Celulose do Eucalipto à Gênese da Escola de Papel, definimos esta unidade de ensino e caracterizamos as práticas pedagógicas que imperam em seus espaços. A seção A Gênese da Escola de Papel e as Escolas Artesanal, Manufatureira, Dualista e Única situa o surgimento dessas instruções públicas desde a antiguidade clássica, passando pelo feudalismo, revolução industrial, escolanovismo até a contemporaneidade. A seção A produção do Ensino de Literatura no Interior das Escolas: da Artesanal à Neoartesanal, subdividida em duas partes (Tensionamentos manufatureiros no ensino de literatura: do leitor ao aluno; Nuances Neoartesanais no ensino de literatura: do aluno ao leitor) é destinada às discussões sobre o ensino de literatura nesses contextos de ensino a partir das metáforas crepúsculo, eclipse e amanhecer, com o intuito de mostrar o movimento da abordagem tradicional com foco no aluno e da perspectiva neoartesanal com foco no leitor personalíssimo.

2. I. Da Celulose do Eucalipto à Gênese da Escola de Papel

As industrias transformadoras de celulose em papel têm produzido uma variedade de lâminas de fibra de vegetal, constituídas por diversas cores, formatos, texturas, espessuras, cheiros, sons, gramatura. O papel, até ser constituído como tal, para ganhar forma, beleza e funcionalidade (escrever, desenhar, embrulhar, limpar, enxugar, brincar...), passa por um processo fabril. Das exuberantes plantações enfileiradas de eucaliptos, cujas madeiras têm primazia na fabricação de papel, às fileiras de transportes em direção às fábricas, onde são descascadas e picadas. Para se formar a pasta de celulose, os pedacinhos triturados são colocados em tanques para cozinhar com adição de substâncias químicas. Depois de lavada para retirar as impurezas, a massa é levada para uma mesa plana com esteira rolante, que irá transformá-la em uma folha contínua e lisa. Na sequência, grandes rolos prensam, retiram o excesso de água, compactam e alisam o papel que, enrolado e cortado em bobinas, fica pronto para abastecer o mercado. A árvore de eucalipto, pela sua verticalidade e copa altíssima, e o papel, pela sua textura e formatos, constituem materiais vegetais de rara beleza. No entanto, ambos, transformados em/de madeira morta, grosso modo, padecem de males idênticos:

fragilidade, descartabilidade, rápida decomposição.

O termo 'Escola de Papel' é constituído de um substantivo (escola) e um adjunto adnominal (de papel), que tem a função de caracterizar o substantivo. O núcleo desse adjunto (papel) exerce a função de adjetivo. Para este artigo, no âmbito da leitura e ensino de literatura, o qualificador 'papel', embora nele resida uma dualidade (beleza e fragilidade), é tomado em referência a práticas metodológicas e pedagógicas frágeis, tradicionais, inócuas, que aviltam o leitor e o próprio texto literário, que esterilizam o conhecimento e prazer decorrentes da leitura de literatura, prevalentes em inúmeras escolas públicas brasileiras. A Escola de Papel existe na realidade e está em todo lugar, diferente das 'Cidades de Papel', que são definições geográficas de um lugar que só existe no mapa traçado pelos cartógrafos.

Para caracterizar essas práticas de ensinagem frágeis no campo do ensino e leitura de literatura, o termo Escola de Papel foi cunhado nos estudos de Morais (2020), retomado em Morais e Ribeiro (2022) e, neste artigo, expandido. Para os autores, a Escola de Papel não promove o encanto pela leitura de literatura, resultando no afastamento de leitores em potencial da roda em torno da fogueira milenar da leitura. Na leitura realizada nesse espaço, não se ouve a voz, as experiências dos estudantes em interação com o texto literário. Raras intepretações são autorizadas. Na escola de papel, o professor criativo é engessado, seguindo as orientações e pressões do sistema/currículo tradicional de ensino. A narrativa dos números (preenchimento de fichas de leitura para arquivo na biblioteca; leitura de obras para o vestibular e provas bimestrais) é anunciada em bom tom nos corredores da escola. A biblioteca na escola de papel é, além de pobre em acervo de literatura, intocável, vigiada por professora em fim de carreira. Na escola de papel, o livro didático, constituído de inúmeros fragmentos de obras de literatura, tem primazia nas práticas de leitura e escrita. Como pontua Soares (1999), escolarizado de modo inadequado, o texto literário vira pretexto para abordagens microgramaticais.

A escola de papel deixa uma memória trágica da leitura, desprovida de sabor, em alunos egressos das séries finais e do ensino médio. Petit (2009, p. 39), ao relatar as experiências das animadoras do projeto A Cor da Letra com jovens de favelas no Brasil, a nosso ver, egressos de escolas de papeis, afirma que 'não é fácil transmitir o gosto pela leitura aos adolescentes, especialmente quando eles crescem nos meios populares'. Continua a autora, no momento em que as animadoras chegaram nas comunidades faveladas e 'começaram a tirar livros da mochila, muitos jovens se decepcionaram ou ficaram desconfiados. Tais objetos eram desprovidos de sentido; esses jovens só tinham conhecido a leitura na escola, o que não lhes trazia boas lembranças'. (MORAIS; RIBEIRO, 2022, p. 280).

Dilemas e tensões na escola de papel refletem na formação de leitores e nas evidências e usos que fazem da leitura nas diversas situações de interações sociais. A escola de papel contribui, decisivamente, para o apagamento das luzes, do prazer e da fruição que a leitura pode proporcionar (BARTHES, 1987). Práticas de leitura literária desencantadoras instauram o desprazer pelo ato de ler, por toda a vida, na grande maioria dos estudantes brasileiros. A escola de papel não promove a paixão pela leitura, pois, segundo Kleiman (2013), a atividade árida e tortuosa da leitura nesse ambiente é baseada na decodificação (composta de uma série de automatismos de identificação e pareamento das palavras do texto com as palavras idênticas em perguntas e comentários sobre o 'fragmento' lido); na avaliação (aferimento da capacidade de leitura; leitura em voz alta com enfoque na forma, pronúncia, pontuação, ritmo); e na concepção autoritária de leitura (interpretação autorizada: a contribuição do estudante e sua subjetividade e experiência são dispensáveis).

3. II.

A Gênese da Escola de Papel e as Escolas Artesanal, Manufatureira, Dualista e Única A decadência do feudalismo em meados do século XVII reflete no interior da Escola Artesanal. O modo de produção feudal vai cedendo lugar ao modo de produção fabril, manufatureira, do capitalismo, cuja consolidação vai se efetivar no século XIX. Nos espaços de instrução pública, o trabalho didático, espelhado na produção manufatureira, supera o modelo do preceptorado e, com a proposta a partir da obra Didática Magna de Comenius, ancorada na ideia da divisão do trabalho do capitalismo, passa a se organizar sob a égide do ensino simultâneo, por meio de uma nova ferramenta, o livro didático (ALVES, 2006).

Em oposição à Escola Artesanal, a manufatureira é caracterizada pelo ensino simultâneo e mútuo, pela divisão do trabalho, pelo uso do manual didático, pela substituição do mestre artesanal pelo professor manufatureiro, pela nova relação distanciada do educador-estudante. Na produção manufatureira, o processo educacional reúne os professores em uma oficina comum, a sala de aula escolar. Cada professor, como que em torno de uma esteira fabril, pela divisão disciplinar, realiza uma etapa da formação/produção dos alunos, além de não ser mais responsável pela formação integral do produto, o educando. A manufatura (sistema educacional) tem um controle rígido sobre os professores e lhes cobra bastante lucro, bons escores nas avaliações, sobretudo externas, as chamadas 'narrativas dos números' (cf. HAMILTON, 2012).

Logo, o educador morávio pressupunha uma organização para a atividade de ensino, no interior da escola, que visava equipará-la à ordem vigente nas manufaturas, onde a divisão do trabalho permitia que diferentes operações, realizadas por trabalhadores distintos, se desenvolvessem de forma rigorosamente controlada, segundo um plano prévio e intencional que as articulava, para produzir mais resultados com economia de tempo, de fadiga e de recursos. (ALVES, 2006, p. 73).

O professor manufatureiro, no ensino simultâneo e fabril, deixou de atender de forma personalizada seus estudantes, pois agora era necessário dar atenção a um contingente bem maior, dispostos em fileiras na sala de aula. A difusão da simultaneidade do ensino, no transcurso da primeira metade do século XIX, pretendia assegurar a realização de uma escola para todos, já defendida por Comenius no século XVII. Entretanto, conforme Alves (2006, p. 100), como "não existiam professores em número suficiente para dar conta dessa tarefa", os educadores ingleses, Lancaster e Bell, pensaram a alternativa do ensino mútuo, no qual alunos mais adiantados (os monitores, que supervisionam as atividades de uma classe; e os decuriões, que transmitiam conhecimentos a um pequeno grupo de colegas) auxiliariam no ensino dos demais.

A Escola Manufatureira barateou os seus serviços educacionais, ao suplantar o preceptorado pelo professor comum/especializado, ao transformar os instrumentos de trabalho do educador artesão que, resistindo, procurava se adaptar a esse formato de produção fabril (alternando o uso de obras clássicas e compêndios didáticos), simplificado pelo uso do manual didático (que servia professor e estudante em tempo integral). Com a suplantação do preceptorado, a implantação da didática do uso do manual e o barateamento dos serviços educacionais, qualquer homem mediano, cultural e cientificamente, passaria a ensinar e o preceptorado, não resistindo à suplantação, seguiria outra carreira profissional. Simplificação, objetivação do trabalho, especialização pelo manual didático e desqualificação do trabalhador cristalizaram a crise da Escola Manufatureira. O conhecimento culturalmente significativo cultivado na Escola Artesanal ficou fora da Escola Manufatureira. Assim como o copista fora suplantado historicamente por Gutenberg, o sábio fora superado pelo professor manufatureiro.

O primeiro, um sábio que, na condição de preceptor, realizava um trabalho complexo, desde as operações correspondentes à alfabetização até a transmissão das noções humanísticas e científicas mais elaboradas, cedia lugar ao professor manufatureiro, que passava a ocupar-se de uma pequena parte desse extenso e complexo processo. (ALVES, 2006, p. 80).

O professor fabril é uma decorrência da manufatura, da força do trabalho, do modo de produção capitalista, da qualificação profissional tecnicista moderna. Com efeito, esse trabalhador tornou-se um mero especialista na aplicação de manuais técnicos e instrumental, resultando na limitação de sua atuação e criatividade. Se o professor manufatureiro se enquadra no paradigma da produção do capital, a sua clientela, de igual modo, é preparada para o trabalho fabril, para o mercado. A formação humana e integral ficaria em segundo plano. Há muitos defensores da Escola Manufatureira como necessária à formação do trabalhador, em atendimento às demandas imediatas do mercado:

Ainda até mesmo algumas obras influenciadas pelos estudos marxistas manifestam-se contaminados por essa preocupação e têm gasto muita tinta no sentido de evidenciar como a escola, através da reprodução da força de trabalho ou da qualificação do trabalhador, é essencial para o aumento da produção de mais-valia relativa. (ALVES, 2006, p. 142, grifos do autor).

O modo de produção manufatureira surgido no limiar da decadência do feudalismo e início da Revolução Industrial no século XVIII contribuiu para a instalação da Escola Dualista: uma para os filhos dos trabalhadores (profissionalizante, força de trabalho para operar máquinas, sob a lógica da mais-valia, a serviço do capital); e outra para os filhos dos dirigentes da sociedade (fundada nas artes liberais e nas ciências modernas). A escola manufatureira deixou de ser uma instituição frequentada somente pelos filhos da burguesia, dos funcionários do Estado, dando lugar também à classe trabalhadora (ALVES, 2006).

De acordo com Alves (2006), a Escola Dualista surgiu nos domínios do reino luso-brasileiro, durante o processo de implantação e desenvolvimento das reformas pombalinas da instrução pública. Nesse sentido, ao examinarmos as escritas de Neves (2014), notamos que Marquês de Pombal (1699-1782), das inúmeras reformas que fez com o objetivo de modernizar Portugal e suas colônias (especialmente o Brasil), expulsou, de ambos, os jesuítas, acabando com o monopólio do ensino jesuítico (1759), cuja corrente pedagógica era de expressão feudal produzida dentro da contrarreforma (portanto antiburguesa), dando início a um processo de laicização e estatização do sistema educacional. No entanto, a expulsão da Companhia de Jesus da colônia brasileira (1530-1822) deixou, durante a segunda metade do século XVIII até as primeiras décadas do século XIX, um vácuo no ensino secundário, visto que não havia outro sistema de educação secundária e pública, além das escolas jesuíticas. Essa lacuna foi sendo preenchida com cursos independentes chamados de aulas régia. Ressalta-se que a classe burguesa era favorecida nesse sistema de ensino. A educação continuava elitista, exclusivista, excludente, profissionalizante, em consonância com o modo de produção capitalista, à força de trabalho.

Mesmo com a vinda da Família Real para o Brasil (1808) e as mudanças educacionais brasileiras trazidas em seu bojo (como a criação dos primeiros estabelecimentos oficiais de ensino secundário e das primeiras faculdades durante o Segundo Império, de 1840-1889), a educação nacional continuou precária e elitista. Liceus ou escolas públicas secundárias foram criados, com a independência do Brasil (1822). O Colégio Pedro II foi fundado em 1837 e seu modelo francês de currículo e ensino influenciou várias escolas (que passaram a adotar programas iguais ou semelhantes ao da escola padrão) até a aprovação da LDB de 1971. Com a instalação da Republica, passaram a se preocupar com uma educação de caráter nacional, favorecendo a implantação de mais unidades de ensino público (como as Escolas Normais Secundárias, em 1920) bem como particulares, como o Marista (1880). Entretanto, as escolas secundárias, voltadas para a classe dominante, preparavam candidatos para exames seletivos de acesso aos cursos superiores (Militares, Episcopais, Medicina, Direito, entre outros), além de garantir status à elite brasileira, que almejava ascender à educação europeia, por meio do ensino do Latim e da leitura dos clássicos, que alimentavam os currículos dessas escolas (NEVES, 2014).

Essa divisão no interior dos sistemas educacionais deu origem à Escola Única, cujos fundamentos advém do escolanovismo2 , que [...] incorporou a concepção formulada pelo liberalismo clássico no que se refere aos princípios gerais da educação pública. Se, desde o século XVIII, eram celebrados como elementos que a qualificavam -universal, laica, obrigatória e gratuita -, o movimento escolanovista reforçou-os em sua plenitude e acrescentou-lhes, tão somente, um princípio complementar: única. (ALVES, 2006, p. 156).

Esse último princípio da escola pública permite entendermos "a especificidade do processo de difusão da escola contemporânea, caracterizado pela realização de uma nova forma de ensino marcada pela unidade do conteúdo" (ALVES, 2006, p. 156). De acordo com Alves (2006), a emergência da expressão escola única, no plano conceitual, exprimi as características singulares da nova forma de ensino em oposição ao modelo escolar dualista que vigorava até então. Para o autor, A escola nova burguesa tornou-se escola única em dois aspectos indissociáveis: de um lado, destinou-se a todos, filhos de burgueses e de trabalhadores, e de outro, superou o dualismo entre formação profissionalizante -exclusiva das escolas anteriormente dirigidas aos filhos dos trabalhadores -e a formação humanístico-científica -até então restrita aos filhos dos dirigentes da sociedade. (ALVES, 2006, 157, grifos do autor).

A Escola Única, desde a sua fundação, procurou cumprir a promessa burguesa de universalizar a educação. Lastreou a unidade de seu plano de estudos nos conteúdos humanísticos -seguindo o modelo de educação da Antiguidade Clássica (grecoromana) e da Idade Média do Trivium, composto pelas disciplinas Lógica, Gramática e Retórica, e do Quadrivium, por Aritmética, Astronomia, Música e Geometria -e nas ciências modernas. Na visão de Alves (2006, p. 157, grifo do autor), "Ante a destruição da escola profissional, a de educação geral tornou-se escola única, mas não deixou de ser outra coisa senão o ramo sobrevivente da escola burguesa dualista, cujo atendimento privilegiara, no passado, os filhos das classes dirigentes."

A Escola Única que se universalizou continuou excludente, elitista, organizada e financiada pela classe dominante. Tendo os manuais didáticos como seu instrumento de realização, operando um progressivo aviltamento dos conteúdos, por exemplo, com o desaparecimento dos clássicos da sala de aula, a Escola Única moldou-se ao mercado editorial, acompanhou o movimento reversivo e perverso da ideologia burguesa, empresarial. A simplificação do trabalho didático gerou um barateamento dos serviços prestados pelos professores, que tem refletido no sistema educacional contemporâneo uma acentuada desvalorização da carreira docente. Se na Escola Artesanal, o preceptorado era uma atuação profissional valorizada e procurada, na Escola única dos nossos dias a carreira docente é desvaloriza, esvaziada.

Feita essa exposição, deve ser reafirmado que a Escola de Papel que opera na educação pública contemporânea, tendo surgido no período na Escola Manufatureira, atravessado a Escola Dualista, tornou-se uma extensão da Escola Única. A Escola de Papel adota como instrumento principal o livro didático. Os índices das avaliações (sobretudo externas) são cultuados. Quanto ao ensino das práticas de linguagens, essa escola é essencialmente escriturística, sendo, segundo essa perspectiva, a fala inferior em relação à escrita. Na Escola de Papel, o texto literário "não está em parte alguma", como afirma Zilberman (2013, Na Escola Artesanal, tinham livre trânsito a literatura, os originais de Aristóteles, Cícero, Demóstenes, Santo Agostinho, Heródoto, Xenofonte, Homero, Horácio, Camões, Verney, entre outros. Na leitura interativa artesanal, a voz e as percepções dos estudantes eram sentidas no interior da ágora, nas batidas sensíveis e sábias do coração e mente brilhante do preceptor. Na próxima subseção, discutimos, sumariamente, o ensino de Literatura nas escolas manufatureira, dualista e única.

4. a) Tensionamentos manufatureiros no ensino de literatura: do leitor ao aluno

Nas Escolas Manufatureiras, Dualista, Única (em razão de sua natureza tradicional, aqui as denominamos também de escolas de papéis) a literatura, o preceptorado, os clássicos e o leitor saem de cena e dão lugar ao manual didático, aos textos literários fragmentos, ao aluno enquanto objeto fabril da mais-valia capitalista, à escolarização inadequada da literatura, às práticas pedagógicas que não cativam, por isso, não formam leitores. Esse panorama de ensino de literatura com enfoque no aluno enquanto objeto fabril educacional (leitura para avaliações escolares e em larga escala, formação para o mercado profissional) e com abordagens microgramaticais a partir do texto literário causa tensionamentos, perturbações, inquietações nos atores educacionais envolvidos no ato de ler, na demanda por formação de leitores perenes.

Esses tensionamentos no âmbito do ensino de literatura são, neste artigo, representados pelas metáforas do crepúsculo da literatura nas séries finais do EF e do eclipse da leitura literária no EM. O crepúsculo é uma luminosidade acinzentada de intensidade crescente ao alvorecer e decrescente quando cai a noite. O fenômeno compreende o tempo de duração dessa luminosidade opaca, turva, embaçada, decadente. Tomamos como base o tempo crepuscular do pôr do sol ao anoitecer para discutirmos a decadência, o acinzentamento, a opacidade da leitura e do leitor nas séries finais do EF nas escolas manufatureiras, dualistas, únicas, de papéis.

No interior dessas escolas, vislumbramos dois movimentos luminosos distintos quanto ao trabalho com o texto literário, que vai da luminosidade de um dia ensolarado à claridade ofuscante, da beleza de um pôr do sol nas colinas à opacidade do crepúsculo. No primeiro, nasce o sol, seus primeiros raios invadem a biblioteca, as salas de aulas, a escola. Em que pese seus brilhos revelarem a precariedade física e recursiva de muitos desses ambientes, os feixes de luz trazem em seu bojo o encantamento e a luminosidade da leitura para a vida dos pequenos leitores das séries iniciais. Os mediadores de leitura (professores, bibliotecários, voluntários, servidores, pais, alunos, monitores de oficinas de leitura, escritores, poetas, entre outros) desempenham um papel singular na formação de leitores iniciantes e no encantamento do ato de ler nas séries iniciais, pelo uso que fazem de estratégias de contação, da voz, do cenário decorado, da seleção e indicação de bons textos. O uso da voz na sala de aula nas séries iniciais faz aproximar o aluno de sua própria voz, de sua subjetividade, visto que "escutar um outro é ouvir, no silêncio de si mesmo, sua voz que vem de outra parte" (ZUNTHOR, 2014, p. 81).

No segundo, o sol se declina no horizonte. O dia claro esvaece na entrada da noite. Um aspecto turvo e acinzentado adentra os rincões da escola. O brilho da leitura e do leitor das séries iniciais entra em decadência nas séries finais do EF. "É o crepúsculo, de novo", Edward Cullen, da saga Crepúsculo, murmura. "Outro final. Não importa quanto os dias sejam perfeitos, eles sempre têm que acabar" (MEYER, s/d, p. 217). A luminosidade decrescente e opaca desse fenômeno reflete o estado da leitura na escola, em que as primeiras leituras nas séries inicias são encantadoras, prazerosas, envolventes, em contrastes com as últimas nas séries finais, que têm caráter obrigatório, instrumental, avaliativo (fichas estruturais de leitura, provas, fluência...). O reino do prazer, da luminosidade, cede lugar ao reino da obrigação, do desgosto, da repulsa à leitura. Nesse sentido, Ceccantini (2009, p. 210) constata que tem ocorrido um afastamento do universo da leitura por parte de muitos leitores assíduos, formados durante os primeiros anos de escolarização: "Pesquisas recentes demonstram que há um abandono paulatino das práticas de leitura, à medida que esses leitores recém-cultivados vão deixando a infância e alcançando a juventude, num processo gradativo que só faz intensificar ao longo da vida".

Vivemos um tempo opaco, nebuloso, crepuscular, momento de crise educacional, em que pese o ensino brasileiro ter avançado e amadurecido bastante nas séries iniciantes, [...] no sentido de promover atitudes afirmativas e comportamentos mais ativos em relação à leitura, talvez como resultado de anos a fio de debate do tema nas mais diferentes esferas: cursos de licenciatura e de formação continuada, seminários e congressos, diretrizes educacionais em âmbito regional ou nacional, farta bibliografia especializada e disponível sobre o assunto, estímulo do forte mercado editorial de literatura infantil, entre outras possíveis razões [...]. (Ceccantini, 2009, p. 212, 213).

A decadência, a morte do leitor (e o surgimento do aluno coisificado, produto mercadológico) e da leitura literária na fase crepuscular do EF se evidencia no fato de que a Escola de Papel sempre fez o aluno ler a qualquer custo (ações de coerção típicas do sistema escolar: ler para exame bimestral; atribuição de nota à ficha de leitura; ler lista de obras, apreensão de técnicas de redação e de interpretação de textos para exames), "com resultados muitas vezes desastrosos e sobejamente conhecidos, vacinando gerações a fio contra a leitura" (CECCANTINI, 2009, p. 216).

Decadentes, tensionados, inquietos, mordidos pelos vampiros da leitura (paupérrimas ações governamentais para a leitura e o livro; escolarização inadequada da literatura (SOARES, 1999), práticas pedagógicas inócuas, entre outras), os alunos, imersos no acinzentamento do crepúsculo do EF, são lançados na noite escura do EM, onde experimentam um aprofundamento da crise da leitura literária. Outro fenômeno se instala. É o eclipse lunar no EM! "Naquela noite o céu estava completamente negro. Talvez não houvesse lua -um eclipse lunar, uma lua nova. Uma lua nova. Eu tremi embora não estivesse com frio.", narra Bella, sob a sombra do eclipse (STEPHENIE MEYER, s/d).

Eclipse é um obscurecimento de um corpo celeste por outro. Júnior (2018) conceitua esse fenômeno como "o escurecimento total ou parcial de um astro feito por meio da interposição de um segundo astro frente à fonte de luz", desde que haja um alinhamento das órbitas da terra ao redor do sol e da lua ao redor da terra. Há dois tipos de eclipses: o solar e o lunar, segundo Júnior (2018). Focalizamos o solar como metáfora do eclipse da literatura no EM. O eclipse solar ocorre quando a lua se posiciona entre o Sol e a Terra, projetando a sua sombra total (umbra) ou parcial (penumbra) sobre a Terra. Os raios solares do dia refletem nas séries iniciais, despertando o encanto pela leitura nos leitores iniciantes. O crepúsculo e o seu aspecto turvo de claridade ofuscante implantam o desencanto pela leitura nas series finais do EF. A densa escuridão provocada pelo eclipse solar total e a penumbra evidenciam a crise do ensino e da leitura de literatura e da formação de leitores no EM.

Os astros sol, lua e terra, envolvidos no eclipse, nesta pesquisa, são figuras do ensino e leitura de literatura na educação básica. O sol, com seus raios vívidos, representa o que de melhor a escola tem desenvolvido no âmbito da leitura e formação do gosto pelo texto nas séries iniciais. A lua, em efeito de eclipse, com a sua dupla face (uma brilhante, direcionada para o sol e outra escura, voltada para a terra), representa uma fase de transição do prazer (lado claro, nas séries iniciais) para o desprazer da leitura dos gêneros literários (lado escuro, no EF). Por seu turno, a Terra, em pleno dia, ofuscada pelo eclipse solar, representa as velhas práticas escolares tradicionais, que imperam com mais vigor nos centros de EM, nas escolas de papéis, cujos processos de formação do gosto pela literatura têm acentuado o afastamento dos alunos da arte literária. A umbra representa instâncias escolares, que vivem graves momentos de crise e atraso no âmbito da formação de leitores de literatura. A Escola de Papel vive dias perenes de escuridão. Há um eclipse solar duradouro, que parece de expressão imorredoura, que tem deixado a sala de aula ofuscada, professores, em pé, com o giz na mão diante do quadro azul e alunos desinteressados, ambos copistas, em estado de escuridão, sem saber o que, onde e para que escrevem e leem.

Se a literatura clássica tinha um espaço na escola artesanal, embora destinada às classes nobre e burguesa, nas escolas manufatureira, dualista, única, de papéis, os clássicos não estão em lugar algum, porque foram ofuscados pelo eclipse das releituras mal elaboradas dos clássicos, dos livros didáticos, constituídos de trechos (mal selecionados) de obras clássicas e de autores privilegiados, do uso de gêneros literários como pretexto para análises metalinguísticas. Com efeito, a formação integral do aluno ficara comprometida. E o professor [...] deixou de ser um sábio na transição da escola artesanal para a escola manufatureira, as obras dos sábios deixaram de ser referência no âmbito do trabalho didático, sendo substituídas por elaborações de novos especialistas, os compendiadores. Perderam-se a visão de totalidade e, na mesma medida, a possibilidade de formação do cidadão, que pauta a compreensão de seus direitos, de seus deveres, de seu fazer e de si mesmo pela compreensão da sociedade. (ALVES, 2006, p. 170) O eclipse solar alcançou, no Brasil, sua maior intensidade, nas imediações das escolas manufatureira e dualista. O ensino de literatura, transplantado do currículo humanista francês e promovido pelo professor manufatureiro e dualista, por meio da ferramenta manual didático, era pautado pelo ensino das línguas clássicas (o Latim e o Grego), nas aulas régias, nos primeiros estabelecimentos de EM, implantados pela família real, nos liceus, no Colégio Pedro II, nas escolas normais secundárias e nas instituições particulares. O ensino literário ficara ofuscado, porque circunscrito ao ensino de gramática latina (ensinavam o 'bem falar' e o 'bem escrever'), da poética clássica, limitado ao manual didático. Segundo Neves (2014), se apropriando dos estudos de Razzini (2000), as aulas de Língua Portuguesa no Colégio Pedro II se dedicavam apenas ao estudo da Gramática. No período da Escola Única, vieram a Leitura Literária e a Recitação (1855) para auxiliar no ensino de língua, nos primeiros anos do secundário, mas com enfoque tradicional, estruturalista.

A literatura clássica, nas escolas secundárias elitistas, sob a égide da produção manufatureira e dualista, sofreu um obscurecimento. A essência do texto literário bem como os conhecimentos e prazeres estéticos, que ele veicula ou faz experienciar no leitor, foram ofuscados. O fenômeno do eclipse pairou nas escolas secundárias durante todo esse período porque os autores e textos canônicos serviam de referência apenas para o conhecimento e a aquisição da língua escrita e falada. Até os anos 50, "formou-se uma geração de cidadãos bacharéis cujo desempenho linguístico e conhecimento da poesia estavam em escrever à Camões, falar à Vieira, sonetar à Olavo Bilac" (NEVES, 2014, p.135).

Ainda em nossos dias, convivemos com práticas perpetuadas e resistentes da escola única, de papel, quanto ao modo como o ensino literário tem sido abordado na sala de aula. Para Zilberman (2010) e Rezende (2013), a leitura literária recebe um tratamento stricto sensu pragmático; fato que pode ser verificado, em grande parte, nos manuais didáticos utilizados por muitos professores. O modus operandi prescinde da experiência plena de leitura do texto literário pelo leitor. Em lugar da experiência estética, os textos literários são apresentados em forma de excertos, de trechos de obras, com ênfase nas modulações históricas e, por conseguinte, na cronologia literária, respectivamente, por serem considerados exemplares de determinados estilos; enfoque preocupante, mas recorrente no contexto do EM. As atividades de leitura de textos literários no EM são restritas. Devido ao reduzido espaço conferido aos textos, os alunos recebem apenas informações sobre autores, características de escolas e obras, tendo, portanto, um tempo exíguo para leitura integral das obras, comprometendo, assim, as habilidades leitoras para a formação de um leitor proficiente in fact, acentuando a densa escuridão do eclipse e o obscurecimento da obra literária na sala de aula.

Sob o efeito do eclipse, o professor (e seu potencial estado de mudança (devir) para mediador, articulador da leitura (COSSON, 2020)), o leitor e o próprio texto literário, quando presente na sala de aula escura, são invisibilizados. Definitivamente, a literatura é apagada, ofuscada, na escola. Segundo Cosson (2014b), há vários indícios para o seu estreitamento, apagamento. Um deles é o próprio livro didático, que é constituído pelos mais variados textos, de origem e função distintas (receitas, regulamentos, roteiros de viagem, textos jornalísticos etc.), com fragmentos recortados, adaptados ou condensados de gêneros; modalidades, contextos culturais e temas distantes da literatura. Outro índice flagrante é a recusa das obras clássicas por causa das dificuldades impostas aos alunos por textos complexos; recorrendo, desse modo, às adaptações cinematográficas e/ou aos resumos pasteurizados na internet e de credibilidade vacilante. Lamentavelmente, nos dias atuais, apregoa-se que a literatura ocupa um lugar indevido no ensino escolar porque se trata apenas de uma manifestação cultural, e que, em função da diversidade temática, os livros literários devam ceder lugar aos filmes, shows, vídeos, programas televisivos, entre outros, que compõem a geração dos jovens, que estão no exercício do ensino e aprendizagem em nossas escolas (COSSON, 2014b).

O resultado de tudo isso é o estreitamento do espaço da literatura na escola e, consequentemente, nas práticas leitoras das crianças e dos jovens. No campo do saber literário, o efeito de tal estreitamento pode ser potencialmente ainda mais desastroso porque a escola é a instituição responsável não apenas pela manutenção e disseminação de obras consideradas canônicas, mas também de protocolos de leituras que são próprios da literatura. Se a presença da literatura é apagada da escola, se o texto literário não tem mais lugar na sala de aula, desaparecerá também o espaço da literatura como lócus de conhecimento. ( Diante da exposição, é premente a necessidade de deslocamento em direção à uma Nova Instituição Escolar, que denominamos de Neoartesanal, cujas bases, no âmbito do ensino e leitura literária, ancoram-se nas práticas que revalorizam as vozes dos leitores, na personalização do ensino da Escola Artesanal, nos princípios da Escola Única (universal, laica, democrática), mas indo além (inclusiva, criativa, transformadora (TORRE; ZWIEREWICZ, 2009)). Se na passagem da Escola Artesanal para a Escola de Papel ocorreu a mudança do leitor ao aluno; nessa Nova Instituição Educacional ocorre um movimento reverso, de retorno, de revalorização do leitor, que fora suplantado pelo aluno objetificado nas escolas manufatureira e dualista. Estudos da Estética da Recepção (ISER, 1996(ISER, , 1999;;ECO, 1994ECO, , 2011;;JAUSS, 1993JAUSS, , 2002) )

5. b) Nuances Neoartesanais no ensino de literatura: do aluno ao leitor

Depois do crepúsculo e do eclipse no EF e no EM, da noite densa nas escolas de papéis, que têm operado perturbações e tensionamentos, espera-se um amanhecer, que indica o começo de um novo raiar, um alvorecer, uma manhã sempre inéditos, que traz em seu bojo nuances (gradação de cor que permite cambiantes de pequena alteração, matiz, tonalidade) neoartesanais. A emergente Escola Neoartesanal, que tem irrompido na produção das escolas públicas contemporâneas, apresenta gradação de cores, tonalidades de luz que fortalecem o ensino e leitura de literatura em seus espaços.

Pela luminosidade do amanhecer, essas nuances ou alterações gradativas de cores na Escola Neoartesanal cristalizam-se em pesquisas, propostas e práticas pedagógicos, cujos elementos centrais são o texto literário e o leitor, que vive, nesse contexto, um processo de renascimento. Campos diversos de conhecimento, como a Linguística Aplicada, a Semiótica (didatizada ao ensino de Português), a Análise do Discurso, entre outros, a formação inicial de professores de língua portuguesa e literatura numa perspectiva dialógica, criativa, interativa, sensível e programas de Pós-Graduação stricto sensu sobre ensino de Língua Portuguesa e Literatura (destacamos o Programa de Mestrado Profissional em Letras -PROFLETRAS) têm problematizado e apresentado alternativas para o ensino e leitura de literatura na sala de aula.

Há, no interior da Escola Neoartesanal, focalização na leitura de prazer, de fruição (BARTHES, 1987; BRASIL, 2018), nas práticas de análise escolarização adequada do texto literário, pois conduzem "eficazmente às práticas de leitura literária que ocorrem no contexto social e às atitudes e valores próprios do ideal que se quer formar" (SOARES, 1999, p. 47).

Na Escola Neoartesanal, é assegurado ao leitor, autonomia na realização de suas atividades, individualmente, ou em pequenos círculos de leitura. Os encontros com os professores para a discussão das obras lidas não se resumem às aulas na sala de aula, ganhando formas mais diversificadas, desde sessões de discussões em praças públicas, em grupos em aplicativos de redes sociais, até extensões com cinema e teatro.

A Escola Neoartesanal focaliza a humanização do leitor pelo texto literário, pois a literatura tem um modo peculiar de humanizar, nos tornar melhores, por isso se constitui como um bem, um direito incompressível, inalienável, que o leitor não pode abrir mão (CANDIDO, 2002(CANDIDO, , 2004)). Em assimetria com a humanização, a ecoformação também é um princípio norteador das práticas pedagógicas neoartesanais. da literatura é desenvolver o hábito, criar o gosto pela leitura e formar o leitor crítico-criativo. O prazer de ler e a leitura de fruição são combinados em atividades que dão deleite ao leitor. Neste paradigma, o professor desempenha dois papéis: o de leitor-modelo (apaixonado pelo texto literário) e o de mediador (motivador da leitura, biblioterapeuta). O leitor passa a ter uma posição ativa (participa da escolha negociada entre escola, professor e ele), contribuindo para sua formação. "A função da escola seria, por um lado, proporcionar o acesso aos livros e, por outro, garantir o tempo para a leitura de fruição" (COSSON, 2020, p. 143). O material de ensino é o texto literário integral. Leitura de fragmentos é praticamente ignorada nesse paradigma. Três atividades de sala de aula são propostas nesse modelo: hora do conto, cantinho da leitura e diário de leitura (registro das impressões subjetivas em um caderno para compartilhamento). Para a avaliação, utiliza-se o próprio diário de leitura, um relatório das leituras (com uso de recursos diversos: impressão escrita e pessoal, associação com outros textos, vídeos, fotografias, produtos culturais, canções...), a performance em atividades de oralização (declamação, dramatização...).

No paradigma do Letramento Literário 4 , o objetivo do ensino da literatura é desenvolver, ampliar, aprimorar a competência literária do aluno. Este paradigma toma a literatura como uma prática e não como um conteúdo a ser ensinado. A linguagem literária, compreendida como um repertório de textos (instâncias do texto, intertexto e contexto) e práticas de ler e produzir obras literárias, é o objeto quando se ensina literatura. Metodologicamente, este paradigma compreende um percurso entre dois polos: o manuseio do texto e o compartilhamento da experiência literária pelos leitores. Nesse percurso, o aluno passa por três estações: encontro pessoal do aluno com a obra; leitura responsiva, resposta dada à leitura do texto; e leitura como prática interpretativa. O papel do professor é "essencialmente arquitetural, no sentido de que a sua função é planejar as atividades e projetar os caminhos que serão percorridos pelos alunos, sabendo que o desenho feito é tão somente um conjunto de indicações mais ou menos precisas [...]", pois o desenvolvimento da atividade é atribuição exclusiva do estudante (COSSON, 2020, p. 190, grifos do autor). Nesse modelo de ensino da literatura, o estudante é o principal agente do processo pedagógico, devendo realizar as atividades programadas pelo professor, bem como atuar coletivamente na forma de uma comunidade de leitores que é a sala de aula. O papel da escola é garantir um espaço próprio e condições adequadas para o ensino da literatura. A seleção dos textos linguística/semiótica dialógicas, nas práticas de literários deve ser plural, significativa e diversa. O material de ensino é multifacetado e diverso (livros, filmes, vídeos caseiros, miríades de formas e suportes, avatares da literatura 5 ). As atividades compreendem as duas sequências, uma básica e outra expandida, apresentadas na obra Letramento Literário: teoria e prática (COSSON, 2014a); e outras tantas apresentadas na obra Círculos de Leitura e Letramento Literário (COSSON, 2014b), como Leitura Silenciosa (meditativa e sustentável), Leitura em Voz Alta (hora do conto, sacola de leitura), Leitura da memória (coro falado e jograis), Leitura da interação (fanfiction, jogos de personificação (RPG), seminário socrático), Leitura Cumulativa, Leitura Compartilhada, entre outras possibilidades.

Como avaliação, este paradigma propõe a memória do leitor ou memorial da leitura, um relato autobiográfico sobre o percurso do aluno na construção do seu repertório literário; a apresentação de um produto final individual ou coletivo (ensaio, diário de leitura, portifólio).

IV.

6. Conclusão

Neste trabalho, investigamos a gênese, a constituição da Escola de Papel contemporânea. Para tanto, discutimos a origem, princípios e fundamentos de práticas pedagógicas das Escolas Artesanal, Manufatureira, Dualista e Única. Vimos que a Escola de Papel surgiu no interior das Escolas Manufatureira, Dualista e Única, não as substituindo, mas perpetuando suas práticas metodológicas tradicionais. Discutimos, ainda, a produção do ensino da literatura no centro dessas escolas. Nesse passo, a partir das metáforas crepúsculo e eclipse da literatura na escola, evidenciamos inquietações, tensionamentos que as abordagens tradicionais provocam nesses espaços, ofuscando, invisibilizando professores, alunos que se tornaram objetos da produção fabril escolar, leitores em potencial e a própria escola, enquanto lugar privilegiado de instrução pública, cuja função, no campo do ensino da literatura, é formar leitores autônomos, críticos, mas não tem alcançado esse objetivo de formar leitores perenes.

Diante dos tensionamentos provocados pela umbra e penumbra do crepúsculo e do eclipse da literatura na escola, apresentamos matizes, nuances de uma nova instituição escolar que tem surgido no âmago dessas perturbações, a Escola Neoartesanal. Com a mudança de tonalidade depois do crepúsculo, do eclipse, a luminosidade da aurora tem trazido em seu bojo investigações, eventos e práticas de letramentos literários criativos, transformadores, que potencializam o renascimento de leitores (subjetivos) e a formação de fruidores perenes de literatura. Como evidências de que os primeiros raios do sol já começam a alvorecer no 5 Sobre avatares da literatura, ver Cosson (2014b). horizonte de muitas escolas, apontamos práticas que valorizam os diferentes modos de fruir o texto literário (propostas pelos paradigmas da literatura: formação do leitor e letramento literário), pela subjetividade leitora, bem como por campos de pesquisa e programas de Pós-Graduação que promovem a leitura e ensino da literatura na educação básica e na formação inicial de professores.

Das Escolas de Papéis, os princípios de uma escola universal, laica, democrática, para todos devem ser preservados. As práticas tradicionais que ainda vigoram nesses espaços devem ser demolidas para a instituição, consolidação, ampliação de uma nova instituição educacional, qual seja, a Escola Neoartesanal. Nesta linha, entre outras ações, as instâncias governamentais devem revalorizar o preceptor, que fora substituído pelo professor manufatureiro; equipar bibliotecas com variedades de obras literárias, fruto da ampliação das políticas culturais para o livro e a leitura; melhorar a infraestrutura das escolas e ampliar, modernizar seus recursos didáticos. Nas práticas pedagógicas dos professores de língua portuguesa e literatura, o livro didático não deve ser a única ferramenta de trabalho e formação de leitores de literatura. Os docentes devem ser leitores ficcionados pelo texto literário e, aos estudantes, devem apresentar atividades de leitura envolventes e personalizadas.

É preciso cultivar a leitura por prazer, as práticas de letramento literário e fortalecer as escolas neoartesanais, para, assim, constituirmos em seus espaços leitores apaixonados pela literatura. É um processo complexo, difícil, quanto possível. Podemos escolher trabalhar com as melhores potencialidades dos professores e estudantes, embora essa escolha demande muitos esforços, enfrentamentos, embates, desmanche da rotinização da escola tradicional. Por fim, esperamos contribuir com as investigações sobre o ensino de literatura, de modo a permitir reflexão, novas políticas educacionais, pesquisas e práticas pedagógicas, projetos de leitura literária, tomando as discussões (inacabadas) que desenvolvemos como pontos motivadores.

Figure 1.
Da Escola Artesanal, interessa-nos a
metodologia e o espaço destinado ao ensino da
literatura, em detrimento do direito e acesso à literatura
que eram privilégios da classe burguesa, dos filhos dos
colonos. A obra literária era lida e discutida na sua
integralidade. Os clássicos eram trabalhados na relação
individualizada preceptor-educando, desenvolvendo
relevante função, visto que eles "fecundavam o trabalho
didático e davam consistência à formação dos
estudantes" (ALVES, 2006, p. 159). No currículo
artesanal, a literatura clássica, ao lado dos estudos
gramaticais, retóricos e humanistas e o leitor ocupavam
lugar de primazia. No Brasil, no entanto, no âmbito da
atuação da Companhia de Jesus, os preceptorados
jesuítas sujeitados aos moldes clássicos, portugueses e
franceses apresentavam a literatura clássica apenas
para filhos de colonos e para mulheres refinadas
frequentadoras dos salões da corte, suprimindo temas,
fé, cultura e motivos literários locais em suas aulas.
Figure 2.
Torre; Moraes e Pujol (2008) adotam o termo
ecoformação 3 para se referir ao desenvolvimento da
consciência conectada com o meio natural, a realidade
social, a razão e a emoção, numa maior incidência
nos valores humanos. Nas aulas de literatura, as
práticas ecoformativas valorizam as ações
interdisciplinares e transdisciplinares. Projetos de
letramento literário são desenvolvidos em cooperação
com outros componentes curriculares. Os saberes dos
estudantes e temas da comunidade local fazem parte
de ações literárias, como o tema das Olimpiadas de
Língua Portuguesa: 'O lugar onde vivo'.
Na Escola Neoartesanal, prevalecem dois
paradigmas contemporâneos de ensino da literatura
com foco no leitor, na personalização do ensino,
discutidos por Cosson (2020): Formação do Leitor e
Letramento Literário. No primeiro, o objetivo do ensino
3 A ecoformação é compreendida como "[...] uma maneira sintética
integradora e sustentável de entender a ação formativa, sempre em
relação ao sujeito, à sociedade e à natureza. O caráter de
sustentabilidade somente é possível quando se estabelecem relações
entre todos os elementos humanos. A partir de um enfoque
transdisciplinar a entendemos como um olhar diferente da realidade e
seus diversos níveis. A ecoformação comporta, entre outras, as
seguintes características: a) vínculos interativos com o entorno natural
e social, pessoal e transpessoal; b) desenvolvimento humano desde e
para a vida, em todos seus âmbitos e manifestações de maneira
sustentável. A sustentabilidade é um traço fundamental da
ecoformação e de todos os conceitos relativos a 'eco' como
ecopedagogia, ecodesenho, ecoavaliação, ecossistemas; c)
2
4

Appendix A

  1. Oficina de leitura: teoria e prática, A B Kleiman . 2013. São Paulo: Pontes.
  2. A literatura e a formação do homem. A Candido . Textos de intervenção -seleção, apresentações e notas de Vinícius Dantas, (São Paulo
    ) 2002. Coleção Espírito Crítico. 34.
  3. O direito à literatura. A Candido . CANDIDO, A. Vários escritos. 4. ed. São Paulo: Duas cidades, 2004.
  4. Metodologia do trabalho científico, A J Severino . 2017. São Paulo: Cortez. (livro eletrônico]. 2. ed.)
  5. Leitura subjetiva e ensino de literatura, A Rouxel , G Langlade , N L Rezende , De . 2013. São Paulo: Alameda.
  6. Oser lire à partir de sol: enjeux epistemologiques, ethiques et didactiques de la lecture subjective. A Rouxel . Revista Brasileira de literatura Comparada 2018. 35 p. .
  7. Práticas de leitura: quais rumos para favorecer a expressão do sujeito leitor? Trad. Neide Luzia de Rezende e Gabriela Rodella de Oliveira. A Rouxel . Cadernos de Pesquisa, v jan/abr. 2012. 42 p. .
  8. Base Nacional comum curricular. Brasil , Bncc . Ensino Médio. Brasília: Mec 2018.
  9. A literatura no ensino médio: os gêneros poéticos em travessia no Brasil e na França. C A Neves , De B . Tese de Doutorado, (Campinas, SP
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  10. Escola Nova e processo educativo, D G Vidal , E M Lopes , L Figueiredo , C Greivas . 2003. Belo Horizonte: Autêntica. (orgs.). 500 anos de educação no Brasil. 3. ed.)
  11. A produção da escola pública contemporânea, G L Alves . 2006. (4 ed. Campinas: Autores Associados)
  12. A literatura como provocação (história da literatura como provocação à teoria literária), H R Jauss . 1993. Vega.
  13. A estética da recepção: colocações gerais. H R Jauss , L C Lima . Textos de estética da recepção, (Rio de Janeiro
    ) 2002. Paz e Terra. (A literatura e o leitor)
  14. Leitores iniciantes e comportamento perene de leitura. J L Ceccantini , F Santos , J C M Neto , T M Rösing , K (orgs . Mediação de leitura: discussões e alternativas para a formação de leitores, (São Paulo
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  16. Por uma linguística aplicada indisciplinar, L P Lopes , Da . 2006. São Paulo: Parábola.
  17. Ensino da literatura: diversidade e fronteira, M A Melo , A A Silva . jul./dez., 2011. Polifonia, Cuiabá, MT. 18 p. .
  18. Literacy and politics of representation, M Hamilton . 2012. London: Routlegde.
  19. Do mundo da leitura para a leitura do mundo, M Lajolo . 2005. São Paulo: Ática. 6.
  20. Científico em Literatura no Ensino Médio: a produção de saberes ecoformativos. M R Morais , Letramento . Tese (Doutorado em Letras: Ensino de Língua e Literatura, (Araguaína
    ) 2020. 2020. Universidade Federal do Tocantins. Programa de Pós-Graduação em Letras: ensino de Língua e Literatura
  21. O crepúsculo da literatura na Escola de Papel: caminhos de um amanhecer. M R Morais , J C Ribeiro , S De . Revista Porto das Letras, 2022. 08 p. .
  22. A escolarização da literatura infantil e juvenil, M Soares . MARTINS, A. et. al. (ed.) 1999. Belo Horizonte: Autêntica. ((orgs.). A escolarização da leitura literária)
  23. Leitura subjetiva e ensino de literatura, N L Rezende , A De ; Rouxel , G Langlade , N L Rezende , De . 2013. São Paulo: Alameda. p. . (Apresentação ao leitor brasileiro)
  24. Performance, recepção, leitura. Trad. P Zunthor . Jerusa Pinheiro e Suely Fenerich 2014. São Paulo: Cosac Naify Portátil.
  25. , R Barthes , Texto . 1987. São Paulo: Perspectiva.
  26. R Cosson . Letramento literário: teoria e prática, (São Paulo
    ) 2014. Contexto.
  27. Círculos de leitura e letramento literário, R Cosson . 2014. São Paulo: Contexto.
  28. Paradigmas do ensino da literatura, R Cosson . 2020. São Paulo: Contexto.
  29. A leitura e o ensino da literatura. R Zilberman . Curitiba: IBPEX 2010.
  30. 1euGQom8g_OPB9k6oMIWm5ju oH1lo6WVT/view, S Meyer , Twilight . https://drive.google.com/file/d/ p. .
  31. Transdisciplinaridade e Ecoformação: um novo olhar sobre a educação, S Torre , M C De La; Moraes , M A Pujol . 2008. São Paulo: Triom.
  32. Escolas criativas: escolas que aprendem, criam e inovam. S Torre , De La . Uma escola para o século XXI: escolas criativas e resiliência a educação, S Torre , M Zwierewicz (eds.) 2009. Florianópolis: Insular. p. .
  33. S Torre , M Zwierewicz . Uma escola para o século XXI: escolas criativas e resiliência a educação, (Florianópolis
    ) 2009. Insular.
  34. U Eco . Seis passeios pelos bosques da ficção. Trad. Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
  35. Sobre a literatura. U Eco . Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: BestBolso 2011.
  36. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. Trad. Johannes Hretschmer, W Iser . 1996. São Paulo. 1.
  37. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético, W Iser . 1999. São Paulo. 2. (Trad. Johannes Hretschmer)
Notes
2.

O ideário do escolanovismo ou Escola Nova, que teve origem no Brasil em 1920, veio para contrapor o que era considerado 'tradicional', dualista. Os seus defensores lutavam por diferenciar-se das práticas pedagógicas anteriores. Nesse paradigma educacional, todo indivíduo teria direito de ser educado, independente de razões de ordem econômica e social. A educação era uma função essencialmente democrática, pública, gratuita e universal(VIDAL, 2003).

4.

Letramento literário é "o processo de apropriação da literatura enquanto construção de sentidos." (PAULINO; COSSON, 2009, p. 67 apud COSSON, 2020, p. 172).

Date: 1970-01-01